“Cristais de Sangue” e a importância da memória do audiovisual
Recebi a divulgação em um grupo de Whatsapp. Seria exibido na minha cidade o filme Cristais de Sangue, de 1974, da diretora Luna Alcalay. Eu não tinha muito conhecimento sobre ele, mas me interessei. É sempre importante prestigiar eventos culturais, ainda mais em cidades do interior.
O filme Cristais de Sangue foi gravado na pequena cidade de Mucugê (BA), na Chapada Diamantina, e teve seu lançamento em 1974. Depois de uma exibição comercial na época, o filme esteve presente em algumas mostras, até que se perdeu no início dos anos 2000. Segundo uma nota da Folha Ilustrada, o filme foi exibido em uma mostra da Cinemateca em 2004. Depois disso, ficou inacessível.
Foi o pesquisador Felipe Abramovictz que tomou a iniciativa de encontrar o filme para recuperá-lo e assim celebrar os 50 anos de lançamento do longa. Isso foi possível a partir da remasterização da cópia encontrada na Cinemateca, com verba da Lei Paulo Gustavo. Abramovictz também realizou o curta-metragem documentário chamado “Cristais de Sangue 1974-2024”, que foi exibido antes do filme, e que mostra o processo de restauro.
Foi também por meio da Lei Paulo Gustavo que o Cineclube Osvaldo de Oliveira, em Itu, realizou a exibição do filme.
Cinema marginal sobre o garimpo
Cristais de Sangue conta a história de um homem que chega na cidade de Mucugê à procura de seu pai e acaba se envolvendo com uma mulher que está presa em um casarão, onde era criada pelo padrasto, um “coronel” ligado ao garimpo, em função de uma maldição.
O filme é uma fantasia histórica e não se propõe a dar todas as respostas. Muitas das cenas foram filmadas no município com a população presente, circulando nas ruas. Cristais de Sangue não é um filme “fácil” e não segue uma cartilha sempre lógica ou sequencial.
A proposta da diretora Luna Alcalay é ser autoral, única e diruptiva, e ela consegue isso.
No bate-papo após o filme, Luna comentou sobre a exibição do filme realizada recentemente na cidade de Mucugê, 50 anos depois, ressaltando como algumas pessoas se viram na tela e se emocionaram.
Ver-se na tela é algo emocionante.
O que Cristais de Sangue também faz é comentar a história da cidade como local do garimpo de diamantes no século XIX, promovendo uma reflexão sobre a violência e as “maldições” da exploração das riquezas da terra.
O destaque do filme, como em pontuou Luna Alcalay na exibição, é a fotografia de Aloysio Raulino – o que também é contado nesta matéria do Opera Mundi. Segundo a diretora, ele foi um dos melhores fotógrafos do cinema brasileiro. De fato, as cores da cópia remasterizada estão impactantes.
A importância de olhar para a memória
Pode ser que nem todo mundo goste de Cristais de Sangue. Imagino que o filme não chegará a ocupar o mesmo espaço de alguns dos clássicos brasileiros da década de 1970.
Não importa.
O que importa é que o filme foi recuperado, graças aos mecanismos de investimento possibilitados pelas leis de apoio à cultura. Importa que uma obra dessas, que retrata uma importante leitura do Brasil e sua história, está sendo exibida e poderá chegar a mais pessoas. E o povo de Mucugê seguirá sendo visto.
Cada filme recuperado, cada obra de arte valorizada e cada pedaço da nossa história é uma joia a ser mantida no nosso baú de riquezas incalculáveis.
É para isso que devemos investir em cultura: para resistir, existir e contar nossas histórias.