Crítica: Hal & Harper - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
4 Claquetes

Crítica: Hal & Harper

Hal & Harper
Criação: Cooper Raiff
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: Cooper Raiff, Lili Reinhart, Betty Gilpin, Mark Ruffalo, Alyah Chanelle Scott, Christopher Meyer.
Sinopse: Dois irmãos tentam preservar sua infância, apesar de seu pai solteiro forçá-los a crescer muito rapidamente.

.

Um trauma pode causar fragmentos relevantes e só serem revelados com o passar do tempo. Com sorte, as reminiscências não provocam grandes buracos emocionais, porém é questão de sorte, não se controla. Com frequência, os impactos emocionais de uma ausência são sentidos a vida inteira, especialmente quando o objeto ausente é uma figura parental. Este é o mote na nova série disponível na Mubi, Hal & Harper, criada, escrita e dirigida por Cooper Raiff, um dos novos talentos hollywoodianos que ainda precisa de lapidação, mas competente em suas investidas cinematográficas. 

Hal (Cooper Raiff) e Harper (Lili Reinhart) são dois irmãos que perderam a mãe de forma trágica ainda na infância. Criados pelo pai (Mark Ruffalo), num esforço de se fazer presente ao mesmo tempo que enfrenta o luto, Hal e Harper desenvolvem uma relação codependente que se prolonga pela vida adulta. Fragmentos da ausência materna e paterna que foram transformados em traumas agora revividos, vem à tona depois que o pai informa que terá um filho com sua nova esposa, Kate (Betty Gilpin), e que a casa que viveram na infância será vendida.

Dividida em oito episódios, Hal & Harper quase se propõe a ser um estudo de personagens ao acompanhar com intimidade a vida dos irmãos. Ambos têm forte dificuldade em expressar seus sentimentos — entre eles e seus pares românticos —, carregam uma melancolia no olhar e mantêm uma relação amigável com o pai, porém afetivamente distanciada. Contam muito um com o outro, às vezes invasivos, especialmente Hal, que parece resistir em amadurecer individualmente, contrastando com Harper, que precisou crescer para além da idade quando criança.

Cooper Raiff vai do cômico ao emocionante com naturalidade. Entre a dramédia e coming of age tardio, ele escolhe ângulos tradicionais, mesmo com a câmera na mão, evidenciando sua necessidade de aprimoramento na direção. A força está no texto e nas interpretações. Formada por retalhos de memória, os irmãos revivem diversas cenas da infância, mas adultos — causando um divertido estranhamento — e se comportando como eram quando crianças. Hal, por ser mais jovem, têm comportamentos mais infantis, e Harper, mais introvertida, assumiu as responsabilidades frente ao luto e insuficiência do pai. Ambos compartilham a necessidade de pertencer e nutrem uma rede de amigos restrita, já visível nas relações infantis e que se repetem.

As chances de entrar em intimidade e falar sobre a mãe ou a ex-esposa, por exemplo, são interrompidas com respostas sarcásticas ou evasivas. Não só sobre a mãe, mas quando se trata sobre os relacionamentos amorosos — que a série se concentra —, é meio desastroso, interrompido, assim como as memórias, sempre cortadas. O infantil retorna em situações do presente, logo, questões que poderiam ser simples de resolver, especialmente através do diálogo, se transformam na rememoração constante da ausência, insegurança e afetos desorganizados, que supostamente poderiam ter sido acolhidos dentro do escopo tradicional de família. 

Isso parte da idealização de que a família seria o bastião da ordem afetiva e expressão livre de sentimentos. Pai e filhos são família, assim como o oposto, à família possível para aquele contexto dentro daquelas circunstâncias. Indiretamente, Raiff discute essa ideia de família e chega a conclusão de que ela nada mais é do que a congregação dos afetos possíveis e disponíveis a partir de outros sentimentos e sujeitos, vinculados geneticamente ou não. O que Hal e Harper buscam e sempre encontram em si mesmos de forma dependente, talvez seja uma reedição de uma rede que suporte o luto não vivido, o amor interrompido e os fantasmas do passado. 

O pai, que não tem nome, mas tem a função, exerceu a famosa presença-ausência tão comumente ofertada pelas figuras paternas. Essa posição evidencia a boa atuação de Mark Ruffalo, que compreende esta figura como um sujeito sem jeito para sentimentos, confuso, amoroso e que tentou fazer o possível. Cooper Raiff tem um jeito muito específico de atuar, que parece se repetir, e é responsável pelas tiradas cômicas. Chama atenção a belíssima performance de Lili Reinhart que, com o olhar, projeta a tristeza, a angústia e as dúvidas que recorrentemente pesam seus dias. No último episódio, ela que também é produtora, desempenha uma das cenas mais profundamente dilacerantes. 

Hal & Harper faz parte de um esforço da Mubi em trazer séries limitadas ou minisséries para o catálogo que não fazem o gosto dos grandes players. É o caso da elogiadíssima Mussolini: O Filho do Século (2025), de Joe Wright, e já no próximo dia 03, a estreia de Os Anos Novos (2024), do espanhol Rodrigo Sorogoyen. São séries de pequenos públicos, que  fizeram passagens em festivais independentes e, embora suas qualidades sejam destacáveis, assim como a minissérie de Raiff, tem pouco poder de engajamento e funcionam um tanto distante das fórmulas exigidas pelos streamings.

Inclusive, Cooper Raiff, de apenas 28 anos, é resultado do Festival de Sundance, consagrado por revelar artistas independentes e colocá-los na vitrine futura dos grandes estúdios. Seu trabalho mais vistoso até agora, o simpático Cha Cha Real Smooth: O Próximo Passo (2022), segundo longa-metragem do diretor, têm o mesmo charme de sua série: consegue ser pop e ter algo mais a dizer. É um cineasta com potencial e que parece seguro com as próprias escolhas. Frente ao assédio dos grandes estúdios para projetos menos autorais, o diretor tem dito em entrevistas que a única pressão que sente é de seus personagens, trabalhando para que eles sejam honestos e tenham alma. Talvez seja prematuro para dizer, mas com alguma distância e cautela, Raiff lembra vagamente o grande cineasta-autor-ator italiano Nanni Moretti, por sua participação quase sempre autobiográfica nas produções e narrativas que escolher contar. Vamos aguardar o que vem por aí.

Na trajetória do cineasta prodígio, Hal & Harper é um acerto estruturado. O texto esperto e melancólico na medida certa, trilha sonora que passa por Sabrina Carpenter a New Order, estética consistente e personagens dramaticamente comoventes pela sinceridade apreendida, fazem um caldo tipicamente norte-americano de cinema independente muito gostoso de assistir. O encerramento tem notas agridoces e positivamente expositivas, natural para personagens que passaram tanto tempo sem conseguir dizer o que sentiam e pensavam. Com um aceno amoroso que comove, sem querer querendo, reflete aquelas famílias que, seja em qual formação for, estão tentando acertar, mesmo errando de vez em sempre.

Nota: 4 /5

Deixe seu comentário

×
Cinemação

Já vai cinéfilo? Não perca nada, inscreva-se!

Receba as novidades e tudo sobre a sétima arte direto no seu e-mail.

    Não se preocupe, não gostamos de spam.