“Germinal” – (1993)
Baseado no romance francês Germinal de Émile Zola, Germinal, O Filme é uma representação bem realista do que fora a vida dos mineiros na França em meados do séc. XVIII, período que configura o final da Revolução Industrial e início da Revolução Francesa. Logo nas primeiras cenas quando o jovem Etienne vai à mina Voreux a procura de emprego, ele se depara com Boa Morte, mineiro desde os oito anos de idade, cujo nome faz jus as diversas mazelas já sofridas devido ao trabalho exaustivo e arriscado nas minas de carvão. Essa é a primeira cena em que é percebida a indiferença do sistema capitalista no que se refere ao trabalhador. Boa Morte é o retrato perfeito do saldo da miséria e precariedade procedente da clara exploração do trabalho existente na época. Ele é um senhor que aparenta ter uma idade muito maior do que a tida e que mal consegue respirar, tendo acessos constantes de tosse acompanhada da expectoração de carvão.
Nas cenas seguintes é apresentada a família do minerador Maheu, filho de Boa Morte e pai de sete filhos, dos quais quatro trabalham na mina acrescentando alguns contos à renda familiar, que por sinal era mínima e mal dava para o sustento. Quanto aos outros, ainda crianças, faltavam-lhes pouco para atingir a idade mínima e assumir o ofício árduo de minerador. A configuração desta família traduz aspectos comuns à família proletária da época a qual sofria as lamúrias da fome e se via obrigada a empregar suas crianças nas indústrias, tirando-lhes a esperança de um futuro sem os saldos da exploração. Estas crianças, geralmente, tornavam-se adultos doentios e fatigados tanto pelas horas excessivas de trabalho quanto pela pouca remuneração, como ocorrido com o personagem Boa Morte. Quando um dos trabalhadores morre, o jovem Etienne acaba sendo empregado por conta da necessidade de reposição da mina, que precisava restituir a ‘peça’ perdida. Na época, o trabalhador era tratado com tamanho desdém, que pouco significava a morte de um deles, levava-se em conta apenas os custos financeiros que a falta deste poderia causar, por isso a necessidade rápida da reposição.
Neste período também era comum a resistência dos pais ao casamento dos filhos, já que quando um dos membros da família saía de casa, perdia-se sobretudo, um contribuinte para renda da família e no filme, essa questão fica clara em duas situações. A primeira é quando um dos filhos de Maheu casa-se com uma moça da vila e Etienne e é chamado para morar com a família a fim de substituir o salário antes empregado por Zacharie. E a segunda, quando Catherine, filha de Maheu, casa-se com Chapal, um minerador de pouca razão, mas que tinha um físico forte capaz de produzir bastante, suprindo as necessidades da moça que mesmo apaixonada por Etienne prefere se casar com Chapal o qual lhe aparenta ser um bom supridor, alguém que poderia livra-la das agonias da fome. Entretanto, o salário de Catherine faz muita falta a família e a esposa de Maheu, mãe de Catherine, fica indignada com a posição da filha, chegando ao ponto de amaldiçoá-la.
Outra prática comum aos trabalhadores da época eram as feiras, também contextualizados no filme. Após uma semana árdua de trabalho nas minas, aos domingos, os trabalhadores resolviam esquecer das tristezas e aflições da vida e se divertiam com música, dança e jogos tradicionais. Além de recolher o carvão, o trabalho do minerador incluía a construção de escoras, que tornavam firme a estrutura das minas, porém o pagamento do salário era proporcional a quantidade de vagonetas de carvão produzidas, por isso os mineradores preferiam encher as vagonetas à escorar, o que além de colocar a estrutura da mina em perigo, sobretudo, colocava a vida deles em risco. No entanto, dada as circunstâncias de miséria em que viviam, dava-se mais importância ao salário imediato e a saciedade da fome, do que ao cuidado com a própria vida. O problema é que o lesar da estrutura das minas colocava o capital e o lucro adquirido em questão, e isso interferia no bem-estar da burguesia gerenciadora do sistema, a qual não contente com a situação, estabelece uma nova forma de pagamento, no qual as escoras são pagadas à parte e por consequência os preços das vagonetas caem, prejudicando ao trabalhador que tem o salário reduzido por conta da nova imposição.
Cansados da fome e dos modos de vida que levavam, os mineiros protestam à aplicação da nova norma e pedidos pelas ideias revolucionárias do jovem Etienne, e então, decidem fazer um fundo de rendacom o intuito de financiamento a uma greve, que aconteceria caso a proposta de aumento no valor das vagonetas não fosse aderida. Dado isso, os mineiros liderados por Maheu, vão a procura do dono da Vourex, que adota uma postura relutante em relação a aceitação da proposta e durante o diálogo tenta manipular os trabalhadores, alegando que a culpa das recentes misérias sofridas pelos operários não recai sobre os proprietários das minas e que a situação presente tem origem na crise nacional enfrentada pela França, a qual além de encarar a gradual interrupção da exportação de ferro e bronze para as Américas, sofria com problemas climáticos que além de acentuar a escassez de alimentos no país, também, colhia os resultados dos envolvimentos em guerras, que deixaram dívidas para o Estado.
Ainda declarando-se uma das vítimas da crise estabelecida, o proprietário da mina, em uma de suas falas, afirma ser um empregado como tantos outros sem poder algum – discurso que tem fundamento nas divisões gerais de classes que vigoravam na época, na qual operários e burgueses faziam parte de um mesmo escalão social: o terceiro estado, que por sua vez era incumbido de sustentar o clero e a nobreza, que nos últimos tempos com a crise social acabavam aumentando as cobranças saldadas pelo terceiro estado. É a partir desse momento que é percebido um descontentamento da burguesia em relação aos privilégios do primeiro e segundo estado, respectivamente, clero e nobreza, o que mais tarde culminaria na Revolução Francesa.
Apesar disto, o discurso da burguesia como vítima da situação é desbancado pelos contrastes eminentes entre o modo de vida burguês e o modo de vida operário, uma distinção que é bem colocada durante todo o filme, como por exemplo, numa das cenas de uma família operária famigerada quando seguida de uma cena em que burgueses são servidos de um banquete.
Os mineiros que sentem na pele esta disparidade não são agraciados pelo discurso burguês e protestam justamente contra essa sequência de despotismos, nas quais, nobreza e clero pesam sua mão no terceiro estado – burguesia e proletários – e a burguesia detentora dos modos de produção adiciona sua carga ao trabalhador, que é o maior, senão o único, prejudicado nesse processo. Tomada a decisão do proprietário da mina em não acatar as reivindicações, os trabalhadores discutem o próximo passo a ser tomado. Nesta discussão são apresentados três pontos de vista relacionados as diferentes personalidades revolucionárias existentes no filme.
O primeiro caráter é representado por Etienne, o qual pode ser considerado um socialista utópico que não estuda suas ações antes de fazê-las, assim como, tende mais pela situação momentânea, insistindo numa greve a qualquer custo. Em contrapartida, Rasseneur, dono de um pequeno bar, defende uma ação mais planejada em conjunto com toda a classe operária, não só os mineiros, desta forma incentivando a associação dos mineiros à AIT (Agência Internacional dos Trabalhadores), que para ele seria uma ação imprescindível na luta dos trabalhadores que estavam justamente num período de criação de sindicatos que reivindicavam melhores salários e condições de vida para os operários. Rassaneur, não apoia o movimento de greve, o qual para ele, seria um completo fracasso. O ponto de vista anarquista também é apresentado através do personagem Suvanir, o qual sustenta o projeto de destruição do mundo como a única forma de restabelecimento na qual talvez possa haver uma sociedade melhor, mais igualitária.
As ideias de Etienne tem a aceitabilidade dos mineiros que compactuam com o revolucionário e deflagram a greve, uma alternativa que não trouxe muitos resultados devido ao agravamento da fome e miséria mediante o fim das economias reunidas no fundo de renda, criado antes da paralisação. O resultado da greve foi a morte de milhares de pessoas por conta de doenças causadas pela miséria e pela fome. O movimento, em si, fora considerado válido e uma experiência difícil, contudo proveitosa afinal, uma vez que os capacitaria para novos embates no futuro.
O nome do filme faz menção justamente a isso, isto é, Germinal é o primeiro mês da primavera no calendário da Revolução Francesa e há uma associação do germinar com as sementes que ainda virão a brotar, que no caso são as possibilidades das organizações de movimentos sociais, enredo do longa-metragem que retrata exatamente o crescimento dos movimentos grevistas e do início da organização trabalhista em torno de um objetivo, que no caso, era melhorar as condições de trabalho e o aumento de salário.