Crítica: Os Enforcados
Os Enforcados:
Direção: Fernando Coimbra
Roteiro: Fernando Coimbra
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2024
Elenco: Leandra Leal, Irandhir Santos, Ernani Moraes, Thiago Thomé, Augusto Madeira, Ricardo Bittencourt.
Sinopse: Regina e Valerio estão felizes no relacionamento e levam uma vida descontraída na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Mas desde a morte do pai de Valerio, o maior mafioso da cidade, eles procuram uma saída do ninho de vespas criminosas que é o negócio da família desta família.
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William Shakespeare é atemporal. Escrevendo suas obras entre os séculos XVI e XVII, o poeta e dramaturgo britânico virou uma grande personalidade no mundo da dramaturgia desde então. Não são poucas as peças ou filmes – até mesmo livros – que se inspiram em seus contos e relatos sobre uma outra época, sempre com um forte tom do absurdo.
No entanto, é esse absurdo que abraça uma narrativa sobre as tragédias humanas, cometidas desde por figuras de alta autoridade, como reis, rainhas e imperadores (“Rei Lear” e “Julio César”, por exemplo), até mesmo em reflexões sobre o amor impossível (“Romeu e Julieta”).
Mas o que isso tem a ver com “Os Enforcados”, novo filme do cineasta brasileiro Fernando Coimbra? Bom, o cineasta, também roteirista da produção, vai beber diretamente dessa fonte para construir sua história sobre a tragédia carioca. Para isso, “Hamlet” é claramente sua construção. Todos os elementos estão ali. Porém, se isso poderia soar meramente como uma grande referência e construção similar, denota quase uma ideia comparativa, em que essa trama, remetendo a uma antiga tragédia familiar de reinados, também esteja presente em nosso universo até hoje. E no Brasil. E no Rio de Janeiro.
Coimbra também coloca seus personagens sob uma amálgama da dramaturgia, do espetaculoso. Afinal, a história se passa com um casal principal: Valerio (Irandhir Santos) e Regina (Leandra Leal). Casados há algum tempo, eles se veem quebrados por conta do negócio de máquinas caça-níqueis administradas pelo homem – e advindas de seu pai. Para tentar mudar de vida, a mulher faz uma proposta: matar seu tio Linduarte (Stepan Nercessian) – em que se acredita ter sido responsável por matar o pai de Valerio – para controlar as atividades criminosas da família por completo. Podendo criar, assim, seu próprio império.
Os olhos da câmera em “Os Enforcados” são essencialmente por esses dois personagens. Basicamente, eles se transmutando justamente pela morte. Enquanto um observa isso como uma possibilidade de crescimento, de finalmente ser alguém fora das asas de outras pessoas, outro vive atormentado pela atitude do que foi feito. Como se esse mal ainda permanecesse cercando sua vida para sempre.
Aliás, essa construção por etapas é um caráter fundamental da direção aqui. Inicialmente, os cenários límpidos tomam conta, com planos sempre mais abertos, especialmente nos diálogos. Eles vão se aprofundando, com closes cada vez maiores, e abrindo apenas nas situações em que a imagem é fundamental para a construção narrativa cênica desses personagens. Um dos momentos que exemplificam isso é, próximo ao final, quando vemos o casal de lados opostos da escada, seguindo caminhos cada vez mais diferentes.
É interessante como Coimbra também fundamenta sua encenação através da violência. Esse elemento se transmuta na realidade carioca, nessa parte de terra sem lei da criminalidade, na qual controla até mesmo todas as ações da polícia. Não há espaço para respiros ou voltar atrás. Ou seja, se algo foi feito, é preciso seguir com essa espiral de violência que irá se abrir até o final.
Claro que há um caráter também estereotipado nisso, como nos personagens que compõem o jogo do bicho, por exemplo. Mas nada mais é que uma característica também absorvida do teatro, em que eles precisarão sempre chegar nos absurdos de si mesmos.
Talvez a grande questão de “Os Enforcados” seja não conseguir resolver parte de suas questões dramáticas. É como se a própria obra acreditasse que apenas por meio do absurdo tudo chegue até algum ponto. No entanto, há fundamentos anteriores sobre os muitos personagens na trama (a grande maioria que pouco aparece) que tiram o peso que o filme acredita ter para lidar com essas figuras.
Alguns dos que demonstram bem isso são a mãe de Regina, feita por Irene Ravache, e o advogado de Valerio, interpretado por Augusto Madeira. Ambos são figuras fundamentais para ideias eclodirem futuramente na cabeça dos dois protagonistas. No entanto, aparecem sempre como um toque, um pequeno momento, para justamente serem responsáveis por construir o clímax. Mas por que tiveram tais pensamentos ou atitudes? A explicação é o que menos importa e o efeito é o que realmente conta.
“Os Enforcados” acredita realmente em seus efeitos, em seus absurdos. Isso faz até sentido porque é também como o teatro se consolida. A teatralidade e a dramaturgia, todavia, dependem no cinema de um caráter móvel, visto que estamos lidando com uma câmera. Fernando Coimbra entende bem isso para lidar com seu universo trágico. Talvez não de maneira perfeita, mas o suficiente para ser lembrado como uma boa adaptação carioca de “Hamlet”.
Nota: 4 /5