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Crítica: Babygirl

Babygirl – Ficha técnica:
Direção: Halina Reijn
Roteiro: Halina Reijn
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2024 (9 de janeiro de 2025 no Brasil)
Elenco: Nicole Kidman, Harris Dickinson, Antonio Banderas, Sophie Wilde, Esther McGregor, Vaughan Reilly.
Sinopse: Uma executiva poderosa coloca a carreira e família em risco quando começa um caso tórrido com seu estagiário muito mais jovem.

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Olhando de longe, existe a impressão de que os thrillers eróticos estão voltando a dominar os cinemas. Olhando de perto, isso não é tão verdade. Recentemente houve novas investidas do cinema em ressuscitar um gênero que teve seu apogeu nos anos 1980 e 1990, mas já naquela época perdeu um pouco a sua força. De 2010 até hoje, são poucos os sucessos interessantes que não se baseiam em fanfics ou coisas do tipo. É possível lembrar do fenomenal A criada (2016) de Park Chan-wook ou do frágil Benedetta (2021) de um dos maiores conhecedores desse gênero, Paul Verhoeven. Mas tem um que passou despercebido, um pouco antes de Babygirl, inclusive da mesma diretora, a holandesa Halina Reijn, que foi seu primeiro longa metragem, Instinto (2019)

Essa volta ao passado é importante, pois Halina Reijn já tinha demonstrado boa disposição em trabalhar temas espinhosos e limítrofes entre o desejo erótico e a ética, muito antes do sucesso do seu novo longa, Babygirl, que continua em cartaz nos cinemas. Instinto, por ser um primeiro trabalho em longa-metragem, é mais provocativo e incômodo do que seu novo filme, porém, ele não tinha uma Nicole Kidman para chamar de sua – esse detalhe é importante. Tinha a também ótima Carice van Houten no papel de uma psicóloga que trabalhava num centro de detenção e se envolvia, de maneira muito ambígua, com um detento que tinha em sua ficha criminal alguns abusos e estupros de mulheres. 

Em Babygirl, Nicole Kidman interpreta Romy, poderosa CEO de uma empresa de tecnologia – que não dá para entender com clareza qual o negócio – que se envolve com o estagiário Samuel, papel do jovem Harris Dickinson. Romy aparentemente leva um casamento tranquilo e estável com seu marido, Jacob (Antonio Banderas), mas a vida sexual dos dois está estagnada. A diretora e também roteirista Halina Reijn, começa seu filme com uma cena de sexo bem modesta e subjetiva entre Romy e Jacob e, antes da tela inicial com o título do filme, vemos Romy, logo após o sexo com seu marido, abrir o notebook e assistir pornografia enquanto se masturba. 

Comparando essas duas sinopses, parece um pouco óbvio que Instinto é mais instigante do que Babygirl. É certo que uma trama de envolvimento entre chefe e estagiária não é a coisa mais nova do mundo, inclusive, costuma ser considerado um fetiche datado, mas, em papéis trocados não é todo dia que se vê. Continua simples pela própria troca de papéis, não é inovador, mas é um caminho interessante. Nas aparências é um relacionamento que envolve poder, só que o poder também está invertido. Romy quer ser submissa, diferente do papel que exerce na empresa, enquanto o estagiário, que na empresa é submisso, passa a ter controle e poder sobre ela. 

A trama se desenrola em torno dessa troca de papéis e os fetiches de submissão e dominação são levados de forma relativamente protocolar. Reijn consegue, com relativo sucesso, brincar com as demandas do fetiche e com a escala do desejo, mas não aproveita as oportunidades excelentes de explorar os aspectos psicológicos da fantasia. A trama familiar que poderia acrescentar mais desafios é pouco explorada, embora seja usada para momentos de tensão e surpresa entre eles. Na fantasia de Romy, a família e o emprego precisam estar em jogo para a obtenção do prazer. Mesmo ela dizendo isso, em nenhum momento parece, de fato, que a vida familiar e o emprego estão em risco.

A diretora até consegue construir boas imagens com o uso do plongée e com planos abertos em cenas de submissão, mas esses momentos são muito reduzidos. O erotismo é menor do que poderia e o suspense entre Romy e Samuel fica cansativo muito rápido. Existe uma sensualidade pulsante nas atuações do fetiche, até com sinais interessantes ao paralelo de obediência, utilizando um cachorro obediente a comandos para fortalecer sua história, porém, mesmo com isso, a trama é frágil. Falta mais ousadia no desbravamento do jogo erótico entre os dois e até mesmo na discussão sobre a sexualidade feminina, ainda que haja momentos intrigantes, como a cena do copo de leite. 

Apesar dessas fragilidades, é impossível não elevar ao status de beleza dramática e estética a atuação de Nicole Kidman. É uma performance corajosa, contida e repleta de nuances, especialmente no olhar. Kidman, diferente da direção e do roteiro, parece saber muito mais dos riscos, manifestados pelo olhar, do que a cineasta que está por trás das câmeras faz parecer. É um acontecimento notável ver uma atriz que está com 57 anos desbravando a nudez e o erotismo com tanta segurança e naturalidade. Lembra um pouco seu papel no também ótimo e primo de gênero, De Olhos Bem Fechados (1999), de Stanley Kubrick, só que ela estava bem mais nova e, como sabemos, infelizmente, a idade de uma mulher para Hollywood não é algo trivial.

Halina Reijn é habilidosa e elegante na direção, basta ver o slasher adolescente Morte, Morte, Morte (2022), em que sua potência criativa, pelo menos na direção, dá as caras e explora a ironia e o cinismo da geração Z frente a assassinatos misteriosos. Porém, no roteiro, pelo menos nos thrillers eróticos, ainda falta refino e, especialmente, desenvolver o entorno das personagens. Tanto em Instinto quanto em Babygirl, existe uma carência de substância dramática à atmosfera e aos personagens secundários. De alguma forma, essa ausência mina a capacidade de risco que ela tenta reforçar com as imagens, mas em nenhum momento isso parece palpável. 

Babygirl consegue explorar a linha cinzenta entre a ética e o desejo com clareza e inteligência. A linha narrativa central é carregada por Reijn com destreza e o jogo de cenas eróticas são relativamente bem construídos, porém, o que desabona, é a ausência de mais coragem em empurrar essas linhas para um ponto mais delicado e excitante. Existe a impressão, de que a diretora ainda se segura para contar suas histórias, mesmo com piscadelas indecentes e estimulantes para o outro lado do perigo, que poderiam trazer mais dinamismo e vivacidade. São boas ideias que naturalmente aparecem, mas por algum motivo acabam ficando de lado no decorrer da narrativa. Os deslizes não fragilizam as forças e pouco enquadram as fraquezas, e de brinde, reforça a inegável aptidão que Halina Reijn tem em trabalhar temas polêmicos quando o assunto são os fetiches humanos.

Nota: 3/5

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