Crítica (3): Superman (2025)
Superman
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: David Corenswet, Anthony Carrigan, Rachel Brosnahan, Skyler Gisondo, Nicholas Hoult, Edi Gathegi, Nathan Fillion, Isabela Merced, Christopher McDonald, María Gabriela de Faría, Frank Grillo.
Sinopse: Um herói movido pela crença e pela esperança na bondade da humanidade. Em Superman, acompanhamos a jornada do super-herói em tentar conciliar suas duas personas: sua herança extraterrestre como kryptoniano e sua vida humana. O novo filme irá reunir personagens, heróis e vilões clássicos da história de Superman, como Lex Luthor, Lois Lane, Lanterna Verde, Mulher-Gavião, entre outros. O chamado de Superman será colocado à prova através de uma série de novas aventuras épicas e diante de uma sociedade que enxerga seus valores de justiça e verdade como antiquados.
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Ontem eu acordei com a notícia de que Israel havia atingido cerca de quarenta crianças que buscavam água em Gaza. Não obstante, a caminho do trabalho, estava ouvindo um podcast cujo tema central era a inteligência artificial de Elon Musk, Grok, tecendo comentários elogiosos a Hitler, entre outros comentários racistas e antissemitas à luz do dia.
Você deve imaginar que, quando cheguei à sala de cinema para assistir Superman, eu levei essas informações e minhas reflexões comigo. Um dia que começou com um nó na garganta terrível terminou no refúgio da sala escura e de um projetor — esse templo centenário ao qual recorremos quando os tempos ficam difíceis demais para aguentar sem sonhar.
O que eu não poderia imaginar, uma vez que desviei de todos os spoilers possíveis e não sou uma pessoa muito aficionada por super-heróis (não sei dizer até onde é questão de gosto ou uma implicância com o MCU, admito), é que a abordagem de James Gunn do herói mais famoso de todos os tempos seguiria um viés tão abertamente político — ainda que ele tenha dito que não — e que seria uma extensão, com bom humor e muito mais cores do que Snyder poderia imaginar, do mundo em que hoje vivemos.
Antes de ser um alienígena, Gunn vê Superman como um imigrante. Em meio às políticas de deportação em massa que estão em andamento nos Estados Unidos desde que Trump assumiu a Casa Branca, escolher esse viés é, por si só, uma declaração política. Não diria que de esquerda ou de direita, mas levanta uma bandeira pró-imigração que já abriu espaço para as mais infelizes declarações — incluindo até quem acuse o novo Superman de ser muito “woke”.

Por outro lado, se o Superman de Gunn busca a revolução por meio da bondade, o Lex Luthor busca a revolução para disseminar o mal — é como um Elon Musk da ficção. Enquanto o dono do X aprimora uma IA com vieses abertamente nazistas, na ficção avançada de Superman, o proprietário da LuthorCorp aproveita a tecnologia para criar um microuniverso em que possa esconder os seus crimes mais sujos, incluindo uma horda de macacos manipulados para disseminar fake news e ódio vinte e quatro horas por dia nas redes sociais.
Há também um conflito envolvendo as regiões da Borávia e de Jarhanpur, paralelo que pode ser traçado com a situação atual entre Israel e Palestina: uma invasão forçada e desproporcional a um território que mal consegue se defender, com o pretexto de derrotar um governo tirano. É tudo muito familiar, nada sutil. A ausência de sutileza, na verdade, é até incômoda, uma vez nítida a amálgama de personalidades e temas que aparecem.
Todavia, existe algo precioso que impede que esse Superman seja excessivamente óbvio ou deslocado: a bondade pura, quase ingênua, que só poderia existir no território descompromissado e sonhador do cinema. O roteiro confia ao jornalismo o papel de encontrar e publicar a verdade, extinguindo a fake news disseminada por Lex Luthor sobre o dever do Superman na Terra. Em meio a uma crise informacional sem precedentes, o longa evidencia o poder do jornalismo investigativo. Existe algo mais atual que isso?
O que me agrada também, não obstante, diz respeito à maneira como, ainda que a fotografia e a movimentação de câmera gritem artificialidade (bem diferente dos filmes de herói do início dos anos 2000, por exemplo), de alguma maneira ainda há espaço para humanizar os personagens. Quando o garotinho prestes a ser assassinado por militares chama pelo Superman, é como se todos nós sentíssemos a urgência daquele chamado também. É que o mundo precisa da bondade — e há muito mais de nós que são cruéis.
Essa cena, na verdade, é um exemplo claro de como a direção constrói momentos verdadeiramente políticos em um filme que vai ter dificuldade — principalmente entre os fãs — de ser visto como tal. Até a bandeira dos Estados Unidos tem aparições estratégicas e intencionais, que contribuem para a construção de um imaginário muito mais voltado à decadência da nação do que à sua glória.
Ser genuíno e profundamente bom é punk rock, assim como lutar pela igualdade social e contra o autoritarismo. Enquanto Lois Lane duvida de tudo e de todos, e Lex Luthor se alimenta de inveja e ganância, Superman está sempre pronto para acreditar no melhor dos humanos e salvar a Terra das divisões, reais e imaginárias (aqui vale mencionar a HQ How Superman Would End the War, de 1940, em que o Super-Homem leva Hitler e Stalin até Genebra).

Não é a primeira nem a última vez que o heroi será tão atual — daqui a anos provavelmente ainda estaremos lidando com os mesmos desafios, entre o bem e o mal. Se levado ao pé da letra, o Superman de Gunn é um anarquista que almeja fazer o bem independentemente de estados, líderes ou mercado. Seu filme não sinaliza qualquer direcionamento político específico, mas a sua repercussão tem escancarado de que lado estão aqueles que ainda acreditam na paz e na igualdade.
Quanto a nós, caro leitor, resta acreditar que nosso equivalente ao Superman é, na verdade, a capacidade que ainda temos de preservar nossa humanidade, principalmente, quando abrimos as notícias e ainda somos capazes de sentir por quem sofre, mesmo que de longe (libertem a Palestina). Este é o atestado máximo de que ainda somos humanos — e isso é muito, no sistema e na realidade em que vivemos. Só mesmo um longa com esse entendimento da figura do Superman e da realidade atual poderia nos provocar a esse ponto, de refletir o nosso mundo e resgatar a nossa humanidade. Ou, se você ainda não está pronto para tanto, restaurar a fé nos filmes de super-herói, pelo menos.
Nota: 4 /5