Crítica: Eu, Daniel Blake
Eu, Daniel Blake é o retrato de como a impessoalidade do “sistema” pode destruir vidas já debilitadas.
Ficha técnica:
Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
Elenco: Dave Johns, Hayley Squires, Briana Shann, Dylan McKiernan, Sharon Percy, Kema Sikazwe.
Nacionalidade e lançamento: Reino Unido/França/Bélgica, 2016 (5 de janeiro de 2017 no Brasil)
Sinopse: Um carpinteiro de 59 anos que se recupera de um ataque cardíaco faz amizade com uma mãe solteira e seus dois filhos enquanto ambos trilham seus caminhos no sistema de benefícios do governo, kafkiano e impessoal.
*ALERTA: Este texto contém SPOILERS do filme!
“Eu, Daniel Blake” foi o vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2016. Assim como a maioria dos premiados pelo festival, a escolha foi política, no sentido mais positivo da palavra. Afinal, o cinema é um retrato do mundo em que vivemos, e não há nada mais atual que falar sobre a maneira impessoal com que as instituições do governo tratam os mais pobres. E olha que estamos falando da Inglaterra!
Na trama, acompanhamos Daniel, um homem que, após sofrer um ataque cardíaco, foi proibido de trabalhar. Para pagar suas contas, precisa de um benefício do governo que só seria possível após passar por diversas etapas de um processo cheio de complicações – e que constantemente o excluem por meio de restrições das mais diversas.
Em certo momento, Daniel conhece Katie, uma jovem mãe que sofre com a falta de dinheiro e mal consegue colocar comida dentro de casa. A situação semelhante faz com que ambos desenvolvam uma amizade pouco provável, e os dois passam a se ajudar, além de dividir caminhos semelhantes nas repartições públicas do burocrático sistema britânico.
“Eu, Daniel Blake” percorre, ao longo de seus 100 minutos, uma rota que nos permite compreender as dificuldades dos menos favorecidos e sentir proximidade com elas, de forma que o tratamento realizado pelos funcionários públicos se torne ainda mais revoltante. Ao acompanharmos as amizades dos personagens que surgem na tela – incluindo o simpático “China” – conseguimos nos sentir conectados com suas dificuldades e soluções criativas.
Naturalista em sua essência, o filme pouco apela a qualquer efeito que “iluda” os sentimentos do espectador. E os fades que compõem algumas passagens de tempo apenas reforçam o tom episódico do longa – o que é positivo para a proposta dele. A direção e o roteiro não possuem arroubos, e assim permitem que o foco do filme seja puramente na temática que ele aborda.
Enquanto a pequena Briana Shann surpreende com uma atuação mirim verdadeira e profunda, Dave Johns cria um Daniel Blake desgastado pela vida e cansado das repartições públicas, mas é Hayley Squires quem consegue criar os momentos de intensidade que sua personagem permite, criando situações que reforçam a doçura e força de uma mãe apenas desesperada para criar os filhos.
E mesmo de forma crua e sem qualquer tentativa de fazer o público se emocionar, o fato é que as idas e vindas do personagem desenvolvem um sentimento de revolta e completa impotência diante das dificuldades. E é sintomático que o discurso do protagonista só seja realmente dito, sem silenciamentos, por meio de uma pichação e de uma leitura em seu próprio velório.
“Eu, Daniel Blake” é um filme é sobre relações humanas e desumanas. Sobre como somos influenciados pelo tal “sistema”. É sobre como somos apenas mais um número, tal qual o documento de identidade colocado após nosso nome em uma declaração, quando o mais importante é o que vem antes, e que não surpreendentemente, é o título do filme”.
Resumo
E mesmo de forma crua e sem qualquer tentativa de fazer o público se emocionar, o fato é que as idas e vindas do personagem desenvolvem um sentimento de revolta e completa impotência diante das dificuldades.