‘Eu não quero voltar sozinho’ e o curta metragem no Cinema Brasileiro.
Vocês, cinéfilos de carteirinha do Cinem(AÇÃO), em especial os assíduos leitores dos meus artigos, devem estranhar a falta de críticas/resenhas relacionadas a filmes mais atuais, e que ainda estão dando o ar da graça – ou da falta dela – nas salas de cinema de todo país.
Essa atemporalidade textual é causada por dois motivos:
O primeiro deles é a falta de tempo para acompanhar a overdose de filmes nacionais e estrangeiros que entram em cartaz toda semana. Não que esse número cada vez maior e em constante ascensão seja ruim, pelo contrário. Mas, é bom registrar que quantidade, não assegura qualidade, e não isenta os roteiristas e suas respectivas produtoras, da repetição na busca pelo riso fácil e pelos recordes de bilheterias.
O segundo – diretamente ligado ao primeiro – é porque minhas análises cinematográficas consistem em compartilhar experiências, conflitos e reflexões causadas pelos filmes que assisto. Logo, não assisto, não comento. E, conseqüentemente, os filmes que não me despertam ações e atiçam reações, acabam ficando de fora dessa seleção de ‘griphos’.
Minha ‘cinéfilia’ é inerente a nacionalidade das fitas, aos números que registram seu nascimento, ao gênero que as definem ou a duração da película.
Eis que hoje, publico meu primeiro gripho destinado a um curta metragem. Gênero esse pouco valorizado em território brazuca (salvo os festivais de cinema por vossas existências Brasil a fora), e que, como igualmente acontece em outros países onde a indústria cinematográfica está em franca retomada e reconstrução, deveria ser tratado com mais afeto e respeito. Respeito para com aqueles (cineasta, atores, produtores…) que aos trancos e barrancos o fazem; Respeito pelos temas tabus, inéditos e corajosamente abordados; E respeito pelos inúmeros talentos que esse importante cartão de visitas da sétima arte, já revelou.
Na quinta-feira, dia 10 de abril, estreou nas telonas o longa metragem ‘Hoje eu quero voltar sozinho’ do diretor Daniel Ribeiro. E é com o curta metragem ‘Eu não quero voltar sozinho’, que originou a realização do longa, que eu inicio meu novo gripho.
Assisti o curta metragem de Daniel Ribeiro em uma das minhas temporadas de caça no Youtube.
“Claro que seria na internet. As salas de cinema jamais me dariam esse prazer. Afinal, curta metragem não tem público cativo, não vende, não compensa os gastos com a exibição… No velho e bom ‘capitalês’ não dá dinheiro”.
(griphos meus – teoria [errada] deles).
Curioso que nesse mesmo dia acabei assistindo também o curta metragem Café com Leite, do mesmo Daniel, e que irei tecer comentários mais profundos em um próximo gripho.
‘Eu não quero voltar sozinho’ ousa na linha da simplicidade. Em seus exatos e velozes, dezessete minutos e dois segundos, o filme aborda de maneira delicada e singela – contudo, não menos profunda e incisiva – dois temas extremamente importantes: a deficiência visual e a descoberta da relação homo afetiva – e do amor em palpitações gerais – na juventude, em uma sociedade que a cada dia caminha sob a cegueira da ignorância.
O trio de protagonistas, Leonardo, Giovana e Gabriel (em atuações consistentes e naturais dos atores, Guilherme Lobo, Tess Amorim e Fabio Audi, respectivamente), conseguem viver o cotidiano de jovens estudantes (nostalgia boa dessa época…), suas dúvidas, medos e desconcertos que são inerentes dessa etapa de descoberta/formação da existência humana.
O ‘não enxergar’ de Leo, faz com que os outros sentidos se potencializem e fiquem à flor da pele. Os sons, o sentir, ganham contornos mais intensos, não só nele, portador da limitação, mas nos outros dois vértices do triângulo, que pelo afeto, pelos laços extracurriculares que têm entre si, ganham caminhos densos e convergentes.
Mérito do diretor, pela sensibilidade na construção da narrativa e na coragem em abordar temas ‘tabus’ (cada vez que um se quebra, eu me deleito de felicidade); E mérito dos atores que fecharam os olhos para a inexperiência e mostraram que atuar é acima de tudo sentir, seja pelo olhar dos olhos ou pelo olhar dos sentimentos.
E para a alegria geral da nação cinéfila, o curta virou longa, os talentosos atores cresceram, e o não deu lugar ao querer.
E eu?
– Vou correr para testemunhar esse amadurecimento coletivo de personagens, de atores e do nosso cinema nacional.