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Crítica: Grand Theft Hamlet

Grand Theft Hamlet – Ficha técnica:
Direção: 
Sam Crane, Pinny Grylls
Roteiro:
 Sam Crane, Pinny Grylls
Nacionalidade e Lançamento: 
Reino Unido, Estados Unidos, 2024.
Elenco: 
Sam Crane, Pinny Grylls, Mark Oosterveen.
Sinopse: 
O documentário acompanha Sam Crane e Mark Oosterveen enquanto eles tentam desenvolver uma produção virtual ao vivo da peça Hamlet, de William Shakespeare, no videogame Grand Theft Auto Online. A situação ocorreu durante a pandemia de COVID-19 no Reino Unido.

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As fronteiras de narrativa entre o cinema, audiovisual e os videogames têm sido quebradas cada vez mais. Esse é um tema, aliás, que repercute constantemente na literatura acadêmica desses tipos de arte. Até mesmo por isso, as produções de cada uma busca se utilizar de ferramentas dos outros para construir algo bem particular que, no caso, só cinema, vídeo ou games podem fazer.

Parte dessa concepção menos frontal e mais técnica está presente, de uma forma ou de outra, dentro de “Grand Theft Hamlet”. Entretanto, o filme se utiliza desse aspecto apenas como sua base para destruir a ideia e compreensão do que é cada coisa. Ao mesmo tempo, faz uma espécie de normatização com alguns tipos de cinemas – caso do neorrealismo italiano – para brincar com a ideia do que é atuação.

Na trama, Sam e Mark são dois atores desempregados e com um futuro incerto em meio aos teatros fechados e a falta de gravações por conta da pandemia. Eles aproveitam esse tempo para se divertir em Grand Theft Auto Online. Porém, até que um dia surge a ideia: encenar “Hamlet”, de Shakespeare, dentro desse universo.

Novamente, a ideia da direção de Pinny Grylls e Sam Crane nada caminha para explorar um lado mais academicista da encenação. A ideia é justamente brincar com um universo randômico, que abraça a aleatoriedade, para tentar compreender como seria possível criar controle nesse mundo. Em certo sentido, se transforma também em uma alegoria ao momento de confinamento, em que essas pessoas estão, e na qual é impossível controlar tudo.

“Grand Theft Hamlet” parte sempre de uma concepção de como esse universo criado pode se expandir a todo instante. Por isso, a cada nova adição, o filme dá valor e perde tempo ao mostrar, por exemplo, um personagem que inicialmente vai participar da peça e resolve jogar uma granada nos outros. Essa loucura do próprio GTA consolida um mundo em que é possível apenas reagir e nunca agir inicialmente, já que você estará sempre sendo moldado.

As tentativas de encenação de “Hamlet” são sempre um interesse a parte pelo fato de estarem atreladas a essa ideia inicial. Elas são a eclosão de um mundo hiperativo e hiper conectado, incapaz de se dialogar, ao mesmo tempo que convivendo diretamente com a arte de todas as formas. Lidando, em sua maioria, com outras pessoas muito jovens, esses atores viram uma espécie de conselho a parte para trazer algum direcionamento artístico, quase como aquilo também pudesse ser uma escola.

Nesse sentido, o filme entra bem menos em um caminho de discutir o dispositivo do videogame e abraça mais o lado performático dessa ideia. Tanto os próprios protagonistas – que convivem aqui em um dilema de serem eles mesmos e interpretarem alguém, mesmo que fora da peça – quanto as outras pessoas estão conectadas a uma ideia óbvia de um jogo multiplayer: ser outro. Do mesmo jeito, há sempre a chance de viver em outra pele através da interpretação e da atuação.

É uma espécie de faca de dois gumes, em que o conceito de interpretar entra apenas na própria discussão composta de “Grand Theft Hamlet”. Pouco importa como eles farão isso ou quem serão, o mais interessante é a possibilidade da conexão e do virtual ser observada como algo humano.

Ao fim, a peça sendo exibida em uma live para quem quiser assistir, adentra nesse aspecto. As interações e a possibilidade do outro fazer parte daquilo sendo verdadeiramente outra pessoa é o que interessa. Afinal, assim como qualquer gamer, também nós enquanto humanos interpretamos papéis dependendo do lugar onde estamos. As máscaras (ou nicks, personagens) fazem parte da nossa essência. Basta apenas abraçá-la.

Nota: 4/ 5

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