Reflexões sobre futebol, cinema, derrotas e vitórias
O que seria da vida se não fossem os sentimentos tão diversos que podem passar por nossos corpos? Sentimos medo, inveja e tristeza, mas também sentimos felicidade, êxtase e o prazer de chegar em primeiro lugar. Choramos de saudade e de ódio. E a mesma voz que fica embargada quando recebemos uma homenagem, também sofre da mesma emoção quando no velório de um amigo que se foi.
A vida é feita de emoções, e só conseguimos entender algo que sentimos quando o oposto já nos foi apresentado. Como podemos nos divertir se não conhecermos também o tédio? Como amar alguma pessoa sem nunca sentir raiva em outro momento? Qual a melhor maneira de saborear a vitória se antes dela não sofrermos algumas derrotas?
Na tão comentada jornada do herói, não teria graça se os Frodos e Harry Potters não sofressem muito com Orcs e Dementadores antes de destruírem seus inimigos. Na sala escura do cinema, só podemos ficar emocionados com o beijo entre os dois amantes após acompanharmos os encontros e desencontros ao longo de suas trajetórias. Que graça teria se o príncipe encantado encontrasse a Branca de Neve antes de ela ser envenenada? O que seria de Rocky se ele ganhasse na primeira luta, sem precisar se superar?
Na vida real, esta que vivemos neste momento, não há roteiro. Queremos acreditar que há algo escrito “nas estrelas”… mas os beijos não são acompanhados da trilha sonora perfeita, a luz não se apaga após o orgasmo, a sua vitória não será comemorada por todos, e dificilmente surgirá um “Deus ex machina” para salvar o dia. E ninguém será feliz para sempre, o tempo todo. Nunca.
E que bom que a vida não é um filme! Somos um turbilhão de emoções e é assim que gostamos de ser. No fim das contas, ninguém é herói, bandido, mocinho ou vilão. Somos todos seres humanos que perdem, ganham, choram, riem, e assim seguem vivendo.
O torcedor de futebol que chora com os sete gols da seleção brasileira, no dia seguinte vai rir das piadas sobre o assunto, e vai brincar com os primos, e vai se emocionar com o filme, e vai estudar, e vai concluir o curso, e vai esquecer, e vai lembrar, e vai seguir a vida. Quando assistimos a um jogo de futebol, é como se víssemos um filme. Os brasileiros estão acostumados a ver finais felizes, daqueles “hollywoodianos”. No dia 08 de julho de 2014, é como se todo torcedor fosse um investigador que escutasse alguém dizer: “Esqueça, Jake, é Chinatown”. E que graça seria se todos os filmes tivessem finais felizes?
Tudo o que assistimos e admiramos, como arte, espetáculo ou entretenimento (e o cinema e o futebol são todas essas coisas em uma só), é apenas uma representação da vida. Os sentimentos que surgem muitas vezes imperceptíveis ao longo dos dias de nossas existências, permeados por obrigações e contas a pagar, são apenas aflorados e alavancados pela trilha sonora, pelos truques de câmera, pelo grito da torcida, pela expectativa do gol. Ao elevar estes sentimentos, sofremos uma espécie de purificação que chamamos de catarse.
Quando as luzes do cinema se acendem, e quando as luzes do estádio se apagam, tudo o que restam são seres humanos. A poesia de Belchior nos lembra que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”. Qualquer canto, qualquer filme, qualquer esporte, qualquer partida de futebol: nada é maior que a vida de um ser humano.
No fim das contas, o mais belo sentimento que fica é o do respeito e gratidão pelas pessoas que nos permitiram purificar nossas almas com estes momentos de catarse. Ficamos gratos a Roman Polanski pelo vazio que fica após “Chinatown”, e agradecemos a Walt Disney pela esperança que sentimos por seus finais felizes, e também ao Walter Salles porque o Josué encontrou a família dele. Também somos gratos ao José Padilha, porque o Capitão Nascimento viveu momentos catárticos em que matou traficantes e confrontou o sistema, e somos gratos até ao Michael Bay, porque tem momentos em que tudo o que precisamos ver é um monte de explosão em 3D.
Obrigado a David Luiz, Neymar, Oscar, Bernard, Júlio César, Felipão. Obrigado Pelé, Sócrates e Bebeto. Obrigado Maradona, porque a vida precisa de rivalidades. Agradecimentos especiais ao Barbosa, goleiro da Copa de 1950, pela derrota histórica (meus conhecimentos de futebol param por aqui). Sempre seremos gratos a todos que nos proporcionaram a alegria de nos sentirmos verdadeiros seres humanos, com sentimentos positivos ou negativos.
Os créditos sobem para nos lembrar que aquilo foi só um filme. O juiz apita para nos lembrar que aquilo foi só um jogo. O próximo campeonato chega para nos lembrar que aquilo foi só uma derrota. O troféu se enche de poeira para nos lembrar que aquilo foi só uma vitória. Tudo isso nos faz lembrar que na vida de cada um de nós, nada é eterno e nem definitivo, e sempre tem algo que vem depois. Depois de um filme, sempre tem o próximo lançamento. Depois de um jogo, sempre tem a próxima competição. E como é bom saber que, no contínuo da vida, não existem os créditos finais!