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Crítica: Tempo de Guerra

Tempo de Guerra – Ficha Técnica
Direção:
Alex Garland, Ray Mendoza 
Roteiro: Alex Garland, Ray Mendoza
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 17 de abril de 2025
Elenco: D’Pharaoh Woon-A-Tai, Will Poulter, Cosmo Jarvis, Joseph Quinn, Aaron Mackenzie, Alex Brockdorff, Finn Bennett, Evan Holtzman, Michael Gandolfini, Joe Macaulay, Laurie Duncan, Jake Lampert, Aaron Deakins, Henrique Zaga, Kit Connor, Noah Centineo.
Sinopse: Tempo de Guerra traz um retrato visceral da batalha de Ramadi, episódio da Guerra do Iraque que revive uma série de memórias e experiências vividas pelo codiretor Ray Mendonza, ex-fuzileiro naval do exército americano. No longa, um grupo de militares se encontra no meio de um fogo cruzado com tropas guerrilheiras iraquianas. Escondidos numa casa bem no centro da província ocupada pelas forças da Al Qaeda, os militares americanos vigiam as ruas em busca de seus inimigos, preparando-se para atacar a qualquer sinal de insurgência.

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A memória pode ser uma carta sagaz e incendiária para contar uma história comovente, especialmente se for usada como justificativa para não apreender um pouco mais de substância à narrativa. Esse parece ser o caso de Tempo de Guerra, novo filme do diretor e roteirista Alex Garland, em parceria com o novato Ray Mendoza. O novo filme de Garland, chega um ano após o lançamento de Guerra Civil, outro filme com exército estadunidense e com a palavra “guerra” no título. A diferença é que em Guerra Civil, acompanhamos uma batalha ficcional dentro do território norte-americano, e em Tempo de Guerra, o cenário é o Iraque em 2006, ou seja, uma das guerras estadunidenses mais controversas da história moderna.

Tempo de Guerra acompanha um esquadrão das Forças Especiais da Marinha, o alto escalão das Forças Armadas dos EUA, numa missão de vigilância aparentemente simples num bairro residencial de Bagdá, capital do Iraque. Na calada da noite, o pelotão invade uma casa fazendo de reféns os moradores, pois precisavam vigiar um grupo de insurgentes nas redondezas. A operação desanda quando, sem aviso prévio, apesar de movimentações estranhas, o esquadrão é atacado pelos rebeldes e ficam ilhados dentro da casa, sem possibilidades aparentes de resgate.

De saída, a primeira cena do filme de Garland e Mendoza, é o grupo extenso de soldados assistindo pela TV, as famosas aulas de exercícios matinais em que as curvas sensuais das instrutoras ficam em evidência. Os soldados estão babando na coreografia, junto com o ritmo dance pop da aula de funcional. Lembra vagamente, a apresentação das coelhinhas da playboy para os soldados americanos no Vietnã, na clássica cena de Apocalipse Now (1979), em que os soldados vão à loucura, com a diferença que em Tempo de Guerra é pela TV. Assim como no filme de Francis Coppola, a alegria temporária precede uma desgraça infinita — como se aquele cenário, em ambos os filmes, já não fosse desgraça o suficiente. 

Nos primeiros vinte e cinco minutos, acompanhamos a rotina vigilante de uma parte do pelotão que vimos na cena inicial. A partir dessa tensa calmaria somos apresentados aos personagens. Todos os novos rostinhos masculinos das promessas de Hollywood, inclusive alguns bem bonitinhos, estão no elenco. Com mais destaque, temos D’Pharaoh Woon-A-Tai (da excelente série Reservation Dogs), como Ray Mendoza — o filme é baseado nas memórias do co-diretor e co-roteirista Mendoza —; Will Poulter, como o líder Erik, que em certo momento entra em colapso mental; Kit Konnor como o novato Tommy; Joseph Quinn, como Sam, fazendo o papel do mutilado pela guerra. Completam o elenco, nomes como Charles Melton, Noah Centineo, Cosmo Jarvis, Michael Gandolfini, e o eterno coadjuvante, o brasileiro Henrique Zaga.

Mesmo com o talento de algumas carinhas simpáticas do vasto elenco, pouco há para fazer, além das poses de combate e armas em punho. Muito da carência artística que não favorece o brilho dos atores, é responsabilidade de Alex Garland e Ray Mendoza. Veterano da Guerra do Iraque, Mendoza trouxe a vívida angústia, desespero e o alto grau de violência para as páginas e telas do cinema, sendo esse um dos poucos méritos do filme. Os momentos de tensão e as tentativas de escapar da armadilha são bem estruturadas, porém, os recursos dramáticos acionados para intensificar o terror, são bregas e pobres, além de clichês. Abafar o som dos gritos e a audição dos afetados pelas rajadas de tiros e bombas, não são novos e se tornam chatos. Quando esses recursos são acionados, o filme começa a descer numa ribanceira sem chances de retorno. 

As possibilidades de desenvolver melhor o contexto e apontar críticas sobre a própria operação simplesmente não existem. Os tradutores iraquianos quase não são vistos, e quando são, obedecem o tropo clássico dos filmes estadunidenses que se passam no Oriente Médio e são descartados com a mesma simplicidade que apareceram. Em nenhum momento, vemos com clareza qual o rosto dos insurgentes iraquianos, nem da família feita de refém dentro da própria casa por forças estrangeiras. Insurgentes, a palavra, poderia ser substituída por guerrilha, visto que os iraquianos apenas lutavam para ter a soberania de seu país, pois, como se sabe, a invasão do Iraque nasceu de uma mentira mal contada e foi viabilizada com apoio de muita gente. 

Como se os estereótipos não fossem o suficiente, a única reação e chance de defesa dada aos iraquianos é a violência. Ignore o fato de aqueles soldados terem invadido a casa, quebrados paredes e ao saírem, terem largado desproporcionalmente destruição e rastros enormes de sangue. É tão cínico que, ao final, assim que os soldados conseguem escapar da emboscada, os moradores saem da casa em meio fumaças e escombros, e na cena seguinte, os guerrilheiros também saem das ruas, como se representassem o mesmo ideal. Como colher de chá, não seria tão ruim se o filme encerrasse sua jornada nesse ponto, mas os créditos homenageiam com carinho e respeito os soldados reais que lutaram numa guerra sem sentido. É óbvio que eles apenas seguiam ordens, mas ao transmutar essa relação para a ficção, a preguiça e a ausência de autocrítica ficam evidentes.

Tempo de Guerra não informa nada que outros filmes — inclusive mais competentes —,  já não tivessem abordado, e parece estar preocupado apenas em mostrar o ponto de vista dos soldados que sofreram e sofrem com consequências gravíssimas da guerra ao terror promovida pelo governo Bush. A dedicação em ser um filme anti-guerra, que consegue parcialmente, pois não escapa do espetáculo, fica misturado num emaranhado de situações angustiantes e deprimentes. Ao se apoiar exclusivamente nas memórias de um veterano, perde-se a chance de fazer uma provocação astuta sobre como aqueles soldados foram parar lá, especialmente depois de mais de 20 anos de uma guerra impopular. Alex Garland, o grande nome, visto que Mendoza é um iniciante, não faz nada além de ser funcional, provando mais uma vez que consegue ser extremamente blasé e até aborrecido, numa direção cheia de obviedades e pouquíssima inspiração. Utilizar as memórias para fazer cinema requer um mínimo de cuidado, interesse e crítica, coisas que Tempo de Guerra passa longe e parece não se importar.

Nota: 2 /5

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