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Artigo

Crítica: Vitória

Vitória – Ficha técnica:
Direção: 
Andrucha Waddington
Roteiro:
 Paula Fiuza, Fábio Gusmão
Nacionalidade e Lançamento: 
Brasil, 2024.
Elenco: 
Fernanda Montenegro, Linn da Quebrada, Alan Rocha, Sacha Bali, Jeniffer Dias.
Sinopse: 
Vitória é uma senhora solitária que, aflita com a violência que passa a tomar conta da sua vizinhança e em conflito com os vizinhos, começa a filmar a movimentação de traficantes de drogas da janela de seu apartamento.

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De carona na marola das grandes ondas criadas por Ainda Estou Aqui, o penúltimo filme de Fernanda Montenegro é mais modesto que o vencedor do Oscar, em que pese algumas similaridades importantes: além de serem baseados em fatos e encontrarem-se nos bastidores (entre parcerias de trabalho e laços familiares), é notável que tanto Waddington quanto Salles parecem mais interessados no melodrama comercial que nos basilares aspectos sociopolíticos que desencadeiam os problemas vividos por ambas protagonistas.

Em Vitória, Fernanda interpreta Joana Zeferino da Paz, uma idosa moradora de Copacabana que decidiu tomar as rédeas de uma investigação perigosa a fim de desmontar a violência perpetrada pelo tráfico, que acompanhava direto do seu “quintal”. Indignada com a inércia do Estado em lidar com o problema, dona Nina, como era chamada, parcelou uma filmadora em dez vezes e passou a registrar tudo que via da sua janela – de assassinatos à corrupção.

A sua coragem a levou a estampar capas de jornais e a imensa operação que sucedeu foi responsável por mais de trinta prisões. Para sua segurança, Joana foi forçada a mudar de nome, nunca mais retornou ao Rio de Janeiro e morreu em 2023, bem antes de poder ver sua história em tela grande. No filme, como na vida, sua personagem segue a complexidade e, também, a ironia, da idosa cuja aparente fragilidade escondeu uma mulher forte e convicta daquilo que defendia.

Montenegro capta as nuances dessa personagem, saindo do humor para o drama em questão de minutos, sendo capaz de elevar todos aqueles que estão na sua órbita estelar. A direção aproveita o seu magnetismo e direciona todos os esforços para maximizar o potencial dramático contido naqueles olhos por nós tão conhecidos – em diversos primeiríssimos planos combinados a uma câmera inquieta, essencial para a urgência do tema e para a crônica da grande cidade que ali também é desenhada.

Contudo, é fato que, quando a atriz sai de cena, o filme cai. Os melhores momentos, de longe, são aqueles em que a direção explora de maneira hitchcockiana a relação entre a protagonista e a câmera, esse objeto de denúncia, evidenciando a perspectiva subjetiva do instrumento – como se dona Nina fosse uma segunda diretora deste filme. Ali existem proposições formais interessantes, com potencial para aprimorar o thriller e escancarar questões problemáticas do Brasil fora dos cartões-postais, e que realmente tinham a capacidade de aprofundar o que havia de mais cinematográfico (e especial) nessa história.

Outro grande momento e um aspecto que merece ser aplaudido nesse filme é a maneira como Vitória trabalha o som. Acredito que esse deve ser o principal motivo pelo qual o filme cresceu para mim. Por meio da audição, a obra propõe uma confusão entre os sons do trânsito e os sons do tráfico, desenhando uma crônica da grande cidade, borrando as linhas da invasão de privacidade e a ausência de sossego, existentes na tensão entre o interior versus o exterior do apartamento.

Todavia, infelizmente, o que por fim acontece em Vitória é o mais comum no cinema comercial brasileiro: Andrucha escolhe o caminho mais simplista. Faz a escolha por perseguir, inclusive, a tentadora estética comercial, envolta por clichês que não poderiam ser mais reducionistas ao ignorar, também, parte das questões sociopolíticas do tema apresentado. Nos melodramas comerciais brasileiros, nossas tensões sociais tendem a ser coadjuvantes em narrativas demasiado simplificadas que têm como objetivo final (e principal) massificar o público. 

Não é que a escolha feita não tenha seu próprio valor, mas é que se torna mais do mesmo. As proposições mais interessantes são diluídas em detrimento de uma abordagem mais palatável e o resultado é o que existe de mais inofensivo. Para os que tinham esperança de um Oscar (totalmente irreal, diga-se de passagem), é bom saber que Vitória não é nenhum Ainda Estou Aqui, mas eu estaria mentindo se dissesse que não é sempre um prazer ver Fernanda Montenegro em tela.

Nota: 3 /5

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