MIDSOMMAR – ANALISANDO UMA CENA
O terror sempre foi um gênero que se apropria de vários arquétipos para definir seus personagens e não precisar gastar tanto tempo em suas construções e indo direto para os acontecimentos da história. Temos as virgens puras, as safadas, os valentões, as patricinhas, os nerds. Isso é bem explícito em Stranger Things, principalmente na primeira temporada, onde Eleven é construída de maneira sólida e vários outros personagens acabam sendo apenas arquétipos que envolvem a trama.
Porém Ari Aster não tem esse problema em Midsommar. Ele se utiliza de arquétipos, mas gasta algum tempo construindo o casal principal de uma maneira excelente. Muito menos expositiva e muito mais visual. Uma cena que fica bem claro essa brilhante construção é a da briga entre o casal Christian e Dani. Onde Dani vai brigar com seu parceiro por ele não ter lhe contado que queria ir para a Suécia com os amigos. Essa pequena cena estabelece qual tipo de relação o casal tem e em como funciona a dinâmica entre os dois. Uma cena que é construída com a convergência entre imagem, iluminação e diálogo.
A cena começa aos onze minutos de filme e nela vemos Dani começando a confrontar Christian por ele não ter contato sobre a sua vontade de ir a Suécia com os amigos. Nessa primeira parte nós vemos Dani em um plano americano e Christian apenas por um espelho. Note como Dani está na parte menos iluminada da cena demonstrando seu desconforto com a situação, ela começa a perguntar sobre o que acabou de acontecer na confraternização com os amigos, ainda muito insegura. Enquanto Christian na parte mais iluminada da cena demonstra controle da situação e apenas tenta se esquivar sem se abrir para Dani (por isso vemos apenas seu reflexo no espelho).
Após alguns segundos temos uma pequena movimentação da personagem. Dani sai da parte escura da cena e vem para a parte iluminada, tentando ganhar o controle da situação e encurralar Christian para que ele converse sobre o assunto. Nessa movimentação Dani sai do Plano Americano e vem para um Primeiro Plano. Christian perde o foco e já não vemos o rosto dele, pois nesse momento ele acaba de perceber que não tem como se esquivar das perguntas e terá que ter essa conversa.
Mais alguns segundos e temos uma movimentação na câmera, fazendo Dani e Christian ficarem em um plano conjunto. Dani está em pé questionando mais incisivamente seu namorado que está acanhado e sentado. Ela está maior naquela situação e está mais agressiva buscando ao menos um bom pedido de desculpas ou uma conversa sincera sobre tudo que está acontecendo entre os dois. Nessa parte Ari Aster é ainda mais brilhante, pois ele sabe que o espectador têm mais informações que Dani. Nós sabemos como os amigos de Christian o incentivam a terminar o namoro e em como ele fica nervoso com a “namorada problemática” que tem. Então nós sabemos o que Christian deve fazer, mas não tem coragem. Então Ari Aster inclui fotografias no plano ao fundo e dentre elas tem fotos do casal sorrindo, como memórias de um tempo que não voltará mais.
Com Dani cada vez mais incisiva em sua fala Christian resolve esperar uma brecha na conversa para conseguir inverter a situação e fazer com que Dani ache que está sendo exagerada e histérica (quando na verdade estava certíssima). Ao pegar essa brecha os dois trocam a posição no plano e Christian vai para a direita e Dani para a esquerda. Agora ele está maior que ela demonstrando um controle sobre a situação e cada vez mais empurrando Dani para fora do enquadramento. Sua pressão e chantagem de falar que está indo para casa deixam Dani cada vez mais acanhada e reprimida. Deixando de querer conversar sobre a Suécia e simplesmente implorando para ele ficar. Pois sua dependência emocional é grande.
Enfim Christian consegue finalmente mudar de assunto, justamente para o de sua tese. Assim como todo relacionamento emocionalmente abusivo, Christian conseguiu inverter uma situação em que deveria se explicar para uma em que ele fala como está triste e é a vítima da história. Pressionando ainda mais Dani para a esquerda do enquadramento sem qualquer espaço para os sentimentos dela e Christian que tem todo o lado direito livre aliviado de que conseguiu mudar de assunto e que estão falando dele.
Uma cena que dura alguns minutos e ao final dela temos dois personagens mais vivos, sentimentais e de carne e osso. Conseguimos entendê-los como seres humanos complexos e isso ajuda a criar toda a tensão ao desenrolar do filme até aquele final catártico.