Crítica (2): Homem com H - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica (2): Homem com H

Homem com H – Ficha Técnica
Direção:
 Esmir Filho
Roteiro: Esmir Filho
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 1º de maio de 2025
Elenco: Jesuíta Barbosa, Bruno Montaleone, Jullio Reis, Rômulo Braga, Hermila Guedes, Caroline Abras.
Sinopse: Cinebiografia do cantor Ney Matogrosso, que vai desde sua infância até sua vida adulta, com ênfase nas etapas diferentes de sua vida, incluindo seus relacionamentos. A jornada mostra como um rapaz de origem humilde conseguiu quebrar preconceitos e se tornar um dos maiores artistas do Brasil.

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Há rara beleza em uma cinebiografia que se debruça sobre a vida de alguém que ainda está entre nós. Nestes casos, sinto que o filme se torna a celebração de vida, de legado, que se enaltece, sim, mas não se finda. É realmente diferente. “Homem com H” é uma destas cinebiografias que têm a sorte de encontrar seu protagonista lúcido, atuando como fonte direta para a construção de um filme fiel às suas experiências e à sua alma cativa.

Se pudesse citar dois dos principais desafios de uma cinebiografia, diria que o recorte temporal e o estabelecimento dos principais eixos dramáticos — este último uma consequência do primeiro. É a partir dessas escolhas que se justificam as motivações dos personagens, aquilo que os move. Também têm como consequência inevitável a construção do tom de toda uma vida, sendo desafio do diretor transpor para a tela e, para a plateia, que pode conhecer ou não o biografado, a complexidade de uma história de muitos anos, erros e acertos.

Aqui, Esmir Filho se abstém de escolher um recorte temporal específico, prefere se manter mais abrangente, mas, em contrapartida, tenta estabelecer nortes dramáticos bem visíveis, o principal deles sendo a relação de Ney com o pai, um militar conservador e rígido. A dinâmica do relacionamento entre os dois na infância até a adolescência, repleta de abusos e violência, mas também perdão e afetos, irá dar contorno ao comportamento futuro de Ney como uma pessoa cuja aversão à autoridade, moralismo, caretice e tudo mais que o pai representava, se tornou uma marca.

Embora com ritmo atropelado, o início do filme, na Vila Militar e depois no exército (com direito à referência de Bom Trabalho), estabelece bem a importância do pai nesta história. Se, por um lado, as violências imprimiram uma marca indelével na vida de Ney, também foram responsáveis por lançá-lo ao mundo, empurrando-o cada vez mais em direção à arte. Outra relação tateada no início acelerado envolve a importância da natureza em sua vida.

As belas cenas entre as árvores exploram o lado mais místico, quase onírico, do protagonista com esse espaço, o seu lado mais bicho que homem. Vez ou outra, a selva e os sons da natureza invadem a tela, como delírios selvagens, quase um chamado divino. Entretanto, em dado momento, me parece que o filme e sua abrangência temporal difusa durante o desenvolvimento abrem mão de um aprofundamento maior dessas relações previamente estabelecidas para dar espaço a um novo e intenso capítulo de sua vida: seus amores.

A vida sexual e amorosa de Ney é uma grande parte de Homem Com H, com cenas de enorme sensibilidade. Aqui a fotografia abraça as cores do desejo, com mais uma ótima referência visual (dessa vez a Amor à Flor da Pele), carregadas de sensualidade e muito bem coreografadas. A liberdade que Esmir Filho capta é a de uma vida sem qualquer espaço para castidade ou pudor, vivida por um homem que não se rotula, tampouco se limita.

Existem momentos em que a decupagem limita o potencial dramático de algumas cenas e se assemelha a uma cinebiografia padrão, como a sequência em que Ney se emociona ao ouvir pela primeira vez a dupla do Secos & Molhados. Formalmente, Esmir parece transitar entre escolhas mais inventivas e outras bem mais protocolares, que beiram o desinteressante. Contudo, quando está prestes a se tornar mais do mesmo, vêm cenas inesquecíveis, como a da enorme sombra na parede, em uma cena que, devo admitir, se beneficia tanto de tesão quanto de comicidade, e talvez até mais que as que Baz Luhrmann constroi em Elvis — para citar uma cinebiografia recente de um sex symbol.

Jesuíta Barbosa, claro, é um verdadeiro acontecimento e uma grande parte do que faz o filme ter um saldo positivo. Apenas imagino o desafio de dar vida a alguém que existe e é tão popular, ainda mais quando este ainda vive para ver a si mesmo em tela, em outro corpo. O ator capta a alma dessa grande figura e sua corporalidade, desde os trejeitos marcantes até a voz calma, mas potente.

É uma boa experiência assistir a filmes como Homem Com H, cantar junto músicas que marcaram o Brasil e celebrar um legado ainda em vida. Talvez por essa razão a cena final seja tão arrebatadora, pois nos lembra que o biografado está aqui, ainda vivo e forte, sempre pronto para colocar sua banda (e sua grandiosidade) nas ruas.

Nota: 3,5 /5

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