Que lições a Disney pode tirar do fracasso de “O Rei Leão”
A primeira coisa a ser compreendida neste texto é que ao utilizar o termo “fracasso”, refiro-me à recepção do filme perante o público e crítica e não à bilheteria que deve arrecadar o suficiente para dar o devido lucro à empresa, afinal, está foi a única e exclusiva razão da existência desse filme. Mas vamos falar mais disso a frente. Por enquanto fiquemos com a informação de que o filme detêm 55% de aprovação no Rotten Tomatoes (críticos) e média de 3.0 estrelas no Letteboxd (público).
Olhando para a média do Letterboxd, até que os números não são tão ruins assim, afinal, “Aladdin” (2019) está com 3.3 e “Dumbo” (2019) com 2.9. Mas pensando no contexto do filme, na relevância da obra original e na expectativa do público, a morna recepção evidencia 3 problemas que a Disney precisa lidar a partir de agora. 1 – A quantidade excessiva de filmes sendo relançados. 2 – O embate entre ser fiel ao roteiro original ou atualizar a história. 3 – A transferência das emoções alcanças por uma animação para o live-action e suas limitações.
Problemática 1
Este já é o terceiro clássico da Disney lançado em um intervalo de 4 meses. O que pode parecer algo bom pois teremos mais filmes para assistir, acaba se tornando um problema por não dar tempo para a maturação de uma obra que antes mesmo da sair das salas de exibições já tem hype substituído por outro filme. Isso faz com que passemos menos tempo pensando, conversando , escrevendo, debatendo sobre o filme e em como eles nos impactam. Se você deixa de ver um desses filmes no cinema, é capaz de perder o interesse nele pois em 45 dias já estará pensando em outro filme da Disney.
“Aladdin” (2019) é um bom exemplo disso. Lançado em maio e ainda em exibição em alguns cinemas, o filme que poderia ainda estar sendo discutido e analisado, já foi quase que completamente substituído por “O Rei Leão” que chama para si toda a atenção do público. Provavelmente ao ser lançado em home-video / VOD o interesse será muito menor pois nossas atenções ainda estarão sendo direcionadas à “O Rei Leão” (que é o que eu estou fazendo agora).
Problemática 2
A Disney tem alternado entre filmes com roteiros fieis aos originais e adaptações mais livres dos clássicos. “Dumbo” e “Malévola” são duas obras que investiram em adaptar a história e trazer algo novo para os filmes. Já “A Bela e Fera”, “Cinderela” e “O Rei Leão” optaram pela fidelidade à obra original. Neste sentido o último se destaca negativamente, pois não só o roteiro é quase o mesmo, como a direção e os diálogos são praticamente iguais as do filme original. Ou seja, quem conhecia a obra original não apenas sabia o que viria a acontecer na cenas seguintes, como também sabia como isso aconteceria. Durante a exibição eu até associei (dada as devidas proporções e propostas) ao filme “Psicose” (1998) de Gus Van Sant que reproduziu quase que frame-by-frame a obra original de Alfred Hitchcock lançada em 1960.
No caso de “O Rei Leão”, é óbvio que houve um respeito muito grande ao clássico original de 1994, mas este respeito acabou se tornando um medo covarde de atualizar uma história que dada a problemática 3 (veremos a seguir) exigia algumas mudanças. Hoje o público é outro e algumas resoluções de roteiro já não são mais tão aceitas. Peguemos como exemplo o personagem do Scar. Na história original, Scar é um irmão egoísta que usurpa o poder de Mufasa e impõe uma cruel ditadura. Essa leitura é simples, direta e na época foi suficiente para estabelecer um dos mais memoráveis vilões da história do cinema. Hoje porém exige-se um pouco mais da construção de um bom vilão. Motivações maniqueístas já não são suficientes para tornar um vilão interessante (vide a maioria dos filmes da Marvel Studios).
Pense no quanto este personagem poderia ser explorado dado o contexto mundial no qual estamos inseridos. Um vilão que toma a força o poder e propõe uma nova governança ignorando tudo o que já havia sido conquistado por seu sucessor. Longe de mim querer dizer o que os roteiristas deveriam ter feito, mas o fato é que eles tinham em mãos um material muito rico para se trabalhar e optaram pelo caminho mais fácil, raso e medíocre.
Problemática 3
Uma das grandes vantagens em uma animação é sua liberdade em reproduzir expressões faciais e corporais por uso das cores e da movimentação dos personagens. Quando Jon Favreau transfere uma cena do filme clássico para uma animação realista, esta liberdade na construção da cena é limitada, exigindo do diretor e dos roteiristas um cuidado especial para contornar o problema. Este vídeo abaixo compartilhado pelo Jurandir Filho do Cinema com Rapadura exemplifica isso.
A REAL diferença da animação pro live-action é exatamente esse vídeo. Olha a expressividade e felicidade da animação. Olha como é no live-action. Não tem dublagem que salve. #OReiLeão pic.twitter.com/5a13lWdTrt
— Juras (@jurandirfilho) July 19, 2019
Esta cena expõe um problema da direção onde repete-se a música e parte da coreografia sem levar em conta que em uma animação realista, as expressões faciais e a movimentação é ficam bastante limitadas. Além disso, a fotografia escura e com pouca vida deixa a imagem sem o brilho necessário, afinal, na vida real, leões, javalis e lontras não tem as vívidas cores da animação.
O filme investe na memória afetiva do filme clássico para resgatar emoções, mas ignora as diferenças básicas entre as animações. Outra cena que deixa isso bem evidente é no encontro entre Nala e Simba. No filme clássico, a paixão entre ambos é relevada pelos olhares, em especial no momento onde os olhares se entrelaçam enquanto ambos bebem água. No filme atual, esse olhar não transmite emoção alguma e o restante da cena mais lembra dois leões brincando na savana do que um casal se apaixonando.
Para compensar essa falta de emoção, o filme investe na trilha sonora de Hans Zimmer que é presente o filme todo, sem dar momentos de respiro e cansando o espectador. Há temas que se repetem em diversos momentos ainda que estes sejam completamente distintos um do outro. A trilha tocada na cena onde Simba brinca carinhosamente com Mufasa é a mesma utilizada na cena final onde Simba mata Scar. A impressão que fica é que esta trilha não deveria estar ali, mas na falta de emoção da cena, ela foi inserida como uma tentativa equivocada de trazer sentimento para uma obra morta.
Visualmente o filme é incrível. Tem momentos que realmente parece que estamos vendo animais de verdade devido os detalhes da pelagem e até pelo truques de foco, desfoco e profundidade de campo que simulam bem uma filmagem em espaço aberto. Porém isso não é suficiente para que um filme fique atraente. Em 30 minutos todo esse encanto se dissipa deixando apenas um vazio embalado em belas imagens. Dizer que uma obra não deveria existir seria injusto da minha parte, mas “O Rei Leão” é um filme que nada acrescenta para os clássicos da Disney.
Ficamos na expectativa de que outros filmes como “Mulan” e “Pinóquio” façam mais do que apenas criar belas imagens. É o que esperamos.