Crítica: Solvente – XXI Fantaspoa
Solvente – Ficha Técnica
Direção: Johannes Grenzfurthner
Roteiro: Benjamin Roberts, Johannes Grenzfurthner
Nacionalidade e Lançamento: Áustria, 2024.
Elenco: Jon Gries, Aleksandra Cwen, Johannes Grenzfurthner, Roland Gratzer, Jasmin Hagendorfer.
Sinopse: Enquanto procura por documentos nazistas em uma casa, uma equipe de especialistas descobre um segredo oculto enterrado em suas profundezas. Gunner S. Holbrook, um expatriado americano, fica obcecado em resolver o mistério. À medida que sua sanidade se desgasta, ele precisa enfrentar um mal insaciável. Ele encontrará redenção antes que o mal consuma sua vida?
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Como falar sobre o nazifascismo e a extrema-direita? Para Johannes Grenzfurthner, da maneira mais grotesca que você puder.
Visceral e eletrizante, Solvente mistura o found footage e o gore e cria uma obra repugnante sobre o nazismo, o fascismo e a ascensão da extrema-direita no mundo. Ao longo de 88 minutos, que parecem muito mais graças a uma edição frenética e de execução (certamente) complexa, Grenzfurthner nos leva ao porão de uma farm house austríaca cujo dono, um ex-militar da Alemanha nazista, parece ainda assombrar.
De início, é um found footage tradicional: do lado de fora da casa, quatro especialistas se preparam para entrar e tentar encontrar documentos que poderiam ajudar famílias judias nos dias de hoje. O protagonista guia a câmera e tudo que vemos, do início ao fim do filme, segue o seu ponto de vista, mesmo que não o vejamos. A escolha pela subjetividade é a primeira que me atrai em Solvente, pois, complementada pela narração em off, é o que permite ao espectador uma imersão total com a crescente insanidade do personagem. Questionamos tudo que seus olhos veem, mas, ainda, somos incapazes de escapar desse olhar.
Como no found footage tradicional, o plano inicial acaba não dando muito certo para os personagens. Assim que encontram um cano na casa dos fundos, o qual aparenta estar amaldiçoado com a presença sobrenatural do antigo proprietário, a câmera também perde o controle de si mesma. Se antes algumas imagens já invadiam a tela sem permissão ou aviso, a partir de agora Grenzfurthner entrega nossa experiência para o caos, para uma abstração que só é possível pelos devaneios do narrador-protagonista.
Embora não siga uma linearidade convencional, construída da maneira como estamos acostumados no cinema comercial, está longe de ser classificado como um filme experimental ou mesmo de difícil compreensão; tampouco almeja isso. O diretor tem a intenção clara de que vejamos o nazifascismo como uma espécie de doença contagiosa e enlouquecedora, uma praga que não morreu com o fim da Alemanha hitlerista, ao contrário, continua muito viva nas ideologias políticas que hoje governam grandes potências mundiais.
O pênis, quase um personagem de Solvente, também é uma maneira particularmente repugnante, a considerar a forma como é retratado, de tecer comentários sobre o nazifascismo, a partir da reprodução de ideias de masculinidade que carregam consigo a convicção da superioridade do homem – em especial o homem branco – em relação às demais minorias. Ao final, é esse órgão através do qual a praga (também) se dissemina, necessitando de amputação imediata. Um ponto de vista psicanalítico, por que não?, social e político.
Há momentos em que a obra pode escorregar no seu discurso, como quando se refere ao Hamas e assim abre uma brecha para uma interpretação sionista, contudo, na maior parte do tempo, parece mais que Grenzfurthner regurgita o que existe de problemático sobre sua temática e tensões políticas atuais para o espectador, usando seus personagens para propor uma posterior análise crítica dos seus comportamentos, do que de fato endossa tal posicionamento.
Não há como negar, é uma experiência cansativa. Pelas tantas, os recursos que de início são instigantes, passam a perder a força dramática pela repetição excessiva e passamos a implorar para que aquela experiência agonizante acabe o mais rápido possível. Ainda que a sensação apareça, na maior parte do filme me senti provocada. Obras como essa me fazem refletir acerca da importância da estética quando falamos sobre temas tão brutais.
Em um cinema cada vez mais limpo, onde até o horror rejeita a sujeira, Solvente me lembrou a importância de tratar o sujo com sujeira, com ojeriza. Também me lembrou sobre como o cinema é, de fato, a arte de esculpir o tempo e que, quanto mais estímulos temos e mais grotescas as coisas ficam, mais difícil é se manter ali, dez minutos podem se tornar cinquenta — com o nazifascismo, as coisas realmente são por aí.
Nota: 3,5 /5