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Crítica: Deadpool & Wolverine

Ficha técnica – Deadpool & Wolverine
Direção: Shawn Levy
Roteiro: Ryan Reynolds, Shawn Levy, Rhett Reese, Paul Wernick, Zeb Wells
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2024
Elenco: Ryan Reynolds, Hugh Jackman, Emma Corrin, Mattew Macfdyen.
Sinopse: Deadpool e Wolverine viajam pelo multiverso.

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Os dois primeiros Deadpool da finada Fox – agora propriedade da Disney – fizeram bastante sucesso por usarem o personagem como uma parodia metalinguística que ia comentar diretamente os próprios clichês e vícios dos filmes de super-herói com direito a violência explicita, piadas sexuais, humor besteirol, escrachado, palavrão, citações a celebridades e aos bastidores, o que na época foi visto por muita gente como algo “ousado” já que o cinema de super-herói opta por não entrar nesses espaços. Pessoalmente acho os dois Deadpool filmes fracos e não acho que fazer piadas de metalinguagem, ser uma parodia, fazer piada de pinto, ser violento ao extremo de um jeito estilizado e ter palavrão seja um mérito por si só. Pode ser e pode não ser variando de como o filme faz isso. Tanto o longa dirigido por Tim Miller quanto o de David Leitch são filmes que usam da autoconsciência declarada, do palavrão e dessa violência estilosa como muletas, não como algo criativo, pra esconderem o quanto são filmes genéricos na execução de tudo isso. Ele aponta de modo calculado e burocrático o fato de “ser um filme genérico” e os seus próprios defeitos pra se eximir que é um filme genérico e banal. Tem um problema muito grave que eu vejo nos filmes do Deadpool e na concepção do Ryan Reynolds – a principal força criativa por trás do personagem não só o interpretando, mas como produtor e roteirista – que é como as piadas e o sarcasmo do filme são esquemáticos e parecem meros truques para disfarçar as fraquezas e fragilidades dos filmes, o que acaba deixando tudo terrivelmente sem graça pra mim.

E não estou querendo dizer que eu quero que Deadpool seja “sério”, “profundo”, “complexo” ou “existencial”, ele pode ser só uma diversão paródica, um pastiche pastelão, bobalhão e ser muito bom. Como pode ser muito ruim também. Vai de como ele é executado. Existem comédias escrachadas, pastelonas e de todos os tipos de humor de vários níveis de qualidade. A gente tem desde os filmes do Mel Brooks e Apertem Os Cintos… O Piloto Sumiu até Os Espartalhões. Eu gosto do primeiro Todo Mundo Em Pânico por exemplo e alguns outros filmes dessa mesma franquia. Gosto de Não É Mais Um Besteirol Americano e Sem Dor, Sem Ganho do Michael Bay é praticamente uma sátira do ideal de “filme de macho” levada como uma comédia absurda, sombria, ultra caricata, boboca e eu amo o filme. O problema de Deadpool não é o que ele faz, é como ele faz, é que a piada fácil parece existir apenas pela piada fácil, apenas por si só e apenas para se fazer percepções óbvias sobre o universo ao redor dele (“olha só eu fui o Lanterna Verde naquele filme ruim”). O humor do filme é esquemático com alfinetadas sarcásticas e tiradas que parecem simplesmente jogadas de qualquer jeito e por isso me soam forçadas, marcadas e irritantes, enquanto os bons filmes de parodia ou os melhores filmes do tipo mesmo constroem essas piadas para potencializar uma elaboração de algo ou caracterizam elas de um jeito mais orgânico ou perspicaz passando de piada pra piada. 

Deadpool e Wolverine continua essa mesma pegada engessada de humor e que é comum como linguagem, mas consegue ser ainda pior que os anteriores porque os outros dois pelo menos eram mais auto–contidos pelo menos em aventuras com menos escala e mais pitorescas, o que não fazia deles bons filmes, mas traziam um certo frescor. Agora no novo filme o chefão Kevin Feige e a dona Disney autorizaram que o personagem continue com o sangue, a violência, o palavrão e o humor desbocado porque eles sabem que é o que atrai o público pra esse filme, mas obviamente temos esse Deadpool que está numa aventura de escala épica e com um senso de catarse pela mera catarse vazia, que são as marcas do MCU unidas ao Deadpool. A premissa do filme é fazer um “buddy movie” entre o Deadpool e o Wolverine vagando por um universo de super-heróis “abandonados” e o estranho é que um filme que se vende e quer ser todo baseado na dinâmica e na química entre o Ryan Reynolds e o Hugh Jackman mas ela aparece no filme de forma muito diluída mesmo sendo em teoria o ponto central dele. 

Eles se alfinetam toda hora, eles têm brigas e embates, mas a gente nunca se debruça de fato pela dinâmica de relacionamento do Wolverine e do Deadpool. Ela é só protocolar. Diferente do fantástico Debi e Lóide – outro “buddy movie” sobre uma viagem dos dois protagonistas – onde existe um comprometimento total na relação dos personagens para fazer humor e a ligação deles gera momentos emocionantes. Aqui o humor entre eles são essas tiradas básicas e as questões emotivas entre os personagens são obrigações burocráticas de roteiro. É muito triste como toda a trama do filme e toda a jornada dos personagens é uma série de grandes desculpas colocadas de qualquer modo para enfiar na tela do jeito mais jogado possível uma série de fanservices de participações especiais de outros super–heróis e figuras históricas desse mundo nerd dos anos 90 até hoje – principalmente da FOX mas não somente eles – dentro dessa aventura cômica de escala épica e isso vai poluindo totalmente a premissa do filme que é ser um “buddy movie” entre o Wolverine e o Deadpool, que vai sendo engolida por isso. Se Deadpool & Wolverine é um filme isolado, sem ligações diretas com os outros filmes do MCU e seus eventos, ele sofre o exato mesmo problema de sempre de não conseguir andar por conta própria por ser dominado pelos fanservices.

E esses fanservices são também os mais mecanizados possíveis e fica gritante como eles só existem para preencher uma catarse vazia de uma punheta nostálgica de nerds, e quando eu digo mecanizados eu quero dizer até em como são escritos e narrados como por exemplo um momento em que quatro personagens icônicos surgem e isso é elaborado de um modo tão descaradamente forçado para dar a deixa do público surtar com a mera aparição daquelas figuras, músicas no fundo e com as repetitivas tiradas e piscadelas autorreferentes e auto–conscientes que são completamente gratuitas, previsíveis e robóticas ficando completamente perdidas num excesso de piadas com deixas de humor irritantemente visíveis e artificias sem um timing cômico e que por isso vão se engolindo. Essas figuras que surgem em participações especiais são escritas e filmadas como nada mais que bonecos de cera que o filme usa para gerar essa nostalgia fácil e barata. E não acho que exista um problema no filme usar fanservice, apostar em nostalgia e por aí vai, X–Men 97 foi uma produção recente que usou de nostalgia e fanservice mas conseguiu usar isso a favor da sua construção, ir além disso e não se resumir a isso, o problema de Deadpool e Wolverine é ele se resumir a esses fatores de nostalgia burocrática.

O roteiro do Ryan Reynolds, do Shawn Levy e de outros deve ser um dos piores roteiros que eu já vi na minha vida porque ele não tem preocupação nenhuma em construir uma narrativa. As tramas com a Cassandra Nova e do multiverso são completamente jogadas das maneiras mais preguiçosas possíveis pra dentro do filme, sem nenhuma cuidado de como integrar aquilo na história, gerando os mesmos conflitos genéricos de sempre de filme de super–herói, só dando voltas por eles, mudando as motivações dos personagens e colocando do nada novas funções pra eles a seu bel–prazer sem nenhum desenvolvimento disso e com uma série de conveniências de roteiro preguiçosas ao extremo como o papel da Cassandra na maneira que o Deadpool e o Wolverine são transportados para um determinado lugar ao apresentar absolutamente do nada um elemento de facilidade de roteiro que não havia sido introduzido e que ela usa, apostando numa redenção repentina de uma personagem e logo em seguida nos momentos posteriores esquecendo completamente essa redação porque existe uma obrigatoriedade em se cumprir um papel de ameaça no clímax não importando o que o filme mostrou antes. 

E essa preguiça na dramaturgia deixa evidente como tudo no filme é apenas e somente uma desculpa para se fazer fanservices e ele não sai da mesmice ao lidar com o multiverso ou com a própria Marvel. Os diálogos usam de uma exposição ao extremo, didaticamente explicando tudo que acontece pro público e se aproveita de poder fazer citações para jogar explicações na tela usando outros filmes e outras séries do MCU (em algum momento o Deadpool disse “isso aconteceu no episódio não sei o que da temporada sei lá de Loki” e eu só revirei os olhos). De maneira cínica e oportunista o filme fala textualmente em piadas que faz exposições e explicações, dando a entender que isso “desculpa” o filme de fazer isso, autoriza ele de fazer isso e serve de escudo pra não ser criticado negativamente. O filme faz várias autocríticas sarcásticas e alfinetadas a situação Marvel, apontando seus fracassos e todos os problemas que são ditos sobre a MCU textualmente, críticas que são diga–se de passagem as mais manjadas possíveis, mas ele só faz isso como um truque cínico como se apontar os problemas “desculpasse” ou “aliviasse” o MCU de ter esses problemas porque ele é consciente disso então “está tudo bem ter esses problemas” seguindo a lógica do filme. E como se o próprio filme não fosse exatamente o que ele está apontando e parte desse problema todo. É a autocrítica vazia. 

A tal “celebração”, “homenagem” e “fechamento” da FOX e dos super–heróis do estúdio acaba sendo meramente superficial e cínica porque é só uma mera desculpa pra Disney auto–afirmar as marcas que a Marvel têm agora, afagarem o próprio ego das trajetórias do Kevin Feige e do Ryan Reynolds que passaram por esses filmes, fazerem um bait de nostalgia barato para as pessoas que cresceram com esses filmes se utilizando de personagens do passado de modo engraçadinho com piadas burocráticas e venderem uma imagem de bom mocismo “celebrando” um outro estúdio que eles devoraram se tornando um monopólio e lucrarem com isso (justamente a cena pós–créditos com direito a música emocionante de fundo é uma das coisas mais falsas e milimetricamente calculadas que eu já vi num filme). Do mesmo jeito que a explicação no começo do filme de quem é aquele Wolverine só serve para mostrar que o “legado de Logan (2017) não será afetado” e pra fazer a história andar, mas não impacta em nada no filme como construção em questão de personagem e de cinema.

E eu sei que todo blockbuster no final das contas quer o lucro, que tudo é pensado em prol das suas marcas, mas tem os que conseguem colocar isso em prol de uma narrativa e de uma construção que soe genuína tipo um Barbie da vida, e outros onde isso é totalmente jogado. Nesse caso aqui é tudo tão pueril, tão patético e tão cínico que a gente tem uma aparição de uma escalação de um filme cancelado que nunca chegou a ser feito só como auto–validação desse mundo de cultura nerd, um afago masturbatório a eles mesmo e é muito bizarro como uma lógica de nostalgia acaba validando qualquer coisa com o filme prestando homenagem a alguns filmes francamente ruins só porque parte do público cresceu com eles. Será que daqui uns anos a gente vai ver uma nostalgia por Thor: O Mundo Sombrio ou The Marvels só porque as pessoas viram esses filmes quando novas e cresceram com eles? Enfim, as coisas são engessadas, fugazes e banais, do mesmo jeito que é engessado o lado emotivo e afetuoso do filme em que os arcos, dramas e conflitos humanos da vida do Deadpool e do Wolverine parecem somente uma checklist de roteiro de cenas pontuais completamente piegas – com direito a montagens triste – que só estão lá para serem momentos mecânicos de “esquentar o coração” da plateia e cumprir a obrigação de “momentos emotivos”, mas acabam não tendo peso porque são todos sem desenvolvimento e novamente engessados, demonstrando a manipulação emocional apelativa. Inclusive numa cena pós–créditos. 

Guardiões da Galáxia, pra ficar num exemplo do próprio cinema de super-herói e da própria Marvel, são filmes baseados numa caracterização pop, estilosa, cheios de sarcasmo, alfinetas, comédia, muitas referências e batidas emotivas da relação entre grupo, mas todas as trocas de humor e os momentos comoventes adicionam as interações dos personagens, as suas dinâmicas e são feitos como parte de uma construção fluida daqueles personagens. As cenas de ação e o lado “cool” são realmente bem dirigidos, bem visualizados e bonitos esteticamente. Existe uma personalidade e uma voz autoral nesses filmes que constrói coisas nesses filmes e quer dizer coisas com eles. Eles são tudo que Deadpool não é. Do mesmo que em

“Superbad” – excelente filme – nós temos também uma comédia escrachada e desbocada, mas ela é construída de um modo genuíno e criativamente inteligente (porque os bons filmes idiotas são feitos de modo inteligente e não de modo idiota), e os momentos emotivos do filme são muito poderosos porque ele consegue dissecar a amizade entre os personagens do Michael Cera e do Jonah Hill no seu todo. 

Deadpool é o anti isso. Deadpool é o anti Superbad. O anti Guardiões da Galáxia. Nenhuma interação presente no filme entre os personagens é orgânica, é debruçada e só mesmo a Emma Corrin e o Mattew Macfadyen mandam bem porque são excelentes atores que abraçam o tom de palhaçada e caricatura do filme que estão e das figuras dos seus personagens. O Ryan Reynolds além de ser um ator canastrão, de carisma artificial e forçado, se revela mais uma vez um péssimo roteirista que sai jogando simplesmente qualquer ideia ruim e de sacadinha cínica sarcástica que tenha no papel sem se preocupar com como estruturar isso bem e pra piorar tudo o Shawn Levy é um péssimo diretor. O Levy fez uma carreira como pau–mandado de estúdio em filmes comerciais familiares, leves, genéricos e convencionais dos anos 2000 (O Grande Mentiroso, Doze É Demais, os filmes de Uma Noite no Museu, A Pantera Cor–de– Rosa, Recém Casados e afins) que passamos anos assistindo na televisão e por isso temos uma relação de carinho com os filmes independente da qualidade de fato deles. Alguns são divertidos, legais ou são icônicos pelo menos exclusivamente pelos atores carismáticos, as ideias de roteiro, as situações de roteiro e as premissas, mas se você botasse qualquer outro diretor padrão genérico de estúdio sairia a mesma coisa. Assim como outros dele são de fato só ruins (Os Estagiários, Uma Noite Fora de Série, Sete Dias Sem Fim e etc). Depois da queda de Hollywood dos filmes de médio orçamento, ele virou o produtor/diretor de episódios de Stranger Things que não tem nenhuma personalidade particular só repetindo o esquema de direção costumeiro da série (e que chamam atenção mais pela trama e situações do que qualquer coisa visualmente inteligente) e se tornou agora o pau–mandado do Ryan Reynolds em blockbusters de muito maior escala e valor de produção, o que evidencia ainda mais as limitações e deficiências dele como cineasta que tem chances de serem mais indiferentes em projetos de menor proporção nesse sentido. Ele acabou se tornando hoje um diretor requisitado pelo cinema comercial americano porque é justamente o tipo que eles mais amam: um cineasta genérico sem nenhuma personalidade ou domínio de linguagem que só prioriza uma preocupação comum de funcionalidade, não de criatividade, e que serve totalmente como um fantoche das vontades dos outros.

Os filmes do Levy apresentam uma abordagem descompromissada e leve, são colchas de retalhos de outros filmes blockbusters e tem um sentimento de “feel good movie” que engana uma simpatia ou um ar inofensivo, mas ele é apenas derivativo e sem nenhuma imaginação cinematográfica para fazer qualquer coisa interessante com o tom dos seus filmes, que são impregnados por cinismo e incompetência. Aqui ele aposta em algo entre uma emulação do estilo do James Gunn, o que ele já tinha feito em Free Guy/Adam Project e dos outros Deadpool. E nada funciona porque a organização dos planos do filme na decupagem e na montagem é bem ruim numa coordenação entre planos fechados nos atores, planos médios e alguns planos detalhes ou planos mais amplos em grau que não se conversam e são cortados subitamente sem que a gente sinta o impacto deles ou o impacto de alguns poucos planos holandeses que ele usa nos momentos da Cassandra Nova. Isso dá um aspecto truqueiro pro filme também formalmente, e quando ele não é assim, ele segue o padrão visual pasteurizado do MCU de iluminação neutra, paleta de cores neutralizada no seu colorido e essa estética protocolar de barro. Tem uma cena de ação no filme ao estilo Oldboy ou a cena do corredor de Guardiões da Galáxia 3 em quem você não entende quem são os personagens, não existe senso geográfico e de espaço, ele não sabe o que focar e a coreografia com acrobacias violentas e velozes assim como as escolhas do filme em se utilizar de músicas pops para causar um impacto artificial nas cenas acabam sendo só apelativas. É basicamente a mesma pegada do tipo de condução de Guardiões da Galáxia só que sem a imaginação e apuro do James Gunn como se estivéssemos vendo uma versão pasteurizada disso e estamos. É uma direção banal de estilo pelo estilo e a ação esvaziada num blockbuster que é só mais um blockbuster ruim, uma punheta de nerd, uma punheta do próprio mercado pra si mesmo e é tão ruim como os piores filmes da Marvel tendo os mesmos problemas recorrentes deles de pasteurização, mas como nesse caso temos um filme que usa artifícios e estímulos forçados para disfarçar isso ele vai ser poupado diferente de outros filmes do MCU. Porque o problema para grande parcela dos fãs da Marvel não é que os filmes sejam medíocres e ruins, é apenas que os seus desejos não sejam entregues de bandeja e isso Deadpool faz do jeito mais mal dirigido e escrito possível.

  • Nota
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