Crítica: O Som da Queda – 49ª Mostra de São Paulo
O Som da Queda
Direção: Mascha Schilinski
Roteiro: Louise Peter, Mascha Schilinski
Nacionalidade e Lançamento: Alemanha, 2025
Elenco: Hanna Hecket, Lena Urzendowsky, Laeni Geiseler, Susanne Wuest, Luise Heyer, Lea Drinda.
Sinopse: Quatro garotas em diferentes períodos do tempo experenciam a violência de gênero e o mal-estar de uma fazenda alemã.
.

O que surpreende em O Som da Queda é o quanto o filme é entregue a um formalismo super carregado e uma formulação atmosférica que usa de uma fotografia granulada, borrada e um tom gélido da sua cor, planos contínuos que seguem os movimentos das suas personagens pela fazenda e entram pelos cômodos com elas, uma câmera fantasma que se move pelos buracos da casa e também tanto planos muito próximos dos seus personagens quanto aqueles que pensam em valorizar as composições e os espaços daquela fazenda num rigor e numa simetria contínua que conversa com a velocidade das corridas dos personagens por eles.
O Som da Queda até se encaixa num tipo de “cinema europeu pra festival” posudo, frio e auto–importante tanto tematicamente quanto cinematograficamente. Várias comparações com Michael Haneke foram feitas e as conexões com A Fita Branca são claras. Mas o que faz com quem esse filme acerte muitíssimo pra mim, enquanto vários outros desse tipo falhem e caiam no campo da caricatura, é como o seu formalismo não é só parte de um virtuosismo de auto–validação, mas acaba encontrando espaço na manifestação visual e sonora (com um desenho de som muito carregado) dos elementos mais primitivos e imersivos da linguagem cinematográfica para uma herança maldita familiar de perversidade infernal que vai aparecendo desse modo quase fragmentado.
Quase como se estivéssemos vendo um filme experimental. Essa violência vai se tornando ela mesma algo fantasmagórico indo e voltando de modo variando. Mas ao mesmo tempo é tudo muito físico, muito intenso, até quando vai pra esse lado de uma ilustração lírica e poética dessa maldade. Esses atos de maldade mesclados com o crescimento e teor juvenil dos personagens vai indo e voltando numa tradução clara de um fluxo de memória abalada mesmo.
A narração em off que explica para a gente o que vemos se funde com a imagem e som quase como se estivéssemos vendo um lamento literário, de um diário, que ganha carne e corpo em imagens de um teor muito enigmático. Os atos de violência e a perversidade que rodeiam o filme nunca se tornam objeto de um exercício de choque ou de um sadismo e sim na realidade da elaboração de um mal-estar trágico que absorve o astral de todo o filme para uma construção astral extremamente sombria e ao mesmo tempo estranhamente delicada. Por isso inclusive acho que o filme assume que quem são aquelas mulheres individualmente pouco importa porque o que importa para Mascha Schilinski é tratar elas como um coletivo, uma representação geral de algo. Espíritos que vagam uma mansão mal-assombrada. São esse tipo de coisa que mostram o sucesso do filme em conseguir capturar uma sensação tão difícil de ser visualizada. É muito complicado encenar o inferno e ela conseguiu.
Nota: 4 /5
