‘Cisne Negro’: O lado obscuro da perfeição .
TV a cabo é assim.
Assinamos pelo desejo da melhor imagem, pela gula dos milhares e diversos canais… E quando estamos em casa, zapeamos, ficamos naquele vai-e-vem tecnológico sem fim, e não achamos nada que preste para conjugar verbos (refletir, entreter, distrair…).
Ou melhor… É (quase) sempre assim.
E aquele dia entrou na seleta lista das exceções…
…
Tarde de sábado.
Ordem crescente.
Paro em um canal que não recordo exatamente qual é (no meio de tantas agulhas fica complicado saber qual espetou nosso dedo). Créditos subindo.
Ordem etnecserced.
Furo o dedo na mesma agulha e uma gota de sangue pinga no chão.
‘Cisne Negro’ está começando! Literalmente!
– Um, dois, três (…).
– Um, dois, três (…).
Parei, pensei e não resisti. Deixei de lado toda minha pragmatização para assistir filmes, deitei na poltrona do cinema caseiro e joguei o controle no lixo (autocensura).
O som penetrante e perturbador da caixinha de música e a imagem da bailarina, sem cabeça, sem tronco e membros superiores, apenas com as pernas fincadas elegantemente no chão, não saíram de mim.
As notas musicais deslizaram pelos meus ouvidos e me conduziu – como em uma apresentação de Ballet – à história de Nina e seus cisnes.
Já a imagem da bailarina mutilada, me fez ruminar inúmeros significados e representações da autodestruição que podemos fazer com a arma mais letal e particular que temos: A PSIQUÊ – A MENTE.
“… Chegava a determinado momento que o coração acelerava, os pelos se arrepiavam, as mãos suavam, a respiração ficava ofegante… Parceria que o duelo dos opostos acontecia aqui, dentro de mim, como num espelho…”
Darren Aronofsky (diretor) cria e executa um roteiro primoroso, instigante, e que no avançar das ações, recordações e devaneios excitam nossos mais doces e sombrios sentidos.
Esse equilíbrio entre CRIATURA e CRIAÇÃO, nos permite fazer um paralelo referencial entre o viés artístico da personagem personificada imageticamente na figura de um cisne, e o processo ‘alvenérico’ entre roteiro e direção cinematográfica.
De um lado, Nina. A bailarina determinada a chegar ao estrelato. Interpretada de maneira visceral e intensa por uma Natalie Portman, em sua melhor forma.
Do outro lado, uma personagem muito bem construída, cheia de nuances dramáticas, que transborda em conflitos internos e frustrações familiares.
“A repetição maternal “Sweet Girl” ao longo de todo filme, funciona como um pêndulo perturbador que despe Nina de toda sua instabilidade emocional e dos nós que os traumas familiares lhe enclausuraram”.
Darren ainda expõe através de sua personagem todo o espírito competitivo enraizado na natureza humana (que varia de cisne para cisne), cada dia mais exacerbado em tempos de globalização e de forte competitividade digna da arena taurina de Wall Street, que está no nosso dia-a-dia, seja na escola, na faculdade, no trabalho e no próprio seio familiar.
“A guerra se origina bem antes disso, lá no óvulo da vida. Todos nadam, um fura o bloqueio e os demais morrem na praia”.
Eis que em meio a toda sua trajetória tão sonhada por ela – e pela bailarina frustrada da sua mãe – a guerra psicológica que Nina trava consigo mesma, é potencializada pela presença do seu exigente treinador Thomaz Leroy (Vicente Cassel) e pela atraente colega de companhia Lilly (Milla Kanis). Ambos perfeitos em seus respectivos papéis. Cassel com a sagacidade e frieza necessária para provocar e instigar sua aposta artística, e Milla, exalando sensualidade e mistério no olhar.
Plateia lotada.
Todos famintos pelo belo. Todos na expectativa do espetáculo.
O grande dia chega. O branco tem que dar lugar ao negro. A clareza precisa sucumbir diante o lado obscuro, nefasto do instinto animal.
Na guerra onde a cada mergulho, mais fundo se chega, mais temeroso se fica.
A bailarina sai da caixinha de música e segue seu desejo, seu sonho.
E pra Nina, a doce Nina, para o sonho se tornar realidade, a entrega tem que ser plena e a realidade da interpretação tem que ser real, e não encenada.
… Mesmo que para isso, o sonho signifique o fim, e a realidade seja o mergulho final na eternidade.
E eu, aplaudo de pé.