Crítica: Furiosa: Uma Saga Mad Max
Furiosa: Uma Saga Mad Max – Ficha técnica:
Direção: George Miller
Roteiro: George Miller, Nico Lathouris
Nacionalidade e Lançamento: Austrália e Estados Unidos, 2024
Sinopse: Acompanhamos o passado trágico de Furiosa da sua infância até a juventude numa história de perda, violência, crescimento e vingança.
Elenco: Anya Taylor–Joy, Chris Hemsworth, Tom Burker.
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No filme anterior da universo Mad Max, “Mad Max: Estrada da Fúria”, temos uma narrativa imparável, onde a ação alimenta tudo o seu redor, o enredo e as suas relações. A perseguição é constante e a linha que ela segue é simples (uma jornada por um caminho e a volta inversa por esse deserto apocalítico acompanhada sempre de momentos de ação), mas no meio dessa ação pelos gestos e colocações dos personagens nessa adrenalina constante vemos suas nuances e mudanças. Em “Furiosa”, George Miller pega a coprotagonista do filme anterior e dá o papel de protagonista absoluta fazendo com que o filme todo gire em torno dela, do seu passado e da sua trajetória até o filme anterior.
Para isso o cineasta usa uma estrutura diferente: ele investe muito numa construção de mitologia daquele universo só de maneira nunca expositiva e sim nos detalhes de cena e acontecimentos. As piscadas para falas, acontecimentos e personagens do universo Mad Max não são nem forçadas e nem marcadas como um fan service, e sim são vistos como parte de uma passagem da personagem e da sua vida. Na construção de Furiosa como uma heroína numa jornada entre violência e violência entramos num filme, que diferente de “Estrada da Fúria”, é um filme de desenvolvimento de personagem e onde a adrenalina se constrói entre silêncios, destruições, violências, perseguições e explosões numa dicotomia entre confrontos de diálogos como o último embate entre Furiosa e o vilão interpretado por Chris Hemsworth e os confrontos físicos dos acontecimentos.
É um filme baseado numa mentalidade menos direta e muito mais calma onde, no meio da adrenalina, temos uma cena poética da jovem Furiosa cortando o seu cabelo para não atrair uma atenção masculina que poderia levar a um abuso, seu cabelo sendo perdido, caindo em cima do tronco de uma planta, e vemos em uma montagem do tempo acelerando, o verde crescendo em cima daquele cabelo e os anos passando. Toda a questão da “perda” que o filme fala é refletida visualmente. E no meio de todos esses respiros em que a humanidade da sua protagonista é colocada em primeiro plano para estabelecer quem ela é, Anya Taylor–Joy se insere muito bem nesse papel da vingadora silenciosa que tanto passeia entre o sofrimento, a raiva e o conforto de alguma relação afetiva que consegue desenvolver no meio desse mar de tormenta internalizado até explodir no seu último embate.
Diferente da composição de Charlize Theron, a Furiosa de Joy não é uma força da natureza hipnotizante que grita um brilho muito específico, ela é uma parte de um universo, ela é uma guia central que se soma com uma caracterização específica do que já conhecemos e do que nos é apresentado, algo muito mais como o Mel Gibson nos próprios filmes de Mad Max. Seu colega de cena, Chris Hemsworth, está ótimo numa chave diferente: expansiva, teatral, circense, verborrágico, naquela que talvez seja a maior caracterização da sua carreira como um tipo ao compor esse psicopata detestável. Mas no final das contas a maior estrela do filme é mesmo George Miller, que por mais que ele faça o filme que o filme seja mais cadenciado que o longa de 2015, ele ainda consegue que a experiencia seja extremamente imersiva, espetaculosa e fascinante pela sua inventividade selvagem da decupagem em criar planos, enquadramentos e movimentos de câmera que viajam constantemente por aquele mundo e por uma energia de trapézio, por aquelas estradas e por todos os meios de transporte possíveis, as fusões e a montagem acelerada, a câmera atravessando aqueles cenários majestosos e luminosos de cores fortes, berrantes, aquele deserto vibrante junto com a coreografia da ação, da extravagância cênica enlouquecida das cenas de ação frenéticas e a plasticidade belíssima de efeitos digitais de um CGI que é ainda mais radicalizado e perceptível na lógica menos realista no melhor dos sentidos porque isso estabelece ainda mais uma tomada ainda mais fantasiosa na construção mística desse mundo de violência, insanidade e devastação.
Miller não transcende como no seu filme anterior e, em certos momentos, sua necessidade de um investimento com a trama da sua personagem central faz com que pontualmente mais pareça que ele está dando voltas. Mas além de serem momentos pequenos, e mesmo que ele não chegue no patamar do filme anterior, ele ainda se mostra vital: um filme em que a linguagem cinematográfica pulsa, como deveriam ser a maior deles. Um blockbuster que não tem medo da linguagem, das cores, da invenção e da beleza.