Crítica: Máscaras de Oxigênio não Cairão Automaticamente - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
4 Claquetes

Crítica: Máscaras de Oxigênio não Cairão Automaticamente

Máscaras de Oxigênio não Cairão Automaticamente
Criação: Patricia Corso, Leonardo Moreira
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2025
Elenco: Johnny Massaro, Bruna Linzmeyer, Hermila Guedes, Lucas Drummond, Carla Ribas, Ícaro Silva, Rita Assemany, Kika Sena.
Sinopse: Trabalhadores de empresas aéreas passam a contrabandear o AZT, medicamento ilegal no país na época, mas que era a única solução conhecida para quem era diagnosticado com a doença que a tantos assustava: a AIDS.

.

Lágrimas cairão automaticamente ao assistir a nova minissérie da HBO, Máscaras de Oxigênio não Cairão Automaticamente, ou pelo menos, foi essa a sensação durante os cinco episódios. Dedicada ao drama na maior parte do tempo, a série dirigida por Marcelo GomesCinema, Aspirinas e Urubus (2005) — e codireção de Carol Minêm, também consegue saídas pela comédia contida, tesão, luta política e, ainda que não faça grandes movimentações fora do tradicional formato, captura com serenidade o espírito do tempo. 

Da metade para o final dos anos 1980, a epidemia de HIV/Aids chegava a níveis graves e o governo brasileiro fazia pouco caso das centenas de mortes que ocorriam. De forma equivocada, a Aids foi associada por muitos anos às pessoas LGBTQIA+ e chegou a ser chamada de “peste gay”. Na época, a mídia e o próprio Ministério da Saúde incentivavam o preconceito e o estigma de que o diagnóstico era uma sentença de morte. É neste cenário caótico e hostil, mas efervescente pós ditadura militar, que Máscaras de Oxigênio acontece.

Nando (Johnny Massaro), um comissário de bordo secretamente gay da fictícia Fly Brasil, ignora a epidemia de HIV enquanto vive o glamour dos voos internacionais. Sua vida entra em colapso quando descobre que está com Aids e o único tratamento disponível é o antirretroviral AZT, comercializado apenas nos EUA e proibido no Brasil. Junto a sua amiga e também comissária, Lea (Bruna Linzmeyer), o amigo Raul (Ícaro Silva), e toda uma rede de organização e resistência que se constroi ao longo dos episódios, um “contrabando do bem” é estabelecido para trazer a medicação ao país.

Os roteiristas Patrícia Corso e Leonardo Moreira equilibram o aspecto político e particular com jogo de cintura. Nando sofre pelo diagnóstico e sofre pelo tratamento, pois o AZT tinha efeitos colaterais duros. Seu desejo por continuar voando como forma plena de realização da vida, emociona pela franqueza com que sente e, obviamente, graças à brilhante performance de Johnny Massaro. Embora a série evidencie e majoritariamente seja com pessoas LGBTQIA+, ela tende ao universal a não representar apenas a comunidade, mas pessoas de todos os credos, classes sociais, gêneros e orientações sexuais, mesmo que elas não estejam no centro dramático. 

Com maior tempo de tela, Bruna Linzmeyer e Ícaro Silva constroem personagens carismáticos e de personalidade estruturada. O relacionamento que acontece entre Raul e Nando chega com naturalidade e como desenvolvimento de uma amizade pregressa. Isso também acontece com Lea, que em certa altura descobre estar grávida e o genitor não assumirá o cuidado. Nando, então, assume a paternidade do filho. O trio de amigos, em que Nando e Raul viram amantes, e a amizade com Lea que ganha contornos paternais, é um dos arcos mais emocionantes.

Além do trio, outros personagens ganham presença. A mãe de Nando, Raquel (Carla Ribas), tem bons momentos, como a cena do almoço, logo após descobrir que o filho é gay; Hermila Guedes, como Dra. Joana, sempre competente, faz a resistência dentro da Fly Brasil e é a incentivadora da importação do AZT; a chefe dos comissários, Yara (Eli Ferreira), é desenvolvida com cuidado e solidez; e Kika Sena e Rita Assemany fazem uma dupla de apoio quase improvável. Lindo de ver. 

O design de produção é econômico, refletido em planos fechados, e os figurinos, com destaque para os uniformes da Fly Brasil, capturam o auge pomposo da estética da aviação numa época em que voar era privilégio de classes mais altas. O enquadramento político empurra com clareza e didatismo os enfrentamentos das barreiras e preconceitos, seja ao burlar a Receita Federal (aqui chamada de Polícia Federativa), seja com os protestos que tomaram o Rio de Janeiro nos anos 1990 para atrair visibilidade a crise de saúde pública negligenciada pelo Estado. 

Máscaras de Oxigênio é livremente baseada na história verídica de alguns comissários da Varig — na época a maior companhia aérea brasileira — que faziam o “contrabando” de AZT e era distribuído em pontos da própria empresa, como contou uma reportagem da BBC Brasil em 2020. Muitas pessoas foram demitidas em função do diagnóstico e, em 1989, assim como na série, a empresa enfrentou protestos sobre a forma preconceituosa que lidava com os casos. Assim como na vida real, a série de Gomes e Minêm se concentra na resistência, coragem e ousadia dos personagens em construir uma rede de assistência e adicionam a homenagem como linha de fundo. 

Mesmo com atributos positivos, a leve sensação de rígido controle atrapalha, pois apesar das ações arriscadas dos personagens, a série não toma esse caminho. Tudo está perfeitamente montado para agradar todos os públicos, com famosos truques honestos de emocionar pela surpresa não tão surpreendente. Quase todo mundo se redime dando a chance de criar empatia pelas personagens, e os que não, de saída serviram apenas para representar a hipocrisia da tradicional família brasileira. A mensagem e o caráter histórico e informativo são importantes, mas um pouquinho de ambição dos criadores faria bem.
Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente funciona mais na chave da homenagem às vítimas de HIV/Aids e como protesto frente a omissão do Estado, do que por suas propriedades cinematográficas. Um descontrole controlado para emular urgência seria bem vindo, porém, direção e roteiro optaram por algo menos turbulento. A ausência de ousadia é compensada pelo tom livre e sem moralismos com que trata as subjetividades das pessoas LGBTQIA+, pela excelente atuação do elenco e a vivacidade da atmosfera queer para viver as alegrias e enfrentar as (muitas) tristezas. Máscaras de Oxigênio retoma um fato histórico pouco explorado pelo audiovisual brasileiro e aproveita para emocionar, homenagear, conscientizar e evidenciar a luta política das pessoas que viveram e vivem com HIV.

Nota: 4 /5

Deixe seu comentário

×
Cinemação

Já vai cinéfilo? Não perca nada, inscreva-se!

Receba as novidades e tudo sobre a sétima arte direto no seu e-mail.

    Não se preocupe, não gostamos de spam.