Black Mirror | Fifteen Million Merits (Quinze Milhões de Méritos)
Black Mirror é uma minissérie do Reino Unido, escrita e roteirizada por Charlie Brooker, que procura mostrar o potencial maligno de tecnologias existentes (ou próximas da existência) em nossa sociedade.
Com um olhar extremamente crítico e pessimista para o futuro, traz perspectivas assustadoras, já que usa conceitos sociais e culturais já praticados e os eleva a máxima potencia. Sua estreia mundial foi em 4 de dezembro de 2011 e já possui duas temporadas, um episódio sazonal (especial de Natal) e terceira temporada confirmada para estreia.
E este é a segunda postagem sobre os episódios da série, falando sobre o segundo episódio da primeira temporada, Fifteen Million Credits. Para ler sobre o primeiro, The National Anthem, clique aqui.
Semana passada também tivemos o Indic(ação), com a minha participação, falando sobre o sucesso britânico e outras produções de sucesso disponíveis na Netflix.
Fifteen Million Merits (Quinze Milhões de Méritos)
Dirigido por Euros Lyn e escrito por Charlie Brooker e Kanak Huq.
Elenco: Daniel Kaluuya, Jessica Brown Findlay, Rupert Everett, Julia Davis, Ashley Thomas.
No segundo episódio temos uma drama mais caricata do que no segundo. A sociedade mostrada nos dá uma visão sarcástica e exacerbada de diversos elementos da nossa rotina, da mídia, das classes sociais e até dos indivíduos.
Em uma das classes, o “dinheiro” é conquistado através de pedaladas (não são as fiscais). As pessoas literalmente ficam em cima de uma bike, pedalando o dia inteiro em frente a uma TV, apenas assistindo conteúdo distrativo, como programas de reality show (no estilho X-Factor e seus semelhantes) ou vexatórios onde pessoas obesas são humilhadas em troca de risadas (Pânico, oi!?).
O problema é que as propagandas estão em todos os lugares, no seu quarto, na sua bikeTV, no espelho do banheiro. Em uma das cenas o personagem principal é constrangido com uma propaganda no banheiro coletivo dizendo “Esta propaganda está sendo exibida porque você assistiu Hot Chicks Babies”, claro, em frente ao seu interesse amoroso (se é que podemos chamar assim). As propagandas só podem ser desligadas pagando para isso. Imagina só poder pular aquele anuncio do youtube pagando por isso, só que na sua vida inteira.
Nosso protagonista, Bingham “Bing” Madsen (Daniel Kaluuya) é um ser privilegiado: quando seu irmão morreu, ele ficou com uma herança de milhões de créditos. Logo, ele só pedalava pra fazer algo da vida e podia evitar propagandas sempre que quisesse. Todavia, ele não se sente bem consigo mesmo e com o resto do mundo. Sentia sempre um vazio, como se sua existência não tivesse um propósito ou objetivo. Pedalar e pular comerciais não podia ser tudo que existe para se fazer.
Então, Bing, acidentalmente, escuta Abi (Jessica Brown Findlay) cantando em uma das cabines do banheiro. Ele se fascina e dá de presente à mulher de aparência e postura infantilizada um ticket para tentar a chance de tentar a fama no reality, gastando toda sua fortuna.
Só que toda sua esperança é em vão. A voz de Abi agrada o júri, mas nem tanto. Então lhe é oferecida uma vaga como atriz adulta, onde também será famosa, com vida boa e, afinal, qualquer coisa é melhor do que voltar para a bicicleta, né?
Assim, Bing volta para o seu cubículo, sem dinheiro e qualquer expectativa. Só que agora pior do nunca: a menina dos seus olhos agora vende o corpo para entretenimento adulto e ele não pode mais pular as propagandas a respeito disso. Além do significado roubado, isso é jogado em sua cara sem poder ignorar isso (o sistema de anúncios também impede que você cubra os olhos e ouvidos durante a publicidade). E ele decide que não vai ficar apenas sem fazer nada a respeito.
Como o caricato e a paródia funcionam para explanar a realidade ou o nosso comportamento nunca falha em me impressionar. Conseguimos ver claramente a perda da individualidade na classe média trabalhadora, a homogeneização de corpos e trejeitos, o funcionamento da sociedade pão e circo e do espetáculo (olha ela de novo) e como ela te aprisiona através de um ciclo explorado/explorador, o equilíbrio entre a promessa de um lugar melhor junto com a ameaça de “rebaixamento social”, a ilusão da meritocracia. Tudo isso reforçado pelo final do capítulo.
Bing decide lutar contra todo o sistema e se esforça ao máximo por meses para conseguir outro ticket e enfrentar os personagens que personificam tudo aquilo que ele odeia, tudo aquilo que tirou o significado que ele encontrou na vida. E no fim das contas, bem… se o que acontece ao nosso redor é qualquer tipo de aprendizado, você já sabe o que aconteceu no fim das contas.