Crítica – Meu Nome é Bagdá (2020) – Mostra CineBH
Meu Nome é Bagdá é poderoso, necessário, atual e um grito pelo respeito e liberdade as mulheres!
Direção: Caru Alves de Souza
Sinopse: Bagdá (Grace Orsato) é uma skatista de 17 anos, que vive na Freguesia do Ó, um bairro da periferia da cidade de São Paulo. Bagdá anda de skate com um grupo de meninos skatistas do bairro e passa boa parte de seu tempo com sua família e as amigas de sua mãe (Micheline – Karina Buhr). Juntas elas formam um grupo de mulheres pouco convencionais. Quando Bagdá finalmente encontra um grupo de meninas skatistas, sua vida muda.
Elenco: Grace Orsato, Karina Buhr, Marie Maymone, Helena Luz, Gilda Nomacce, Paulette Pink, Emílio Serrano, William Costa, João Paulo Bienemann, Nick Batista
No início de Meu Nome é Bagdá uma pessoa, que não conseguimos identificar, faz manobras num skate nos corredores de uma escola. A câmera acompanha esse personagem, até o momento em que chega a um portão, nesse momento nos é revelado que o que acabamos de ver foi uma garota mostrando que mulheres também podem fazer altas manobras no skate. Ao pular o portão essa personagem picha em um muro com algo que lembra um batom ou algo assim. Ela escreve na parede “F***-SE”. Um grito para todos, inclusive aos que assitem ao filme, que acham que ela não pode ser o que ela é e ser como ela é!
Apartir dessa introdução, Caru Alves de Souza, do premiado De Menor, nos dá o tom do que veremos em tela. Um manifesto feminista para mostrar a todos que e todas, que a mulher pode tudo que ela quiser. Seguindo a jovem Bagdá, de 17 anos, passamos a ter uma visão do que é ser mulher e adolescente na perifiria de São Paulo. Tendo o skate, como fio condutor vemos um retrato da sociedade preconceituosa, machista e homofóbica em que vivemos.
É interessante que todos ao redor de Bagdá são mulheres. Ou melhor quase todos! Os homens que aparecem são sempre homens tóxicos que só faz mal a sociedade, com excessão de Emílio (Emílio Serrano), o dono do salão onde a mãe de Bagdá, Micheline (Karina Bhur irreconhecível e excelente). Os amigos de Bagdá também são “boas pessoas”, mas neles tem um resquício de machismo velado. Em especial em Clever (João Paulo Bienermann), que nos proporciona uma cena revoltante e outra que emociona.
Voltando as pessoas boas ao redor de Bagdá, é interessante como ela é rodeada de mulheres. E mulheres diferentes e independentes. Sua mãe é independente forte e apoia todas as suas escolhas, ela é mãe solteira cria as três filhas sozinhas e mesmo assim venceu na vida. Sua irmã mais velha é uma mulher independente e livre. Já sua irmã mais nova é inteligente e cheia de sonhos. E mesmo extremamente diferentes, essas 3 mulheres são unidas e apoiam umas as outras.
Outra mulher importante é Gladys (Gilda Nomacce) uma dona de bar que enfrenta os homens de frente e de igual para igual. Também temos de destacar Gilda (Paullete Pink), uma mulher trans que trabalha no salão de Emílio. É ela abre os olhos de Bagdá para algo: ela não precisa ser igual as garotas da revista, ela tem de ser ela do jeito dela e isso a torna especial. Entre os homens bons temos Emílio, o dono do salão que é gay, e Deco (William Costa) um garoto negro e sem preconceitos. Ou seja, todos ao redor de Bagdá são pessoas a margem da sociedade que aceitam ela do jeito que ela decidiu viver, mesmo que isso incomode aos outros ao seu redor, em especial os Homens Brancos Héteros.
Mas a grande sacada do filme, é mostrar a descoberta de Bagadá do machismo inrustido e do feminismo. Até um pouco mais da metade do filme Bagdá anda apenas com garotos, nada errado, se ela se sente bem assim qual o problema? Mas ela então conhece um grupo de garotas skatistas, e ao conhece-las seus olhos se abrem, e o machismo inrustido vem a tona e ela consegue se encontrar, e encontrar o seu lugar. E o principal ela consegue ter a voz própria!
Ao mostrar o cotidiano de uma jovem pobre a margem da sociedade, o filme é um grito de liberdade e resistência que dá voz aos que não tem. É incrível ver como Caru consegue criar um ambiente que você pode ver em qualquer lugar. Embora seja um filme feito especialmente para adolescentes e jovens adultos, o filme conversa muito bem com qualquer um, em qualquer idade. E embora se passe no mundo de uma jovem skatista, ele se encaixa perfeitamente em qualquer meio, em qualquer ambiente da sociedade. O discurso final, que me emocionou e me levou as lágrimas, é um discurso que se encaixa de forma tão perfeita em qualquer ambiente. Eu imaginei atrizes, diretoras, produtoras, fotógrafas, todas as profissionais do cinema ali falando tudo que foi dito! Mas esse discurso pode ser feito em qualquer lugar, por qualquer minoria, pois as minorias não tem voz em nossa sociedade.
Outra grande sacada de Caru, que torna que vemos na tela real e palpável, é o fato de usar atores amadores. As garotas, incluindo Grace é skatista e faz parte de um grupo de garotas skatistas. O que ela passa no filme, faz parte de sua realidade. Tudo o que vemos na tela é o que ela vê todo dia! E ao saber que ela trabalhou com atrizes e atores amadores é ainda mais impressionante ver o seu trabalho primoroso como diretora e da preparadora de elenco, Paula Preta. Por mais que alguns diálogos, soem um tanto quanto artificial, no filme funciona muito bem, e a atriz principal, convence e isso que mais importa!
Mas antes de concluir, preciso destacar duas coisas que achei incríveis. A primeira coisa, é a constatação do que Marco Dutra disse no Podcast #389, “no cinema tudo pode”. E Caru faz isso em pelo menos duas vezes no filme, em que ela mostra de forma lúdica o sentimento e as vontades de Bagdá. Em dois momentos do filme a diretora cria uma coreografia após momentos de tensão, medo, violência e preconceito. São momentos dança e música. Momentos que quebram a tensão e mostra o que se passa na mente de Bagdá. Um detalhe interessante que vale destacar aqui, é que há outro momento de tensão e preconceito, mas nada acontece. Mas por que? Talvez, pelo fato de nesse momento ela não está entre os que a deixa a vontade. Quando existe a quebra ela está com a parte “boa” do meio em que vive, e quem participa desse momento são os que são bons para ela. Mas também existe outra leitura, quando há os momentos lúdicos Bagdá já faz parte do grupo de garotas skatistas, e começa a ter voz, antes ela era apenas mais uma. Ao encontrar seu lugar ela passa a ter voz ativa!
Outra coisa que torna o filme tão especial é sua fotografia. Em vários momentos do filme, a diretora de fotografia Camila Cornelsen, se utiliza das imagens de uma câmera de mão, que a pertence Grace. Ela usa essa câmera para fazer vídeos para suas redes sociais. Ao usar essas imagens, vemos uma fotografia muito característica, similar as imagens de câmeras de videocassete. O uso dessas imagens, dão ao filme uma poximidade maior ao mundo do skate, além de nos dar a visão de Bagdá sobre o mundo que ela conhece. Sem isso talvez nunca saberíamos o que se passa na mente dela.
Por mais que em alguns momentos pontuais a atuação deixe a deseja, afinal são atores amadores, a maioria em seu primeiro trabalho, Meu Nome é Bagdá é uma obra de arte impresseionante, com um tema atual e necessário. Um filme manifesto de resistência que serve como voz para quem não tem!
Concluo esse texto com as palavras do júri que premiou o filme em Berlim, pois pra mim diz tudo:
Uma impressionante peça de liberdade, cheia de maravilhosas amizades, música, movimento e solidariedade. Era impossível não ficar impressionado com a protagonista, com as pessoas ao seu redor e era também impossível esquecer o clímax glorioso e poderoso deste filme. Isso é prova de que a vida pode não fazer milagres por nós, mas podemos superar todos os obstáculos se seguirmos nossa paixão.
Júri da Mostra Genaration do Festival de Berlim 2020
Meu Nome é Bagdá
Por mais que em alguns momentos pontuais a atuação deixe a deseja, afinal são atores amadores, a maioria em seu primeiro trabalho, Meu Nome é Bagdá é uma obra de arte impresseionante, com um tema atual e necessário. Um filme manifesto de resistência que serve como voz para quem não tem!