“Big Fish” (2003)
Certas vezes me pergunto quando deitado na cama antes do sono tomar conta do meu corpo, se àquelas histórias que minha avó me contava, e eu atento às suas palavras deitado abraçado à ela e com minha cabeça em seu peito prestes a dormir, se elas tinham um pingo de verdade. Embora a busca pela veracidade das coisas venha a calhar como um objetivo prático de nossas vidas, após um tempo, percebemos que talvez a verdade não seja a nossa procura, ou talvez, haja caminhos mais divertidos, curiosos, fascinantes a percorrer. É gostoso sentir a sensação de ouvir uma trama antes de dormir, é interessante; nos faz realmente entrar naquele mundo imagético de ações, tempos indefinidos, espaços, relações. Lembro-me de algumas vezes, envolto aos meus numerosos primos, gladiar com eles em busca de um lugar ao lado dela para ouvi-la falar. Suas palavras eram tão envolventes e simples que nos deixavam extasiados de paixão e vontade de nunca mais sair daquelas camas de solteiro que unidas, formavam uma grande kingsize-bed. Mas o que me atenta aqui é o fato de que não me lembro exatamente os movimentos de suas histórias, o enredo, os personagens, e sim este envolvimento que nós quando crianças, tínhamos tanto com ela quanto com esses contos. A partir do momento que a vida nos movimenta em direção ao espaço-tempo adulto, o qual fará parte da nossa vivência até nossa morte, nossa “criancisse”, nossas brincadeiras que agora chamamos de bobas e sem sentido, àquelas que quando apoiados numa árvore fazíamos uma contagem e ao mesmo tempo os amigos se escondiam, para que assim, após contar, tínhamos que descobrir o paradeiro deles, desaparecem de nossas atividades habituais e viram apenas memórias.
Quando assisti ao filme Big Fish com direção de Tim Burton esses pensamentos acerca do que é ser criança e o que significa tornar-se adulto, vieram à tona. Quando me deparo com o pai contando histórias para seu filho na cama, é como voltar no tempo e reviver tais momentos. Não é só o fato da história ou da fábula estar presente, mas, o quanto é agradável estar com alguém que nós amamos, e ao mesmo tempo, ter tal experiência, isto é, a de ouvir e imaginar àquelas situações, que por mais que sejam exteriores ao que a realidade nos mostra, nos deixa atentos, apreensivos, aconchegados pelo seu acontecer.
Acredito que no mundo existem sonhadores e realistas. Acabamos achando que sonhadores encontram sonhadores, porém geralmente o contrário acontece. Na verdade, os sonhadores precisam dos realistas para que não voem muito perto do sol, e os realistas? Bem, sem os sonhadores, talvez nunca saiam do chão. O acreditar em algo, mesmo que seja uma hipótese, umas história, uma fábula, etc; não quer dizer que o acreditar perca o seu valor. Não devemos nos abandonar por inteiros diante da razão e dos fatos, por que assim, ficamos só no chão e não voamos. Então, porque não acreditar?
Segundo Platão, na boca de Sócrates: “Se todo o sentimento cessa e o que há é como um sono, em que nada se vê, nem em sonho, então a morte será um benefício maravilhoso. Pois se alguém, considerando à parte uma noite assim, em que tivesse dormido um sono sem sonhos, e comparando-as com as outras noites e dias da sua vida, tivesse de decidir quantos dias e noites tinha vivido mais agradáveis do que aquela, estou convencido de que essa pessoa, quer se tratasse de um simples particular, quer mesmo fosse o grande rei, acharia muito poucos dias e noites nestas condições. Se a morte é, pois, uma coisa desse gênero, digo que é um lucro real, porque então o tempo todo não parece ser mais do que uma só noite“.
Ou seja: a morte como o cessar dos sentimentos, é semelhante a um sono sem sonhos.