Crítica: Tijolo por Tijolo – Olhar de Cinema 2024
Ficha técnica – Tijolo por Tijolo
Direção: Victoria Alvares, Quentin Delaroche
Roteiro: Victoria Alvares, Quentin Delaroche
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, França, 2024 (Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba)
Sinopse: Acompanhamos Cris e sua família, moradores do Ibura, na periferia do Recife, que no início da pandemia de Covid-19 tiveram que abandonar sua casa devido ao risco de desabamento. Grávida do quarto filho e lutando por uma laqueadura, Cris trabalha como influenciadora digital enquanto a família reconstrói sua moradia. Abordando temas relevantes ao Brasil de hoje, como maternidade, empreendedorismo e direitos reprodutivos e à moradia, entremeados com momentos de leveza cotidiana, o filme ressalta o protagonismo coletivo que torna possível erguer as paredes de um lar, dia após dia.
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Tijolo por Tijolo é um documentário que nos apresenta Cris, moradora do Ibura, parte da periferia da cidade do Recife. Após descobrir que sua casa corre risco de desabamento, ela e sua família precisam reconstruí-la do zero. Em meio a pandemia e sem muito dinheiro para a empreitada, eles precisam ser criativos. Por isso, ela e o marido, Albert, começam uma carreira improvisada de influenciadores digitais. E no meio de tudo isso surge a gravidez inesperada. Sua quarta gestação. Sem desejar mais nenhuma gravidez, Cris vai ter que lutar para conseguir uma laqueadura, que só poderia ser feito caso seu parto fosse uma cesariana.
É impressionante que após a apresentação da protagonista e dos seus problemas, Tijolo por Tijolo quebre completamente a expectativa e ao invés do longa pesado e denso que parece que vai ser, nos entregue um filme tão cheio de vida e de alegria. Após uma abertura onde Cris está em um culto contando as dificuldades que passou ao ser obrigada a sair de sua casa, o tom do filme é imposto quando uma montagem de vídeos e fotografias da protagonista e sua família invadem a tela junto com uma música de priscila Sena, cantora de brega popular no Recife. E a montagem é exatamente um dos pontos centrais desse longa que nos aproxima da família que é retratada de uma forma que parece que somos parte daquela realidade. A trajetória deles emociona diversas vezes. Da mesma forma que o riso vem durante a projeção, as lágrimas também chegam.
Dirigido por Victória Alvaréz e Quentin Delaroche, o documentário consegue trazer leveza para as dificuldades da vida dos personagens, mas também não romantiza as dificuldades. Usando a construção da casa como pano de fundo, vai mostrar como é difícil a vida na periferia, principalmente quando se é uma mulher. Só que também vai retratar que existe alegria, mesmo em meio às agruras.
Cris é uma força da natureza e isso fica claro em poucos minutos de filme. E um dos maiores méritos do longa é permitir que não apenas ela, mas seu marido e seus filhos, possam ser o mais verdadeiros em frente às câmeras. Todos extremamente carismáticos, possuem tempo de tela. Inclusive um dos filhos, Caíque, recebeu um celular dos diretores para que pudesse gravar seu cotidiano. Junto ao que foi captado pelas câmeras dos cineastas, mais os vídeos e imagens das redes sociais, as gravações da criança também são colocadas no filme para compor o mosaico que é Tijolo por Tijolo.
Aqui, os diretores não estão propondo encenações. Os assuntos que aparecem em cena não são direcionados. A liberdade da família na tela é verdadeira. E isso cria uma conexão enorme com o público que assiste.
Quentin e Victória conheceram Cris e sua família em uma pesquisa para outro projeto. Acabaram se interessando pela sua história e aí o documentário nasceu. Fruto de uma convivência de quatro anos entre cineastas e a família de Cris. A proximidade que se criou entre todos acaba refletindo no que o público assiste. Apesar de não aparecerem muito em frente às câmeras, a dupla da direção também não se permite um afastamento daquela família para questionar o que quer que seja.
A visão que o filme propõe é através de Cris, sua luta feminista pelo direito de decidir pelo que acontece no seu próprio corpo, seu desejo de que mulheres possam se sentir belas independente de qualquer coisa.
Em um país onde a dor de quem é preto e periférico se transforma em entretenimento, é revigorante ver um documentário que apesar de não se propor a trazer inúmeras propostas de inovação formal, termina colocando a mulher preta e sua família em um espaço de exaltação. Da beleza, da felicidade, da vida!