Crítica (2): Armageddon Time – 46ª Mostra de São Paulo
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Crítica (2): Armageddon Time – 46ª Mostra de São Paulo

Armageddon Time – Ficha técnica:

Direção: James Gray
Roteiro: James Gray
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2022 (46ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Uma história de amadurecimento profundamente pessoal sobre a força de uma família e a busca de uma geração pelo sonho americano.
Elenco: Anthony Hopkins, Jeremy Strong, Anne Hathaway, Banks Repeta, Jaylin Webb, Ryan Sell.

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James Gray é um diretor muito cuidadoso e solene com a câmera. Seus filmes trazem uma seriedade que conversa com suas diferentes propostas, como a ficção científica “Ad Astra” e os épicos “Era Uma Vez em Nova York” e “Z: A Cidade Perdida”. Há uma formalidade em seu filmar que pode afastar alguns espectadores. Neste “Armageddon Time”, a intimidade fala mais alto, ainda que haja momentos em que Gray parece se afastar mais do que muitos cineastas fariam.

Em “Armageddon Time”, trabalho quase autobiográfico que cita um termo dito por Ronald Reagan à televisão, o cineasta conta a história do jovem Paul Graff (Banks Repeta), que vive uma série de acontecimentos que o levam ao amadurecimento, o que inclui a relação com seu avô (Anthony Hopkins, estonteante como sempre) e uma amizade com Johnny (Jaylin Webb) atravessada por abismos sociais e raciais.

É difícil não se incomodar com as aulas rigorosas, a má compreensão da realidade dos alunos, a violência dentro da casa de Paul (ainda que haja também o afeto) e, além de tudo, os episódios de racismo com Johnny – que sofre os problemas estruturais da sociedade enquanto o protagonista branco segue uma vida mais fácil, mesmo que com suas dificuldades.

“Armageddon Time” passeia pela História com certo pesar e sarcasmo. O drama tem peso político quando faz referência aos anos de Ronald Reagan que estavam por vir, e as situações ultrapassadas são realizadas com consciência: dos momentos de preconceito até a relação da sociedade com as drogas e a educação violenta dos pais, tudo é visto como um olhar crítico ao passado.

Ainda assim, tudo vem sempre do ponto de vista do privilégio. O avô de Paul é talvez o único que enxerga potencial artístico no neto (enquanto os outros o obrigam ao destino tradicional de fazer faculdade). É também o único a enxergar o racismo sob a ótica da ancestralidade judaica, ou seja, de quem já sofreu com a intolerância.

Esse prisma dos privilegiados permite um olhar interessante para os Estados Unidos – e a presença de Jessica Chastain como Maryanne Trump, irmã de um futuro presidente do país, falando sobre meritocracia, é um dos pontos altos da ironia que o filme traz. Mesmo assim, é sintomático que em pleno 2022 um filme majoritariamente branco precise olhar para todas essas questões – e a que envolve o racismo, em especial – com certa culpa e condescendência (ainda que crítica) da realidade. Não é à toa que Johnny diz que “vai dar tudo certo” poucos segundos antes de dar tudo errado, como podemos prever facilmente: é a ironia presente um diálogo didático (ou vice-versa?).

“O mundo é injusto”, diz o avô, e com isso vemos um menino branco se salvar de problemas policiais em função de contatos do seu pai. Nunca mais veremos o amigo negro do protagonista.

E o filme que estamos vendo foi feito pelo garoto branco, que cresceu e virou cineasta, colocando a si mesmo como protagonista em uma equipe de apenas homens brancos, chorando e denunciando as injustiças. Pelo jeito, a preocupação em corrigi-las não é tão grande assim.

Mas como as atuações são incríveis e a técnica de James Gray é impecável, podemos esperar por estatuetas douradas.

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