Gran Torino e a mente política de Clint Eastwood - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Artigo

Gran Torino e a mente política de Clint Eastwood

Gran Torino
Direção: Clin Eastwood
Roteiro: Nick Schrenk, Clint Eastwood
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2008
Elenco: Clint Eastwood, Christopher Carley, Bee Vang, Ahney Her
Sinopse: Walt Kowalski é um veterano da Guerra da Coreia e um trabalhador aposentado da Ford que após a morte da esposa vive uma vida solitária distante emocionalmente da sua família preenchendo sua vida de cerveja e reparos caseiros. Cheio de preconceitos, seu bairro hoje ele é majoritariamente habitado por famílias de imigrantes, asiáticos, negros, latinos e etc. Sua vida vira de ponta cabeça ao fazer uma improvável amizade com a família asiática que mora ao seu lado.

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A primeira vez que assisti Gran Torino foi no SBT lá por 2011, que junto com a TNT – e muito menor nível a HBO e o TCM – costumavam passar diversos filmes do Clint Eastwood junto com o próprio canal da Warner, por serem de propriedade da Warner e terem uma parceria de anos com ela, a distribuidora de quase todos os filmes de Eastwood. Eu vi os filmes do Clint muito antes de ser cinéfilo justamente por ter crescido vendo de modo incansável eles em televisão aberta e á cabo, o que foi vital pra minha proximidade, intimidade e carinho pelo cinema dele. Eu tinha uns 14 anos, é o primeiro filme do Eastwood como cineasta que eu lembro de ter assistido e a experiencia foi tão marcante que procurei mais material sobre ele em redes sociais chegando até um vídeo da Isabela Boscov na Veja Cinema falando sobre o filme “rasgando” ele de elogios. Assim como Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992), Gran Torino é um filme que tem na sua centralidade a persona cinematográfica de Clint Eastwood e o seu passado refletidos por ele mesmo numa construção autoconsciente da sua própria imagem. Sai o cowboy do Velho Oeste, entra o justiceiro urbano da saga Dirty Harry

Assim como Harry, Walt Kowalski, protagonista de Gran Torino, é um armamentista, um homem furioso, conservador, punitivista, racista, xenofóbico e misantrópico só que assim como William Munny na sua obra–prima de 1992 Walt é desenvolvido e capturado de modo bem mais mundano, melancólico, reflexivo e revisionista. O filme remete até a uma consciência e um tipo classicismo que já vinha também de O Homem Que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962) do John Ford. Walt também parte de uma outra reflexão de Eastwood sobre um tipo de republicano padrão estadunidense que na época votava George Bush (desprezado por Clint) e anos depois votaria no Donald Trump. Grande parte do filme é muito sobre ele pensando sobre os rumos dos votantes dos Partido Republicano e quem são eles além de outras questões como a sua própria mortalidade e o tempo, questões sempre comuns na sua obra que foram se radicalizando com o tempo.

Kowalski, assim como Eastwood na época do filme, é claramente um republicano histórico. Mas eles são tipo de republicanos muito diferentes para além da óbvia diferença de poder econômico, cultural, fama etc. Eastwood sempre foi mais próximo de uma ala mais moderada do Partido Republicano (os John McCain, os Mitt Romney da vida e etc) mesmo com os apoios eleitorais pontuais para extrema direita:

seja os arrependidos para Nixon em 1968/1972 e para Trump em 2016 (apoio obviamente extremamente equivocado, mas que sempre foi feito com um claro desprezo dele pela figura de Trump e que foi seguido de muitas críticas de Eastwood a figura dele, a administração dele e depois retirado em todas as eleições seguintes) ou a simpatia descarada por Ronald Reagan. A extinção dessa ala no atual Partido Republicano e a personalidade economicamente liberal, aberta sobre questões de comportamento e com preocupações sociais fez com que Clint saísse do Partido que ele não é mais membro a anos (tendo tido inclusive o seu último apoio presidencial para um candidato do Partido Democrata), o que muitos ignoram. 

Clint é um homem de direita, crescido num lar conservador de uma família que ele amava profundamente e com algumas crenças mais de direita num país em que os dois únicos Partidos com poder real – o Partido Democrata e o Partido Republicano – são majoritariamente de direita variando entre uma direita social–liberal e uma extrema direita mais reacionária (vide como a opinião de certos líderes de ambos os Partidos sobre o genocídio cometido nesse instante por Israel é a mesma). E sua proximidade majoritária com o Partido Republicano tem muito mais a ver com um desprezo profundo e justo pelas elites políticas do Partido Democrata e as suas práticas do que com uma fé cega no Partido Republicano, já tendo sido desde sempre crítico ferrenho de diversas decisões do Partido e já tendo apoiado diversos políticos individualmente do Partido Democrata. É de Clint frases como “… Eu acho que o que os conservadores de ultradireita fizeram com os republicanos é realmente autodestrutivo, absolutamente estúpido…”. Por essas e muitas outras colocar alguém como Clint ao lado de figuras como Mel Gibson (um fanático de extrema direita desprezível e um artista medíocre) ou Vincent Gallo (um fanático de extrema direita desprezível e um grande artista) fragiliza qualquer argumentação sobre ele.

Já Walt Kowalski, diferente de Clint, é a imagem clara do republicano mais estereotipado possível, o mais bronco, o mais preconceituoso e o mais comum. O homem idoso de crenças reacionárias e o branco aposentado da classe trabalhadora de Detroit (cidade símbolo da decadência da indústria americana e do país como um todo) ex-operário da Ford que não compreende mais o mundo ao seu redor, a sua lógica e que por amargura, ócio, vazio e até medo poderia facilmente ter se tornando um zumbi fanatizado hoje em dia se tivesse sido pego por grupos de Whatsapp trumpistas se não tivesse se aproximado de Sue (Ahney Her) e Thao (Bee Vang). Todos conhecemos algum Walt Kowalski nas nossas vidas, nos nossos cotidianos e é curioso como uma figura tão intrinsicamente americana é tão universal se pensarmos em alguns bolsonaristas e pessoas mais conservadoras que cruzamos por aí ou estão nas nossas famílias em algum grau. O filme que se encaixa nesse tipo de homem vivendo os primeiros sinais de uma Era Obama (desprezado por Eastwood) que chegaria em 2009 também prenuncia um dos tipos de eleitor que seria crucial para a vitória de Donald Trump anos seguintes.

Recentemente eu comentava com dois amigos: o Icaro Gonçalves e o Luiz Brasil sobre esse reducionismo meio tolo e simplório que se faz de Eastwood como “o cineasta que é de direita mas é sensível” e “o grande cineasta conservador que faz filmes mais progressistas que cineastas progressistas e de esquerda” acabam se tornando por vezes caricaturais, longe uma realidade mais concreta e ambígua dele como realizador/figura e reduzindo qualidades muito mais interessantes dele como cineasta que podem ser debatidas para além desse papo mais frágil, repetitivo e que nas mãos erradas pode cair numa validação meio reaça de analise cinematográfica. Obviamente o humanismo e condução do Clint são sensíveis de um modo fora do normal, além dele demonstrar nuances e uma consciência crítica sobre tudo e todos que também é rara o que faz com que ele faça um filme como Um Mundo Perfeito (A Perfect World, 1993), um filme antipunitivista que combate o pensamento fascista que todos os criminosos são simplesmente seres que nascem maus ao invés de serem frutos de um sistema que ao invés de ajudar os jogam no crime mesmo quando ele tem potencial de fugirem disso nas suas índoles como fica evidente com a trajetória de vida do protagonista Butch Haynes (Kevin Costner). 

Apesar de eu achar que numa realidade alternativa com uma criação diferente o Clint tinha todos os impulsos pra ser um grande marxista, por mais que eu tenha certeza de que ele discordaria e me olharia com uma cara de total desaprovação se me ouvisse falar isso (seu filme Raposa de Fogo/Firefox de 1982 deixa claro a sua perspectiva anticomunista). Mas nesta em que vivemos, é obvio que isso vem do fato de Eastwood ter uma personalidade inteligente, questionadora, intrigante, complicada, complexa, contraditória, longe de dogmas ou sectarismos (grande parte dos seus melhores amigos e admiradores são Democratas ou figuras mais de esquerda, ele ama cultura, arte, ele é agnóstico, anteriormente era ateu, faz meditação, é vegetariano desde a morte do pai etc.), mas também o fato dele ser um libertário clássico estadunidense. A favor do aborto, desconfiado de todas as instituições, governos, agentes dela, contra a pena de morte, a favor da eutanásia, do casamento LGBT, a favor do controle de armas, contra a interferência em guerras internacionais (ele foi um dos pouquíssimos republicanos a criticar a Guerra do Iraque e o Vietnã foi um dos motivos pra ele romper com Nixon), das liberdades individuais, alguém que não ignora problemas estruturais como o racismo, o abuso de poder e mesmo assim é um hiper liberal economicamente com uma crença firme em privatizações e no fracasso do Estado. Mas é bom que se diga que o libertarianismo clássico americano de Eastwood e o seu liberalismo, mesmo que uma ideologia política equivocada, é diferente do de figuras como Javier Milei, Paulo Kogos, MBL, o Partido Novo, Felipe d’Avila e outros palhaços que se vendem assim, mas são só hipócritas reacionários querendo tirar direitos como o do aborto para mulheres, relativizando ditaduras ou invadindo exposições artísticas por puro preconceito e pânico moral. Eastwood é uma espécie em extinção em vários sentidos inclusive até nesse: em ser uma direita que mesmo com os seus equívocos não é tosca, não é reacionária, não é antidemocrática e é fiel aos seus preceitos liberais tanto na economia quanto em questões comportamentais. A perspectiva política do Eastwood está mais próxima do Ron Swanson de Parks and Recreation do que do próprio Walt de Gran Torino.

Ao mesmo tempo é óbvio que Eastwood também carrega traços conservadores na sua forma de ver o mundo e na sua obra. Gran Torino mesmo é uma grande carta provocativa contra o “politicamente correto” e os excessos na visão dele de uma “hipersensibilidade contemporânea”, algo que Eastwood é abertamente contra desde os anos 70. O que é fascinante porque na época de Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004) muitos conservadores disseram que Eastwood tinha ficado “mole” e Clint cos chamou de “extremistas que só sabiam reclamar sobre a ideologia de Hollywood”. Ele dá voz para os marginalizados, mas também é capaz de se utilizar de estereótipos mesmo que de forma autoconsciente e irônica. Ele produziu e participou do roteiro do primeiro Dirty Harry, que mesmo entendendo o protagonista como um fascista desprezível, o vê como um “mal necessário” diante de criminosos monstruosos que escapam da justiça pela flexibilidade e leveza das leis. Fez exibições dos filmes para policiais junto com Don Siegel. Seus filmes seguem e tem um carinho pela tradição e seus símbolos, apesar levarem a tradição e eles para um caminho mais abertamente sombrio e cheio de indagações. Eastwood é crítico ao próprio país, as suas figuras e é um antiautoritário, mas ele também acredita nos princípios individuais do povo americano, nas suas ideologias particulares, nos seus esforços profissionais, humanos e se solidariza com tudo isso. Ele aprecia a coletividade e a troca, mas também é individualista e tem simpatia pelos solitários. Seus filmes são muito mais uma “linha sempre tênue” usando a expressão do meu amigo Luiz entre o conservadorismo e o progressismo do que exatamente um deles. Ele opera numa ambiguidade humana – é o principal tema da carreira dele – e em contradições conscientes que cercam tudo e todos. E justamente por ser alguém tão ambíguo e tão dubio que Eastwood compreende tão bem a principal chave mestra da sua obra e consegue colocar isso em cena de modo tão autêntico, tão comprometido e tão radial. Com isso e com várias outras coisas.

Gran Torino habita muito nisso. É um dos filmes do Clint que mais está entre esses dois espaços. Eastwood vê valor e se empatiza com esse homem inicialmente totalmente fechado e desprezível que por baixo dos seus preconceitos e reacionarismos é um sujeito honesto, veterano de Guerra, de bons princípios, honrado, respeitador, com valores, princípios e senso de justiça. Eastwood vê valores admiráveis por trás desse direitista padrão geralmente apenas desumanizado, mas claramente asqueroso, equivocado e o filme está a todo tempo ameaçando o território do “racista com bom coração no fundo” e do “salvador branco”, mas algumas medidas do roteiro de Nick Schenk e do próprio Eastwood evidenciam diferenças cruciais desse filme com algo como Green Book (2018) por exemplo. A redenção de Walt só é possível a partir do momento que cena após cena ele vai suavizando e ficando mais doce após ir se afeiçoando com os dois irmãos e deixando os seus preconceitos de lado. Bom lembrar a primeira ação dele para proteger a família vizinha só é motivada por puro egoísmo quando o conflito chega até a grama do seu jardim. Mas esse é um filme crível e Walt nunca se torna simplesmente uma pessoa completamente consciente, bondosa e desconstruída de modo instantâneo aos 78 anos. Ele não reconhece mais o mundo ao redor dele cercado de imigrantes e pessoas não brancas como é visível na cena que ele vai ao hospital se sentindo desconfortável e cheio de raiva com isso, mas ele vai se abrindo a isso cena a cena com a companhia de Sue e Thao. 

Os filhos e filhas “postiços” que se tornaram uma obsessão recorrente da obra de Eastwood aqui se revelam nas figuras de “netos” postiços. Sue é a única que sabe lidar e responder o protagonista em pé de igualdade e justamente por isso encanta completamente o velho, enquanto Thao vira o seu pupilo. Os ensinamentos bem intencionados, mas retrógrados e quase masculinistas de Walt para Thao são tratados com algum valor de um tipo de postura que o filme até enxerga numa luz positiva, mas ao mesmo tempo nunca perdem de vista o fato que são visões de um homem ultrapassado e descolado com o tempo atual mesmo quando ele tem algum fiapo de razão, o que gera até um humor para as cenas. Além do fato deles em sua maioria eles darem errado ou quando não dão só servirem apenas para propósitos de Thao performar uma sobrevivência num mundo já difícil para ele tipo a cena que Walt consegue um trabalho para ele. O racismo de Walt poderia ser tratado como só algo “brincalhão do tio do churrasco” e com um sentimento de “é o jeito dele mesmo”, porém esse racismo sempre é visto como um dos defeitos do personagem e um dos seus traços mais negativos. Os traços positivos de Walt são valorizados, mas é sempre evidente que o racismo, o tipo de masculinidade toxica que ele exerceu como pai e o seu olhar de vida tão rigidamente conservador o fizeram alguém solitário e cheio de demônios até descobrir os pontos em comum com os valores e posturas de uma cultura totalmente diferente da sua que ele inicialmente despreza. Walt aprende que pode ser uma pessoa melhor, uma figura mais gentil e que no seu final de vida já doente aprende que pode contribuir com algo para pessoas que lhe mostraram um lado seu que ele desconhecia e que o mundo ainda valia a pena. Sua linda ação final é sobre essa retribuição fazendo o que lhe resta e o que está ao seu alcance ao invés da “salvação do herói branco”.

Sue e Thao são vistos sempre pelo ponto de vista de Walt e em como afetam a vida dele, mas nunca são ridicularizados pelo filme. Eles ensinam a Walt como amar e sentir empatia por pessoas que são diferentes dele e estão em um momento da vida que não é o dele, algo que ele não conseguindo transmitir para a sua família sanguínea e por isso existe um imenso abismo entre eles. Essas dicotomias são as belezas de Gran Torino. Eastwood despreza a Igreja Católica, mas vê num padre bem-intencionado alguém que merece um misto de gozação e respeito. Uma dinâmica repetida de Menina de Ouro. Walt se protege com armas, mas assim como Os

Imperdoáveis, elas só causam perdas e destruições. Sua despedida é um ato pacifista. Walt acredita na justiça com as próprias mãos, mas a rejeita no final das contas. Um homem ser fuzilado o faz encontrar a paz e é o máximo sinal dessa retribuição. Vidas são salvas mutualmente numa troca de tragédia e beleza. É curioso que um filme que enxergue o lado humano de um direitista padrão, seja o filme que defende a imigração, os imigrantes e a integração deles nos Estados Unidos, já que hoje essa é uma das principais pautas que a extrema direita luta contra. Existe uma certa oposição entre como o filme é roteirizado e dirigido. O roteiro do filme é muito bom, mas tem algumas maquinações mais caretas de trama e um uso mais obvio de estereótipos que surgem marginalmente dentro do filme (os “bons imigrantes” versus os “maus imigrantes” ou a neta de Walt como uma jovem com piercings representando o pior da nova geração americana) que são muito carregadas, não que a direção de Eastwood também não tenha a sua parcela disso. 

Tudo bem que um dos pontos fortes do cinema do Eastwood é brincar com estereótipos e provocar o público conscientemente da existência deles. O próprio Walt surge de um estereótipo e todo ao redor dele se revela assim partindo da sua visão, mas por mais que coisas como a neta dele sejam explicadas pelo filme assumir o próprio olhar de Walt e a desaprovação pelo visual da neta vir da visão de um velho retrógado e conservador parado no tempo que pensaria assim rosnando de cara fechada para tudo e todos principalmente isso eu acho que a caricatura vilanizada dela como uma jovem ambiciosa insensível acaba sendo muito boa e um atalho fácil para servir de contraste com os outros “netos” de Walt. Assim como eu entendo tematicamente e narrativamente o uso da gangue que atormenta a família de Thao, mas acho a caracterização dos personagens também excessiva e boba. Enquanto isso a direção de Eastwood preserva a sua dramaticidade sentimental magistral de uma crueza muito direta e sombria em como observa a figura de Walt e os microcosmos ao redor dele para chegar até o tipo de melodrama que quer. A fotografia espectral do Tom Stern com os seus contrates de preto e branco marcadíssimos e duros deixam isso evidente. A rua da sua casa se torna um mundinho próprio dirigido com muita objetividade, praticidade cênica e clareza. Esse deve ser um dos filmes mais contidos e modestos do Clint e nem por isso é menos preciso. Pelo contrário. A sobriedade de Eastwood vai seguindo esse mundo em planos em sua maioria estáticos, cores muito frias e dessaturadas, os plongées da sua casa a filmando pela parte de cima olhando pra baixo, os momentos na varanda, a localização dos personagens em primeiro (na frente) e segundo plano (atrás) nas mesmas cenas, os dissolves (transições de tomadas se sobrepondo) de Thao trabalhando enquanto é observado por Walt, os planos práticos elegantes seguidos de closes emocionais e movimentos calmos da câmera.  Tudo parece como esse homem moribundo. Até o momento que a câmera se movendo pontualmente mas nos momentos certos pulsa uma emoção muito grande dando um zoom suave em Walt quando ele diz na igreja “Oh, I am at peace”, quando vai descendo e fazendo um plano detalhe quando Walt deixa o seu copo cair devastado e destruído na casa de Sue ao ver a tragedia terrível que aconteceu com a sua “menina de ouro”, a câmera sobrevoando o seu corpo morto subindo por ele depois de fazer um plano detalhe da sua mão segurando o isqueiro e aquele sangue vermelho grosso caindo dela passando por aquelas cores dessaturadas de todo o resto, quando ela começa a se mover junto com os criminosos sendo presos e claro ela finalmente descendo até a blusa de Thao fazendo um close na medalha até ela ficar desfocada. A maioria dos atores ao redor de Eastwood não são bons e por mais que não exista cineasta melhor para escalar elenco e filmar seus talentos do que ele, lidar com intérpretes não profissional e sem experiencia não é forte da sua pouca paciência pra fazer e filmar isso, porém isso acaba servindo para os objetivos do filme de estabelecer um embate entre a presença icônica de Eastwood e o mundo mundano a sua volta. Guinado o filme por essa sua naturalidade saborosa, suave, tranquila, onde todos os planos têm o tempo certo, onde as coisas acontecem sem pressa e onde nenhuma marcação dramática é perdida de vista seja pela direção do Eastwood ou a montagem do Joel Cox. Uma das dicotomias belas do filme é o contraste entre a fragilidade do estado físico do Eastwood ator e a sua postura bruta em cena. O jeito que ele vai se abrindo emocionalmente chega ao brilhantismo no seu surto ao ver o que aconteceu com Sue com a câmera saindo do plano detalhe da sua mão machucada, indo até um close no rosto de mármore chorando rompendo o seu estoicismo e acabando num plano muito aberto dele se sentando na sua casa, cercado por aquela escuridão estilizada que percorreu a sua carreira nos anos 2000. Muito comovente, devastador. Momentos que um ator e a captura da sua imagem se tornam chegam numa simbiose máxima.

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