Crítica: Black Mirror - Temporada 7 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: Black Mirror – Temporada 7

Ficha técnica – Black Mirror Temporada 7:
Criação: Charlie Brooker
Elenco: Cristin Milioti, Jesse Plemons, Siena Kelly, Emma Corrin, Issa Rae, Rody McEwen, Peter Capaldi, Will Poulter, Patsy Ferran, Paul Giamatti.
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2025 (15 de junho de 2023)
Sinopse: Uma série de antologias explora um mundo de alta tecnologia, onde as maiores inovações da humanidade e os instintos mais sombrios colidem.

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Instável e sem grandes novidades, a sétima temporada de Black Mirror que chegou à Netflix no último dia 10, reutiliza conceitos e histórias de tempos passados, para tentar encontrar alguma identificação depois do evidente cansaço do formato, ainda que a diversão, pelo menos em parte dos episódios, continue garantida. Charlie Brooker retorna como roteirista de todos os capítulos, com alguns colaboradores e, em linhas gerais, tudo se mantém exatamente como antes. Pode parecer reducionismo, mas a sétima temporada de Black Mirror tem gosto de nostalgia, não pela tecnologia retrô amplamente utilizada, e sim, pela saudade de episódios marcantes que a própria série faz questão de apontar.

Com seis episódios diferentes, por se tratar de uma antologia, cada um mantém um toque especial. O primeiro episódio, Common People, aposta no choque e na decomposição humana, algo altamente característico. Há pelo menos um episódio em todas as temporadas, em que o absurdo é tema central. Na sétima temporada, esse parece ter sido o escolhido. Há semelhanças com o primeiro episódio da segunda temporada, Be Right Back, em que uma pessoa é trazida de volta dos mortos – com ressalvas – e a degradação do ambiente familiar é vista a olhos nus. Em Common People há uma crítica morna e pouco elaborada ao capitalismo de entretenimento brutal e não passa disso.

O segundo episódio, Bête Noire, parece o mais perdido de todos, da narrativa a direção sem graça. Se assemelha com Playtest, segundo episódio da terceira temporada, mas obviamente, sem o gracejo deste. No final, parece que nem os próprios criadores entenderam direito aonde queriam chegar e simplesmente abandonaram o barco, mas o abandonaram quando ele já estava no fundo do rio. O terceiro episódio, Hotel Reverie, é uma clara reedição de San Jupeniro, quarto episódio da terceira temporada. A diferença brutal, é que San Jupeniro é estonteante, e Hotel Reverie é uma generalização fraca e desgastada sobre Inteligência Artificial, a Era de Ouro de Hollywood e as angústias de um romance queer. A crítica sobre todos esses aspectos abordados, outra vez, fica em segundo plano e parece inacabada. 

O quarto episódio, Plaything, é um prequel frágil do filme interativo Black Mirror: Bandersnatch (2018). Uma história paralela àquele universo, com atuação competente de Peter Capaldi, mas sem nada a dizer. Às vezes parece um substrato de uma teoria da conspiração da extrema-direita, ao mesmo tempo que brinca perversamente – tornando-o instigante – sobre a interconectividade e dependência humana e tecnológica. O sexto episódio, USS Callister: Into Infinity é também uma continuação direta dos eventos do primeiro episódio da quarta temporada, USS Callister. Expandido aquele universo, os meandros das big techs interativas ficam à mostra e a ironia da masculinidade, especialmente no meio dos jogos eletrônicos, têm sua crítica elevada com razoáveis doses de humor. 

Talvez o episódio “original” seja o quinto, que não encontra ecos em outros momentos. Eulogy explora o luto, as diversas versões de uma história dentro de um relacionamento, o amor perdido pela ausência de comunicação e a memória. A atuação do sempre brilhante Paul Giamatti traz a veracidade necessária, além da sensibilidade do roteiro de Charlie Brooker e Ella Road, que constroem um drama calcado no que há de mais humano e menos na tecnologia, sendo esta um complemento potencializador, pelo lado positivo, das complexas emoções. Brooker, desde a sexta temporada, tem se mostrado um hábil escritor e tradutor das fortes emoções, da autodestruição e perversidade à tristeza profunda. 

Não deixa de ser interessante o quanto Black Mirror, que até momentos atrás era vista como uma predição da simbiose entre tecnologia e emoções humanas, ficou num passado não muito distante. O mote da sétima temporada foi resgatar os melhores momentos dentre os quase trinta episódios até hoje, o que não funcionou e, o interessante da nova leva, é justamente aquele que pouco se assemelha com o que já foi visto antes. Eulogy traz as clássicas referências do universo, mas em nenhum momento se perde dentro delas, diferente de todos os outros, inclusive as duas continuações. Ao que parece, e essa é uma sensação constante nesta temporada, é que para se manter de pé, Black Mirror precisa evoluir para alguma outra coisa e não tentar retornar ao que foi.

O movimento de voltar ao passado, que não é isolado, acaba sendo frustrante, pois a série deixa de lado o que a fez ser um sucesso desde que seus direitos foram adquiridos pela Netflix. A quinta temporada foi feita às pressas e a sexta foi mal avaliada pelo público, por ter entregue algo menos vinculado à tecnologia e mais sobre o poder destrutivo da própria humanidade, independente dos avanços tecnológicos. Foi uma temporada pouco ajambrada, mas que carregava uma promessa de profundidade dos dilemas morais. No sétimo ano, tudo continua – ou tenta continuar – como era antes, mas com pouca qualidade e sem refino. O curioso, é que segundo agregadores de crítica e avaliação, o carinho do público parece ter retornado. 

Como mero exercício especulativo, talvez isso esteja ligado ao grande movimento do cinema e da TV de trazer sucessos do passado de volta às telas – referenciado em Hotel Reverie. Dos remakes infinitos da Disney, às novelas brasileiras, como a nova versão de Vale Tudo, o retorno ao passado, seja como nostalgia ou saudosismo, por algum motivo, faz a máquina capitalista girar. Esse movimento pode ser observado também na política, pelo menos desde a primeira eleição de Donald Trump e Jair Bolsonaro, por exemplo. As plataformas de governo de ambos e de todos os candidatos da extrema-direita, inclusive a europeia, é acender o saudosismo dos eleitores e inflamar um passado idealizado que nunca existiu, trazendo à tona cenários macabros que todos conhecemos.

Black Mirror, assim como boa parte do público em geral, parece sentir saudades de algo que até pode ter existido, mas ignora o tempo histórico da própria análise, impedindo a realização de algo novo ou a autocrítica. O risco ao fazer essa avaliação, baseada em algo que nem sempre corresponde com a realidade, é perder o equilíbrio no tênue fio que separa a nostalgia do saudosismo. Há um cansaço evidente na fórmula, que nem a diversão e a comédia macabra, típicas do humor britânico, conseguem sustentar. Quando acontece, perde força, pois toda e qualquer sutileza do texto é esmiuçada sem pudor, eliminando as escaladas geradoras de surpresa. A sétima temporada, apesar de momentos com algum vigor, não escapa do marasmo das reedições nostálgicas que estão em busca de uma audiência dispersa e pouco envolvida. Continuar na nostalgia até pode oferecer algo divertido, mas o gracejo e a desgraça tão características desta antologia, ficam perdidas na maçaroca infeliz da repetição e simbiose tecnológica.

Nota: 3 /5

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