"Gypsy" - (2017) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Cine(filo)sofia

“Gypsy” – (2017)

É um momento de transgressão, geralmente curto. Respondemos uma mensagem de texto de uma paquera qualquer, flertamos com quem não devíamos, vamos a lugares escondidos dos olhos quem acha que nos conhecem. Árduo é o lapso de ruptura entre o que realmente é real e o que não é. Nossas fantasias transformam nosso olhar, porém não mudam o que exatamente somos, exceto por um breve tempo. A resolução de certos problemas que temos na vida, e em certa medida, o reconhecimento de erros atingidos enquanto fantasiamos, maturados a partir de uma reflexão mais madura acerca dessas criações próprias de nosso intelecto, vão gradualmente nos modificando e nos fazendo entender por onde íamos caminhando.

A criatividade que temos poder em criar, as falsas esperanças, as mentiras, as insinuações, em geral, fazem parte de um aglomerado de tendências propícias quando temos a fuga como a luz no fim do túnel. Seguimos, então, essa luz, a temos como estrada para um lugar de respiro, para um tempo não nosso, afastado, perene num acontecer que na verdade está fora do real. Em alguns momentos, acolhemos situações confortáveis que tornam nossas vidas menos chatas, tediosas, isto é, o bem estar que o confortável pode trazer pode trazer um apagão de sobriedade afastando a lucidez para longe, a qual escapa de nós de forma sutil sem que percebamos.

Algumas relações são criadas via reflexos, vivências, desejos esculpidos lentamente durante nossas experiências; são retratos de nós mesmos, contudo de um eu desejado, de um eu ausente e que queremos que tenha vida, porque é ele que nos dá comodidade, que nos agasalha da instabilidade. É cansativo viver no mesmo. As mudanças são necessárias, as rotinas não amornam mais o que foi frio um dia; e é mais fácil fugir do que encarar certos problemas. Quando temos a sensação de que estamos enganando ou traindo alguém, de fato, somos nós os enganados e os traídos. Perceber esse acúmulo de erros faz parte dessa transição que é necessária para um (re)conhecimento maior de nós mesmos, e o transe que estagna a estabilidade é esse profícuo estado de não conseguir estabelecer uma conexão direta e fundamental consigo mesmo, e no caso envolvendo um relacionamento, com seu parceiro(a) também.

Jean é Diane e vice e versa. Diane é o objeto de desejo, de fuga e Jean o conforto. Porém, estar confortável nem sempre é o que queremos, ou é? Acredito que pode ser conveniente estar num estado aconchegante, é bom, é agradável e mudar ou sair de um lugar desse tipo pode ser difícil ou não desejável para algumas pessoas, porém para Jean, uma total abstração. Seus deslizes vão aparecendo de forma lenta, visto que é impossível manter-se sóbria com tanta mentira ao seu redor. O círculo criado a partir de suas fantasias vai se fechando, e a única pessoa que realmente a percebe desde sempre é sua mãe, e por isso que a relação das duas é ruim, desgastada, sem comunicação, mesmo porque, Jean não quer ser vista como realmente é; talvez ela tenha vergonha disso tudo e sabe que sua mãe consegue enxergá-la por inteiro. Seu romance com uma barista de um café, de tempos em tempos, vai se conectando com um outro real, com uma  criação distante de si mesma, como uma nova personalidade, e é dessa troca, dessa necessidade que nasce Diane – uma escritora tímida que se apaixona por uma mulher mais nova a qual não por coincidência, foi namorada de um de seus pacientes – Sam. É a partir de seus pacientes, pois, que Jean parte para um outro mundo, seu envolvimento com os problemas trazidos para a análise vão se transformando em suas próprias sombras, como se tudo ali falado pertencesse a ela de alguma forma. E será que há prazer mesmo com tanto medo envolvido? O maior medo de todos, certamente, é o de de ser descoberta, de seus desregramentos virem à tona, e definitivamente tudo isso poder arruinar sua vida, mas talvez é esse risco, essa descontrolada situação que faz Jean continuar, permanecer nas suas aventuras descabidas.

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