Crítica: Os Miseráveis (Les Misérables – 1998)
Em uma edição do Podcast Cinemação, Daniel Cury mencionou que a comparação entre filmes antigos e novos com o mesmo título é interessante. Sendo assim, comecei a pensar em algum filme que se encaixe nesta descrição para mostrar aqui no Cinemação. Como este ano o filme “Os Miseráveis“, (“Les Miserábles”, gravado em 2012) venceu 3 prêmios do Oscar (“melhor atriz coadjuvante”, “melhor maquiagem e penteado” e “melhor edição de som”) resolvi escrever sobre o filme homônimo gravado em 1998.
Vale observar que, ao escrever esta crítica, automaticamente decidi me arriscar, afinal, vou falar de um filme cujo principal destaque é o roteiro. Este último é baseado em um livro de um famoso autor romântico francês, que no caso é Vitor Hugo. Com isso, posso estar “chovendo no molhado” ou falando o óbvio. Mas a vida sem alguns riscos não tem graça.
[youtube http://www.youtube.com/watch?v=HkzG3PjHN3E]
O filme de 1998 foi dirigido por Bille August, dinamarquês que ganhou certa fama internacional com o filme “Pelle Erobreren” (cujo nome no Brasil, “Pelle, o Conquistador“), vencedor do “Oscar de melhor filme estrangeiro” de 1988. Já os principais atores do filme de 1998 são: Liam Neeson ( “A lista de Schindler” e “Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma“), Geoffrey Rush (Piratas do Caribe – todos os 4 filmes), Uma Thurman (Kill Bill Vols. 1 & 2) , and Claire Danes (O Exterminador do Futuro 3 – A Rebelião das Máquinas).
A história conta a vida de Jean Valjean (Neeson) um típico herói romântico: forte como um touro, inteligente, humilde e apaixonado. Porém, ele nem sempre foi assim. Como um condenado em condicional, ele pede abrigo a um Bispo já idoso, e mesmo após a acolhida e generosidade, Valjean ataca e assalta o velho. Preso, nosso futuro herói mente dizendo que o fruto do assalto é um presente do Bispo, e esta história é confrontada diante do religioso. Surpreendentemente o idoso confirma a história, e mais: dá a Valjean mais alguns itens valiosos e diz ao herói algo do tipo: “Com esta prata eu compro sua alma, e você não pertence mais ao mal, e lembre-se, você prometeu ser um homem novo”. E o mais impressionante é que dá certo. Valjean acaba enrriquecendo e ajuda uma cidade inteira. Mas para conseguir isso ele precisa fugir da imagem de “condenado”, portanto muda de nome e foge da condicional. Com isto, se torna oficialmente um procurado. O problema deste personagem é a perenidade do mesmo, ou seja: ele não envelhece e não enfraquece com o tempo, o que seria natural. Durante o filme mais de 20 anos se passam, e ele é tão forte aos 30 quanto é aos 50 anos e também não possui rugas… Não sei se é uma característica do personagem romântico, ou seja, o “herói perfeito” ou se é uma falha de maquiagem. Talvez esta dúvida seja tirada ao ler o livro (o que não fiz, admito) ou ao assistir o novo filme homônimo de 2012 (o que também não fiz… ainda).
A sequência de cenas da conversão de Valjean é uma das melhores do filme. Leva a pensar, entre outras coisas, nas vantagens que a idade nos trás. É interessante ver que, já no fim da vida, o apego material se torna inútil, ou ainda, nos ajuda a ver que o investimento em desenvolvimento e bem estar humano acaba sendo um dos melhores, e pode recuperar um homem que durante 19 anos só vivenciou o desprezo humano dentro de uma prisão de trabalhos forçados, após roubar comida. É claro que existe a possibilidade de ser apenas uma visão romântica e utópica do autor… mas de qualquer forma, a reflexão é interessante.
O vilão da história é Javert (Rush), um policial de origem humilde que utiliza a lei para justificar seus atos maldosos, e persegue implacavelmente o condenado Jean Valjean. É um dos personagens mais interessantes, pois não existe maldade explícita nele, ele apenas segue as leis, e a maldade está originada nestas últimas. Como este é um personagem que conseguiu deixar as origens humildes seguindo as leis, as defende com unhas e dentes. Neste aspecto, este é um personagem muito semelhante ao policial do filme “O preço do amanhã” (In Time – 2011).
Outro ótimo momento é uma encenação entre Rush e Neeson. Valjean deveria matar Javert em um beco, pois os revolucionários republicanos viam Javert como inimigo, já que este último trabalhava para o rei (reparem nos “os valores nacionais” ou “nacionalismo”, mais uma característica de autores românticos, onde temos um autor francês do fim do século XIX defendendo a república francesa, em plena atividade durante a época de Vitor Hugo). Como um bom herói que é, Valjean leva Javert para o beco, atira para cima e diz algo semelhante a “você está morto, Javert”, e indica o caminho para a liberdade do policial. Esta frase é ótima, pois Javert é praticamente um homem sem alma. Seu apego às leis e às regras fecha o caminho para o amor ou minimamente para o bom senso, mostrando que, apesar de ter uma vida economicamente e socialmente boa, ele também é um miserável, um homem morto por dentro.
Como estamos falando de uma história romântica, falta falarmos da mocinha. Na verdade são duas mocinhas: A mãe Fantine (Uma Thurman) e a filha Cossete (Claire Danes). Como toda mocinha romântica, as duas inspiram cuidados e são a inspiração para atos heroicos, porém elas mesmas não são fonte de grande desempenho na trama. Uma pequena exceção é feita a Fantine, mãe que faz de tudo que está em seu alcance para mandar dinheiro para a filha, que está sob cuidados de um casal em outra cidade. Apesar de Fantine sempre selar pela filha, a mãe acaba não tendo um destino nobre, endossando a fragilidade feminina em uma história romântica. O mais estranho é ver Uma Thurman, famosa por personagens femininas fortes como “Mia Wallace” de “Pulp Fiction” ou ainda exageradamente fortes como “Beatrix Kiddo” de “Kill Bill“, interpretando uma personagem extremamente frágil como Fantine. Ficou estranho, mas aceitável.
Com uma fotografia que mostra um clima denso, com a sensação de que a França daquela época não tinha um dia ensolarado sequer, uma direção muito boa, vários momentos de introspecção colhidos de pequenos diálogos, apresentando críticas à imagens que a sociedade impunha (ou ainda impõe) sobre as pessoas, com atores competentes, uma maquiagem suspeita e um figurino bem feito, este filme se mostra uma boa opção para se assistir. Não chega a ser um filme obrigatório, mas é altamente recomendado. Portanto, 4 claquetes para este filme.