Análise de Uma Cena - Apenas Deus Perdoa
Artigo

Análise de uma cena – Apenas Deus Perdoa

 

*Este artigo é um complemento a minha crítica de Apenas Deus Perdoa, de Nicolas Winding Refn. Para ler ela, acesse o link https://cinemacao.com/2014/07/16/critica-apenas-deus-perdoa/

Apenas Deus Perdoa é um filme subestimado. Por não ter atendido as exigências do grande público e crítica, que esperavam uma obra estruturalmente mais similar a Drive, seu filme anterior, Nicolas Winding Refn nos deu um filme muito mais parecido com algumas de suas obras anteriores, em particular O Guerreiro Silencioso (Valhalla Rising, 2009).

O clima onírico do filme é um dos principais recursos narrativos utilizados por Refn. Ele fornece informações sobre a trama, o que os personagens estão sentindo e informações sobre o passado dos mesmos. O tom de pesadelo do filme é evidenciado pela excelente fotografia de Larry Smith e assombrosa trilha sonora composta por Cliff Martinez (que trabalhou com Refn em Drive). A cena A seguir é um exemplo de como os recursos citados acima trabalham em conjunto para fornecer informações importantes sobre a história e seus personagens.

 

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Refn estabelece o local. Vemos a personagem Mai, por quem Julian se sente atraído. Em primeiro plano, temos o véu, o ventre em que ela se encontra. Onde ela está presa.

 

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Julian, sentado, a observa, como se estivesse contemplado ou hipnotizado.

 

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Vemos, novamente, a recorrente imagem de suas mãos  (motivo de sua eterna culpa pelos atos que cometeu no passado). Elas estão relaxadas, como se Mai fosse responsável pelo transe em que Julian se encontra.

 

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Julian, emergindo das sombras, se aproxima do véu em que mai está enclausurada.

 

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Porém, somos surpreendidos com a imagem de Julian sentado, novamente, observando Mai com a mesma expressão. Ele está imaginando aquilo.

 

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Voltamos para o “sonho” de Julian, onde ele lentamente atravessa o véu com seu punho cerrado, outra imagem constante do filme.

 

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Apenas para ter esses punhos relaxados. Mai então coloca a mão  de Julian sob sua saia.

 

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Cortamos para Crystal, a mãe de Julian. Com expressão de contentamento e satisfação, ela observa fisiculturistas, num dos temas tocados regularmente no filme, o de contemplação. Assim como seu filho, Crystal observa um ícone intocável, no caso, os “objetos de perfeição”, os fisiculturistas.

 

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Voltamos para o sonho lúcido de Julian. O sonho é a representação dos desejos dele. Mai sente prazer. No caso, o desejo dele é proporcionar algo além de dor com suas mãos, algo que ele, novamente nessa ideia de contemplação, nunca alcançará, pois, neste momento do filme, Julian ainda não foi perdoado. Ele ainda tem sangue em suas mãos. Com esta troca, não só espelhando os desejos de Julian e sua mãe, percebemos que ele tem um sentimento maior por Mai. Ele a vê como a figura maternal que ele nunca teve. Dessa forma, Mai não representa apenas uma fuga do mundo de violência que Julian se envolveu e foi criado, mas sim, talvez , uma volta de fato para o útero -numa referência literal a Édipo, outro tema recorrente desta Obra.

 

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O sonho de Julian é interrompido por risadas. Ele continua sentado e Mai continua imersa no véu, como o ícone de maternidade imaculada que é.

 

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Este é um quadro-chave. As mãos de Julian se fecham. Os punhos estão cerrados novamente. A guarda não está mais baixa. Julian foi retirado de seu sonho, seu desejo. O instinto de violência de Julian retorna. Julian não pode fugir de quem é. E a ideia de que seus punhos foram feitos para causar dor nos é apresentada novamente.

 

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Julian quebra um copo no rosto de um dos senhores, agarra sua mandíbula e o arrasta pelo extenso corredor.

 

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Julian é uma máquina de violência, ainda afogado em culpa e em busca de perdão.

 

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Como pode ver, não são todos os filmes que fornecem as informações de bandeja para o público, através de simples diálogos e exposições. O espectador desatento com o som, imagem, fotografia e até mesmo figurinos perde não só grande parte do enredo, mas também a oportunidade de compreender o estado emocional e o que motiva aqueles personagens vistos na tela. A maioria do público assiste apenas a 30 % de um filme. Nossa função é ajudá-lo a captar os outros 70% .

Até a Próxima!

Trailer

http://www.youtube.com/watch?v=w0d7i_0Alfo

 

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