Crítica: O Doutrinador (2018)
O Doutrinador erra em todos os aspectos.
Ficha técnica:
Direção: Gustavo Bonafé, Fábio Mendonça
Elenco: Kiko Pissolato, Tainá Medina, Eduardo Moscovis
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 01 de novembro de 2018
[Os dois primeiros parágrafos são só desabafo, podem pular…]
Muita gente alega que filme nacional sempre aborda os mesmos temas e possui os mesmos gêneros. Isso é um desconhecimento ou má vontade. Quem faz tal afirmação com certeza não viu os mais de 100 filmes nacionais lançados comercialmente em 2018 ou não deve ir aos festivais, como o Festival de Brasília de Cinema Brasileiro. Talvez por esse fator, quando temos uma produção que destoa um pouco daquilo que está no imaginário (comédias, por exemplo) e parece emular Hollywood, já ganha um elogio quase automático por parte da crítica/público.
O Doutrinador pode encantar alguns, mas é recheado de falhas imperdoáveis. A saber: a minha análise não entrará no mérito político (o filme tem um lado, claro, mas do mesmo jeito que eu critiquei duramente o Polícia Federal – A Lei é para todos, que é de oposto ideologicamente a esse, não misturo a minha posição com a análise cinematográfica).
Acompanhamos Miguel (Kiko Pissolato). Ele é um policial de uma divisão especial e trabalha, entre outras coisas, na tentativa de desarticular um esquema de desvio de verba da saúde, que tem o governador local e outros figurões como principais suspeitos. Na vida pessoal, o nosso protagonista sofre uma tragédia (em uma relação bem forçada com o elemento anterior) e isso é a cereja do bolo para ele se revoltar e lutar contra o sistema fazendo justiça com as próprias mãos.
O cidadão veste uma máscara que brota do nada e sai dando sopapos nos policiais que estavam em confronto com manifestantes. Ao que parece, o artefato dá super poderes ao nosso amigo e ele incorpora alguma entidade capaz de dar piruetas, enfrentar vários policiais preparados e jamais ser atingindo – somente quando o roteiro precisa, mas ao ser ferido ele tem um fator de cura para deixar Wolverine e Hulk com inveja.
Como o manual dos heróis manda, ele tem alguém para ajudá-lo, no caso uma hacker (isso é tão anos 90…) chamada Nina (Tainá Medina). Ela trabalha em uma loja de gibis e é tão boa em hackear coisas que é capaz de entrar em qualquer sistema. Mas deixar que qualquer um entre no celular dela não é problema – ou será que a genialidade dela é seletiva e ela esqueceu que é possível apagar/inutilizar um aparelho à distância?
Os seres deste universo transitam no que temos de pior na construção de um personagem. Sejam os vilões mega vilões hiper vilanizados – há até a risadinha clichê e explicações dos planos, seja o amigo baluarte das virtudes – como se o público precisasse saber que corrupção é errado.
Na parte técnica também temos problemas. A montagem opta por colocar uma cena do meio do filme no começo e depois repeti-la na íntegra minutos depois. Essa necessidade de segurar o público com uma cena de ação na abertura, principalmente do modo que foi posta e recuperada, é muito frágil. Além disso, como destacado pelo Guilherme da Mata do Amada Crítica, parece que estávamos vendo uma série e faltou um episódio. Certos acontecimentos simplesmente não são mostrados e sentimos que os personagens se teletransportam.
Na parte visual, um CGI cretino à parte, temos um ar estilizado (estilo de quê?) que lembra o aspecto fantasioso do excelente filme As Boas Maneiras, mas aqui a opção não combina com a proposta. No geral, a iluminação grita com constância, em tons específicos – basicamente é o filme dizendo: “repare em mim”.
Mas de fato o que mais irrita é o maniqueísmo, o mais pedestre. Por mais que o protagonista tenha atitudes questionáveis, são movimentos óbvios e o filme força uma simpatia por ele. Já os demais, sequer tem um resquício de uma camada além. Todos estão em um lugar muito específico e marcado. Tal (ausência de) movimento passa uma sensação de inumanidade, afinal nós somos complexos.
O Doutrinador tem erros que eu não vou considerar para tirar ponto, mas é complicado ignorar: o Congresso Nacional no meio de uma cidade (e não no final da Esplanada), o Presidente ficar no mesmo prédio do CN, uma menina de oito anos que usa ipod (quem usa isso hoje em dia?) e ouve músicas muito improváveis para a idade, uma cronologia eleitoral completamente bizarra (eventos que ocorreriam em meses dão a sensação de se passar em dias)… Tais elementos, por serem externos, em um filme bom poderiam ser relevados. Mas aqui fica difícil não mencionar.
Porém outros furos são mais reprováveis, os mais questionáveis caem na conta do grupo de elite que Miguel faz parte – incluindo erros dele mesmo. É um amadorismo que não condiz com as atitudes esperadas. E olha que nem sou um especialista no assunto, a classe deve perceber ainda mais problemas. E eles interferem diretamente no andamento da trama.
Para finalizar, o discurso derradeiro tem um diálogo (involuntário ou não) com Tropa de Elite 2. Usa-se uma rima visual e narrativa muito cansativa. Dentro os elementos espelhados, uma narração que se equivale à profundidade filosófica de um Grey’s Anatomy. Não é porque funcionou no filme do Padilha que vai funcionar sempre.
O longa quer fazer uma leitura do mundo atual, porém tem uma visão bitolada (tal com o par antagônico citado no começo do texto). O Doutrinador acha que está fazendo algo diferente, mas no fim entrega apenas um produto problemático, mal acabado e sem viço cinematográfico. Se para alguns esta é a única possibilidade de “inovação” no nosso cinema, prefiro consumir as comédias mais desinteligentes, pelo menos a maioria delas são despretensiosas.
OBS: há uma cena pós-créditos…