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Crítica: Rita Lee: Mania de Você

Rita Lee: Mania de Você – Ficha Técnica
Direção:
 Guido Goldberg
Roteiro: Julián Troksberg, Guido Goldberg
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 8 de maio de 2025 (Max)
Elenco: Rita Lee, Roberto de Carvalho, Hebe Camargo, Walter Casagrande.
Sinopse: Rita Lee: Mania de Você conta com entrevistas e depoimentos exclusivos para apresentar um retrato familiar e íntimo de uma das mais celebradas artistas do Brasil. Antes de morrer, Rita Lee escreveu uma carta para seus três filhos e seu marido e parceiro criativo Roberto de Carvalho. A partir desse ponto de partida, e de outros documentos nunca antes revelados, o documentário celebra a vida e a carreira da irreverente, excêntrica e autêntica cantora e compositora com falas e materiais inéditos em imagem e vídeo de familiares, amigos, companheiros de ofício e outros grandes nomes da música brasileira.

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Rita Lee: Mania de Você chegou ao catálogo da Max no último dia 08 de maio, mesmo final de semana do dia das mães e data que completou dois anos de sua morte. O documentário de uma das maiores cantoras da vida musical brasileira, tenta fazer uma revisão da vida toda, passando pela sensível relação familiar e a vida dentro dos palcos e estúdios onde os hinos com que ela presenteou o povo brasileiro eram tocados. A maternidade ganha destaque importante, como se o objetivo do documentário fosse acompanhar a intimidade da família. Algo inédito e não revelado até o lançamento do documentário, é a carta de despedida que ela escreveu pouco antes de morrer, e que é lida pelos três filhos e o marido na frente das câmeras. É sem dúvida o ponto mais emocionante do filme, que tenta abordar uma vida gigante, e que foi gravado quatro semanas antes de Rita “voltar para casa”.

O documentário de apenas 80 minutos, começa com um áudio de Rita Lee contando o que seria a morte, numa compreensão fascinante e lúdica, como ela sempre demonstrou ser: “A morte não é um castigo, a morte é voltar para casa”. Sensível e emocionante, somos apresentados a uma vida completa, ou pelo menos esse parece ser o objetivo do diretor Guido Goldberg. É linear, sem solavancos e extremamente tradicional. Depoimentos atuais, áudios de Rita, imagens e vídeos de arquivos pessoais e públicos, ou seja, tudo que um documentário de estrutura clássica tende a ser. Obviamente isso não é um problema e se justifica por ser a forma mais segura de narrar uma história dessa magnitude, contudo, é um limitador. 

A maioria dos depoimentos são dos três filhos, Beto, Antônio e João Lee, e claro, do seu companheiro musical, amigo e marido, Roberto de Carvalho. Talvez uma das parcerias mais frutíferas da história da música brasileira, Roberto, que tocava com os Secos & Molhados, banda de Ney Matogrosso — que dá seu depoimento no documentário — se encontrariam por intermédio de Ney num jantar na casa de Rita. Desse encontro surge um amor avassalador, amor de almas, como citado por Roberto. Os encontros divinos são o ponto alto, com depoimentos de Gilberto Gil e os companheiros da banda Tutti Frutti. Gil, em determinado momento, assume um destaque importante quando ajuda a levantar novamente a carreira de Rita, uma vez que ela tinha sido presa pela Ditadura Militar (1964-1985), grávida de sete meses e sendo vista pela opinião pública, em função da falsa batida policial, como uma drogada e traficante. 

A parte das drogas ela nunca negou, inclusive tirou sarro numa de suas músicas mais interessantes, no famoso verso “diga não às drogas, mas seja educado, diga não, obrigado”, porém, traficante ela nunca foi. Falsas batidas policiais promovidas pela Ditadura eram comuns na casa de grandes artistas, como uma tentativa de desmoralizá-los frente ao público. Funcionou até não funcionar mais, inclusive a censura, assunto bem explorado com documentos do Arquivo Nacional. O documentário reserva um tempo relativamente considerável para falar da relação Rita-drogas. Passa rapidamente pela primeira e única overdose da cantora, na época do Tutti Frutti, e depois, já em meados dos anos 1980, sua relação com álcool e outros narcóticos, quando se afasta do casamento e se isola. Os depoimentos dos filhos e do marido, dão conta da dinâmica destrutiva que Rita conseguiu se enfiar, levada por acontecimentos íntimos, especialmente após a morte de uma das irmãs, do pai e da mãe. 

Tudo isso embalado pelas dezenas de hits que Rita emplacou ao longo da carreira. Um talento que transbordava com disposição, criatividade e alegria, encontrando na música uma forma de explorar temas tabus da sociedade brasileira. Ovelha Negra (1975), um hino para milhões de brasileiros, Mania de Você (1979), Lança Perfume (1980), Obrigado Não (1997), Erva Venenosa (2000), Amor e Sexo (2003), até Reza (2012), um dos últimos hits e seu último álbum. Esses sucessos e outros, como a cantora sempre fez questão de contar, foram consagrados por alguma alteração pelo uso de entorpecentes, que podem ser resumidos na frase icônica, “eu acho que as melhores músicas que eu fiz foi alterada, e as piores também”, dita algumas vezes em entrevistas diferentes, além de uma breve menção aos discos voadores e sua vontade de ser abduzida.

Mesmo essa relação sendo abordada com clareza e honestidade, outros pontos da carreira ficaram de fora. O documentário começa na relação com a banda Tutti Frutti, mas ignora a saída conturbada de Os Mutantes, banda de rock do movimento Tropicália nos anos 1960. Também não aborda sua passagem pelo programa Saia Justa no GNT, nem as inúmeras canções emblemáticas nas trilhas sonoras de novelas. A escolha de passar por toda carreira, mas especialmente a partir da relação com Roberto de Carvalho, deixa pontas soltas, entretanto, uma das primeiras cenas do documentário, são os filhos descobrindo a carta de despedida, quase como uma justificativa de manter a narrativa na intimidade. Funciona em partes, não funciona no todo.

Rita Lee: Mania de Você consegue a proeza de resumir a vida e obra da rainha brasileira do rock’n’roll de maneira competente e dinâmica, mesmo correndo quando não precisava. Deixa algumas coisas de lado, passa rápido por vários eventos que seriam interessantes ter profundidade e tenta entrar na intimidade da família Carvalho-Lee. As imagens de arquivo pessoal são interessantíssimas, especialmente ao ver o amor e o carinho compartilhado entre pais e filhos. A direção de Guido Goldberg tenta imprimir algum nível de especialidade no formato, mas é atropelado pela estrela que não cabe em formato algum, criando buracos nas décadas acompanhadas. Rita Lee: Mania de Você talvez possa ser resumido pela própria Rita, com a citação de seu epitáfio que aparece no final de seu livro Rita Lee: Uma Autobiografia lançado em 2016: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”.

Nota: 3 /5

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