Será o esporte a ditar os debates sobre regulação?
Pouco tempo depois da decisão do governo argentino em desmembrar a posse de canais esportivos para autorizar a fusão Disney-Fox no país, o Uruguai também seguiu por quase o mesmo caminho.
Pouco tempo depois do anúncio do Star+ em exibir partidas ao vivo do campeonato nacional, a Suprema Corte do país, de maneira quase surpresa, fez valer a Lei dos Meios de Comunicação ainda em vigor e bateu o martelo para que se cumpra um dos seus artigos: o futebol uruguaio não deve ser vendido em separado e deve permanecer com suas exibições na TV aberta.
Tal decisão foi impulsionada pelo o que o próprio artigo 40 da legislação nos fala claramente e transforma o futebol em um bem da sociedade, portanto, não deve ser comercializado somente em âmbito privado.
Embora não tenha o mesmo poder prático do que a descentralização dos canais esportivos da Disney na Argentina, o movimento vem em um momento quente para a política do país vizinho.
Ainda em março, o plebiscito a favor ou contra a LUC (Lei de Urgente Consideração) deve mobilizar governo e oposição. Com apontamentos liberais para modificação de diversos artigos da Lei dos Meios de Comunicação, a decisão em torno da LUC vem sendo bastante esperada por grupos estrangeiros de mídia.
Parte do desejo encontra conforto com a possibilidade de aumentar o número de licenças que uma única empresa pode ter sobre sinais de TV e rádio do país. Junto a ela, os grupos internacionais podem ainda se tornar donos de empresas nacionais sem encontrar impedimentos jurídicos, o que faz com que o aumento das licenças por si só não seja limitador.
Além disso, com o streaming cada vez mais dominante no mercado – especialmente para transmissão esportiva –, caso aprovada, a LUC também pode fazer com que a estatal de telecomunicações do país (Antel), disponibilize rede para as plataformas, dando um passo a mais em um projeto de privatização desejado pelo atual presidente do paisito.
Enquanto nada disso acontece, parece ser curioso que o esporte acabe tomando a liderança do debate sobre possíveis regulações na região. A questão pode nos deixar pensando no poder que o futebol sempre teve na América Latina e o quanto seus torcedores já estão desgostosos da constante migração de canais para seguir acompanhando seus times.
O próximo latino-americano a seguir uma tendência semelhante deve ser o Chile. O novo presidente, Gabriel Boric, já incluiu em seu plano de governo uma remodelação da legislação que trata sobre as mídias chilenas. Bastante crítico à forte concentração de grupos estrangeiros no país, o movimento pode inspirar o governo a seguir a boa maré.
A mobilização por um futebol descentralizado também já ocorre no Brasil, embora ainda esteja devidamente mergulhado em um processo de enfraquecimento de leis e sem querer tocar o debate sobre uma possível regulação do streaming, que continua criando teia na mesa do Congresso.
No entanto, com a possibilidade de um governo mais progressista assumir o poder em 2023, o debate sobre o esporte pode voltar a render um poder de mobilização alinhado aos interesses da própria classe audiovisual.
É preciso entender, entretanto, que o futebol também é uma expressão cultural e não deve mais ser debatido tão longe dela, principalmente com o movimento das plataformas em angariar novos assinantes por conta dele.
Os movimentos dos nossos vizinhos nos ajudem a compreender e amadurecer um debate por uma descentralização saudável e lucrativa para ambos os lados.