9 momentos de “Years and Years” que me impactaram (com spoilers)
Acabei de maratonar a série Years and Years. Se é que assistir aos seis episódios em três dias pode ser considerado uma “maratona”. Considerando o quanto a série tem de temas pesados e próximos da nossa realidade, a maratona talvez seja emocional. Em alguns momentos, tive que intercalar os episódios com Brooklyn Nine-Nine, para equilibrar os sentimentos.
Years and Years, parceria da HBO e da BBC, conta a história de uma família centralizada em quatro irmãos bastante unidos e que frequentam a casa da avó, em um futuro bastante próximo, que começa no final de 2020 e avança rapidamente por mais de 10 anos ao longo dos episódios. Enquanto eles tentam viver suas vidas da forma mais normal possível, são impactados por mudanças bruscas e fortes na tecnologia e na política do mundo que envolvem uma nova Primeira Ministra, crises de refugiados e uma guerra entre Estados Unidos e China.
O que faz de Years and Years uma série tão boa é o fato de ela, além de mostrar os anos passando de maneira orgânica, explora elementos para o futuro tão assustadores quanto extremamente possíveis. E são muitos os momentos da série em que o espectador se vê dando um riso de nervoso diante do que vê. Além disso, a série é extremamente eficiente em nos aproximar dos personagens, o que nos leva a compreender suas ações (mesmo quando erradas) e se emocionar com os acontecimentos relacionados a eles.
A série é tão redonda que não há necessidade de uma segunda temporada (o que faria dela na verdade uma minissérie). E provavelmente não haverá, conforme declarações do showrunner Russell T. Davies (que é roteirista e produtor de Doctor Who).
Por isso, optei por listar alguns dos momentos da série que mais me impactaram, de diversas formas:
**CONTÉM SPOILERS: NÃO LEIA SE NÃO TIVER VISTO A SÉRIE**
1- Quando isso vai parar?
Para onde vamos? Em um breve momento do segundo episódio, Edith Lyons diz isso em um programa de TV. As cenas rápidas e a trilha sonora apocalíptica evocam uma forte emoção. Quando vi esse trecho, precisei pausar devido à ansiedade misturada com preocupação que ele me causou. E o fato de ser no segundo episódio já serve como aquecimento para o que vem por aí.
2- “Consertar” pessoas no útero
Há diversos temas tangenciais em Years and Years. Embora tecnologia e política sejam os principais, há outros. Um deles é abordado em um breve diálogo. Edith Lyons conversa com sua irmã Rosie, que é cadeirante, sobre uma menina que teria a mesma deficiência física, mas foi operada antes de nascer. Rosie questiona o fato de que o avanço da medicina pode “consertar” as pessoas e assim gerar mais desigualdades, já que deficientes físicos se tornariam ainda mais minoritários. O fato de ser uma cirurgia muito cara faria com que apenas os ricos pudessem evitar deficiências, o que criaria um abismo ainda maior entre ricos e pobres. Mais tarde, a série volta a discutir o uso de tecnologia no corpo como forma de “aperfeiçoá-lo”.
3- Número 4 como gesto de campanha
Ao criar o partido “Quatro Estrelas”, a empresária Vivienne Rook (brilhantemente interpretada por Emma Thompson) passa a fazer o número 4 com os dedos, criando assim um gesto com sua campanha. Admirada por ser extremamente sincera em programas de TV, e surgindo como uma “outsider” no cenário político britânico que ascende rapidamente ao cargo de Primeira Ministra, a personagem foi feita à imagem e semelhança de diversos líderes políticos atuais. Não é à toa que, ao vê-la fazer o número 4 com as mãos, por um momento meu cérebro me fez enxergar uma “arminha”.
4- Promessas vazias
Ainda sobre Vivienne Rook, uma cena que me impactou bastante foi a do começo do episódio 5, em que ela promete coisas como “liberdade” e “a capacidade de aproveitar a liberdade”. Intercalando com um jornalista que a critica em um programa de rádio, vemos ele dizer que ela não tem propostas e apenas diz “qualquer coisa”. Na verdade, ela não diz “qualquer coisa”, mas apenas aquilo que as pessoas desejam ouvir. Ao fazer isso, é impossível não pensar em políticos que dizem que vão “acabar com isso daí” e “limpar o país”: propostas vagas que servem apenas para agradar aos ouvidos de pessoas cansadas. E este momento de Years and Years nos leva ao momento seguinte.
5- A gestão é um caos
Já a caminho do final, acompanhamos Stephen Lyons pedindo emprego a um velho amigo que trabalha em uma empresa vinculada ao governo da Primeira Ministra recém-eleita. O amigo resume a gestão do novo governo com uma palavra: caos. Afinal, ela não sabe o que está fazendo lá. Fiquei pensando em um certo governo de um certo país da América do Sul que é bem parecido.
6- Morte repentina
Este é o momento emocionalmente mais impactante: quando um importante personagem morre. Não apenas sua morte é sentida por estarmos engajados em sua jornada, como a forma crua com que ela é mostrada assusta no mesmo instante, chegando a gerar revolta. O sentimento de tristeza é ainda mais evidenciado pelo fato de sua trama ter sido central ao longo dos episódios anteriores.
7- Distância segura
Como se não bastassem todos os momentos de Years and Years que geram angústia e ansiedade, há um em especial que os roteiristas certamente jamais imaginaram que causaria alguma sensação. Quando Viktor Goraya se encontra com um velho amigo no campo de concentração para imigrantes ilegais, há uma epidemia de “Monkey Flu” infectando várias pessoas, o que o faz ter receio de chegar perto dele. Quando ele pede para que o amigo não se aproxime, é difícil não rir de nervoso neste momento em que vivemos.
8- Inclusão
Ainda que Years and Years mostre um futuro repleto de problemas e conflitos, com elementos que contrariam a ideia de evolução das sociedades, o fato é que há algumas questões que não são um problema, ao menos para a família Lyons, que protagoniza a história. Além da irmã cadeirante, que jamais é vista pelos personagens ou pelo roteiro sob uma visão capacitista, é interessante ver que a homossexualidade do personagem Daniel Lyons nunca foi um problema (embora sua trama seja motivada por governos homofóbicos e conservadores de outros países). Uma personagem transgênero surge vagarosamente na trama sem causar qualquer resistência da família. Além disso, um novo conceito de pessoa “trans” é apresentado, em uma das subtramas mais divergentes da nossa realidade, que se assemelha muito a episódios de Black Mirror.
9- A culpa é sua!
Nos primeiros minutos do último episódio, Muriel, a avó dos irmãos, faz um monólogo que é um soco no estômago. Ao dizer que todos nós somos culpados pela situação do mundo, fazendo referência à compra de produtos baratos e ao fato de as pessoas comuns não tomarem atitude, ela resume o princípio de muitos dos problemas políticos e sociais existentes: o conformismo. É por momentos como estes que Years and Years se sobressai, tornando aceitáveis até mesmo as apressadas e mastigadas cenas finais.