Crítica | Brinquedo Assassino (2019)
Brinquedo Assassino
Ficha técnica
Direção: Lars Klevberg
Roteiro: Tyler Burton Smith
Elenco: Gabriel Bateman, Aubrey Plaza, Mark Hamill, Brian Tyree Henry, Tim Matheson, David Lewis, Beatrice Kitsos, Ty Consiglio
Nacionalidade e Lançamento: EUA, Canadá; 2019 (22 de agosto de 2019 no Brasil)
Sinopse: Andy (Gabriel Bateman) e sua mãe se mudam para uma nova cidade em busca de um recomeço. Preocupada com o desinteresse do filho em fazer novos amigos, Karen (Aubrey Plaza) decide dar a ele de presente de aniversário um boneco tecnológico que, além de ser o companheiro ideal para crianças e propor diversas atividades lúdicas, executa funções da casa sob comandos de voz. Os problemas começam a surgir quando o boneco Chuck se torna extremamente possessivo em relação a Andy e está disposto a fazer qualquer coisa para afastar o garoto das pessoas que o amam.
O terror parece especialmente um gênero fadado a remakes e revisões. Desde os monstros clássicos como Frankenstein e Drácula – que surgiram na literatura e possuem versões da Universal, Hammer e mais uma produção frutífera de filmes que vão desde blockbusters a suas versões equivalentes B – até “novos clássicos” como “O Enigma de Outro Mundo (1982)”, de John Carpenter, e “A Mosca (1986)”, de David Cronenberg -, são obras e figuras de status folclórico que parecem sempre pedir uma atualização para os tempos atuais. Após a popularização do gênero slasher no cinema norte-americano em meados dos anos 80, com figuras como Freddy Krueger e Jason Vorhees, novos ícones eram cimentados na cultura pop do terror. Um dos marcos dos anos 2000 foram justamente os remakes destes slashers. Afinal, “você não pode matar o bicho papão”. Apesar de alguns inesperados sucessos criativos (“Viagem Maldita (2006)”, refilmagem de “Quadrilha de Sádicos (1977)“ do mestre Wes Craven por Alexandre Aja permanece gigante, ao passo que “Madrugada dos Mortos (2004)”, de Zack Snyder, traduz eficientemente os temas do original de George Romero), no entanto, a maioria destas produções foram marcadas por um caráter descartável, uma falta de personalidade e entendimento do material original e a eterna sina de estarem sempre à sombra dos mesmos. São produções que não se decidem se querem se desprender dos clássicos, e quando o fazem, não rendem explorações do material tão interessantes quanto os originais. Sem nomes de calibre como Carpenter e Cronenberg, que transformam as produções em filmes de estilo e abordagem inconfundível, o que temos são desculpas de “atualização” das obras para uma nova geração apenas para se aproveitar de uma marca famosa que renderá – pelo legado natural destes monstros e seu potencial de reconhecimento do público – um “dinheiro fácil”.
É apenas uma surpresa, então, que quase um ano após o aguardado – e morno – reboot de Halloween (uma produção que se acovardava diante de seu próprio legado), seja Brinquedo Assassino uma das revitalizações mais interessantes destes slashers clássicos. A produção chega sem a benção – e envolvimento – de seu criador, Don Mancini, que continua com sua série de filmes da cronologia original numa vindoura série de tv. Não há aqui o boneco possuído pelo serial killer Charles Lee Ray (o insubstituível Brad Douriff) do original. Presentes nesta refilmagem estão apenas o garoto Andy (que nessa produção é mais velho), sua mãe, e é claro, o boneco que começa a matar. Sai o voodoo do original e entra aqui a inteligência artificial (o novo Chucky possui um sistema comparável com a Siri, do iphone ou a Alexa, da Amazon), algo que, mesmo em era de “Black Mirror“, ainda se encaixa numa espécie de subgênero de filmes baratos do final dos anos 90/começo dos anos 2000, do medo da máquina que se volta contra a humanidade.
A forma rasa com que aborda a tecnologia funciona. Como “O Homem Sem Sombra (2000)” – se é pra citar um desses slashers do começo dos anos 2000 – de Paul Verhoeven (um cineasta que possuía sempre uma consciência do gênero cinematográfico que inseria suas obras e do entretenimento, convenções e catarses que as mesmas proporcionavam) fazia, por exemplo – utilizando um elemento sci fi elaborado apenas como plano de fundo para trabalhar um gênero subestimado por natureza, e encontrando o mais próximo de uma honestidade criativa no processo -, o novo Brinquedo Assassino utiliza a tecnologia mais como uma abertura de possibilidades para criar sequências que entretém do que passar uma mensagem conscientizadora mais profunda. As funções do novo boneco, conectado à internet e a outros dispositivos via bluethooth, rendem sequências criativas, que são aproveitadas pelo diretor Lars Klansberv.
O novo Brinquedo Assassino é menos um filme de terror e mais uma produção que evoca – pasmem – àquelas dirigidas por Joe Dante (“Gremlins” e “Pequenos Guerreiros” são os filmes do cineasta que vêm à mente). Desta forma, temos uma produção que continua operando como um slasher descontraído (o padrasto que possui duas famílias e o pervertido do prédio recebem as devidas “punições” conforme ditam as regras do gênero), mas que possui surpreendentes momentos genuínos de emoção e um senso de diversão que marcou tanto a carreira daquele diretor. Esse aspecto é evidenciado não só pela presença de coadjuvantes mirins – que certamente serão comparados a “Stranger Things”, mas que, como a popular serie da Netflix, possuem inspiração nas produções oitentistas spielbergianas – mas também na relação de Andy com o boneco, que, dublado por Mark Hamill (um nome de calibre com uma voz inconfundível), possui uma inocência adorável que compensa a falta da personalidade sacana do boneco original. O senso de humor doentio de Chucky, no entanto, dá as caras aqui conforme o mesmo desenvolve uma consciência.
O baixo orçamento da produção se evidência na construção do boneco-título, que mais parece uma versão pirateada do original. Ainda que utilize animatronics e efeitos práticos (algo sempre louvável), o filme possui um uso de computação gráfica em sua maior parte eficaz. Mais do que isso: o design feio do boneco acaba funcionando a favor do filme, já que – intencional ou não – esse aspecto grotesco atribui um caráter simpático ao mesmo, como se fosse uma aberração da natureza incompreendida e portanto passível de dó. Visualmente, no entanto, o novo Brinquedo Assassino não decepciona. Klansberg e seu diretor de fotografia Brendan Uegama constroem composições interessantes, auxiliadas por uma iluminação do espaço estilosa que, ainda que não seja particularmente inventiva – investindo basicamente em tons de vermelho e azul -, funciona.
Ainda que as sequências da mãe (descaradamente irresponsável) enfraqueçam o filme por conta de uma escalação desastrosa de Aubrey Plaza, que pode até funcionar como a hipster blasé e socialmente deslocada em produções adolescentes, mas aqui está apenas deslocada, a força de Brinquedo Assassino se encontra justamente no talentoso Gabriel Bateman e sua relação com a surpreendentemente adorável versão de Chucky vista aqui, e o filme conscientemente funciona, também, como uma paródia de “Toy Story” – completa com sua versão distorcida da clássica “You Got a Friend in Me” do filme da pixar, que aqui ganha a canção “You are my Buddy”, composta pelo ascendente Bear Mcreary (Godzilla 2, Colossal), e performada pelo próprio Mark Hamill, dublador desta versão do Chucky.
Assim, este Brinquedo Assassino acaba se revelando uma surpresa não só por entregar, de forma competente, um slasher digno, que não faz feio perante suas influências (além de Joe Dante visível, há uma homenagem simpática a “Massacre da Serra Elétrica parte 2 (1986)“, de Tobe Hooper, que curiosamente tomava um caminho tonal distinto do original), mas que possui como maior triunfo o fato de conseguir fazer com que nos importemos minimamente com um boneco psicopata que, como Woody de Toy Story, só quer ser amado por seu Andy.
Summary
Com uma surpreendente relação emocional entre o garoto Andy e o boneco Chucky, O novo Brinquedo Assassino é menos um filme de terror e mais uma produção que evoca àquelas dirigidas por Joe Dante, como“Gremlins (1984)“ e “Pequenos Guerreiros (1998)“.