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Crítica: A Avaliação

A Avaliação – Ficha Técnica
Direção:
 Fleur Fortune
Roteiro: Nell Garfath Cox, Dave Thomas, John Donnelly
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, 8 de setembro de 2024.
Elenco: Elizabeth Olsen, Indira Varma, Himesh Patel, Alicia Vikander, Suhayla Balli Al Soufi Del Diego, Angeline Padrón Filippova, Saida Fuentes.
Sinopse: Em um mundo devastado pelas mudanças climáticas, uma sociedade utópica otimiza a vida, incluindo avaliações de paternidade. Um casal bem-sucedido é examinado por um avaliador durante sete dias para determinar sua aptidão para ter filhos.

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A Avaliação (2024), filme que recentemente entrou no catálogo do Prime Vídeo, chama a atenção por seus atributos narrativos com algum potencial e pela ausência de nomes conhecidos nos bastidores. Com exceção do trio protagonista, mais ninguém, especialmente na direção, roteiro e coadjuvantes são conhecidos. Um filme pequeno, de poucos cenários e sustentado apenas na atuação de Alicia Vikander, Elizabeth Olsen e Himesh Patel, além da voz da assistente virtual por Indira Varma. Sem grandes campanhas de marketing e pouco burburinho em festivais, é uma adição de streaming que tem seu valor. 

Num futuro próximo sem datação específica, o casal Mia (Elizabeth Olsen) e Arryan (Himesh Patel), vivem numa casa hipermoderna. Ele trabalha na criação de animais tecnológicos hiperrealistas e ela com botânica. Ambos querem ter filhos, mas o cenário escasso exige uma avaliação do governo sobre a capacidade do casal em criar uma nova vida. Para saber se estão aptos, a avaliadora Virgínia (Alicia Vikander), passa sete dias ininterruptos morando na casa, acompanhando a rotina de forma invasiva. O que seria uma avaliação pelo direito de ter filhos, se transforma num cenário aterrorizante de perda de privacidade, um estado totalitário e sobre o papel do ser humano na terra. 

A premissa de A Avaliação é interessante. Um sci-fi em que as bases sociais que conhecemos já não existem e que o mais básico, a reprodução humana, é altamente controlada pelo Estado. Nada disso é novidade na vida cotidiana real, pois o controle populacional já foi experimentado no passado em alguns países. A diferença, é que o pesadelo do filme dirigido pela estreante em longas-metragens, a francesa Fleur Fortuné, extrapola o nível de avaliação promovida por uma agente estatal, que passa a vigiar o sexo do casal e no dia seguinte, agir como se fosse uma criança de 5 anos.

As razões de como aquela sociedade chegou nesse estado, só chegam na metade do filme. Na primeira hora, acompanhamos o casal tentando sobreviver a uma mulher adulta se comportando como uma criança, manipulando os afetos e testando o limite daquele casamento. O filme faz a contagem dos dias e, com o passar do tempo, a intensidade dos problemas, juntamente com o suspense em torno do propósito daquelas ações, criam algum interesse sobre os rumos da narrativa. O roteiro de Nell Garfath Cox e Dave Thomas é econômico na verborragia — dando pequenos detalhes a partir de diálogos comuns — e deixa para soltar a língua numa cena particularmente viciante que acontece durante um jantar surpresa. A cena é viciante mais pela capacidade da direção e da montagem em ditar o ritmo, do que o discurso expositivo de como aquelas pessoas chegaram na atual constituição social. 

Os roteiristas fazem apontamentos diversos ao longo da rodagem. O mais óbvio é sobre a maternidade e paternidade, mas pouco se aprofunda, o que pode ser justificado pela ideia do casal estar em choque com o que estão vivenciando; critica a ideia de uma sociedade superior — que foram os que sobraram, inclusive o casal — às custas da destruição do meio ambiente. Descobrimos também através do jantar, que naquele mundo, as pessoas encontraram uma forma de não morrer e que elas vivem isoladas, vigiadas pelo Estado e que há, depois de uma barreira, os exilados, pessoas que se rebelaram contra o sistema — não dava para salvar todo mundo — e que a mãe de Mia é uma exilada.

Todo esse debate, com exceção dos 10 minutos finais, se passa dentro da casa de Mia e Aaryan e na estufa que ela preserva do lado de fora. Mesmo com apontamentos interessantes feito pelos roteiristas e com a cartada do filme independente justificando as explicações faladas, não passa de boas intenções e estímulos limitados. O que sustenta toda a narrativa é, sem dúvida, a excelente atuação de Alicia Vikander. Não é algo sobrenatural, mas é no mínimo fascinante ver como ela se desdobra numa completa desestruturação infantil, ao mesmo tempo que parece uma pessoa adulta altamente perversa e manipuladora em favor dos próprios interesses e do Estado que representa.

Boa parte do manifesto qualitativo de Vikander, que conta com doses quase equivalentes de Elizabeth Olsen, é o bom domínio de cena da estreante Fleur Fortuné. É esperto e eficiente o suficiente para manter a tensão e angústia latentes pelas quase duas horas de filme. Fortuné tem longo histórico na direção de clipes musicais e alguns curtas, logo, a composição de quadros e o ritmo característicos dos videoclipes ficam evidentes. Às vezes são planos um pouco mais longos, com trucagens clássicas do estilo visual musical saltando a tela. É estiloso e esteticamente bonito, que com o passar do tempo fica sem sentido. 

A Avaliação é uma estreia interessante de diretora e roteiristas. Através do sci-fi, como sempre, inicia discussões sobre maternidade, controle de corpos e futuro da sociedade. Não vai muito longe além dos esboços, mas segura a ansiedade no que é possível. Perde chances de explorar o mundo exterior e, nos minutos finais, quase joga no lixo a tensão construída entre o casal, ao dar um fim chocante a certa personagem. Além disso, como se não quisesse deixar dúvidas, dá finais a todos os personagens, encerrando o suspense e fazendo o não visto ser mais instigante do que acabou de ser exibido. Fleur Fortuné é competente e teve a sorte de ter Alicia Vikander como ponto fundamental da atenção, além do carisma de Olsen e Himesh Patel. É um bom início de carreira, que carece de mais entendimento da linguagem de longas-metragens, mas cheio de estilo e intenção, conseguindo provocar curiosidade, ainda que seja meio vazio no final.

Nota: 3 /5

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