Crítica: Bird - Festival de Cannes 2024 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: Bird – Festival de Cannes 2024

Bird – Ficha técnica:
Direção: Andrea Arnold
Roteiro: Andrea Arnold
Nacionalidade e Lançamento: Reino Unido, Estados Unidos, França, Alemanha, 2024 (Festival de Cannes)
Sinopse: Bailey vive com seu irmão Hunter e seu pai Bug, que os cria sozinho em um alojamento no norte de Kent. Bug não tem muito tempo para se dedicar a eles. Bailey procura atenção e aventura em outros lugares.
Elenco: Barry Keoghan, Franz Rogowski, James Nelson-Joyce, Sarah Beth Harber, Nykiya Adams, Frankie Box.

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Os filmes de Andrea Arnold sempre me emocionam primeiro pela sua liberdade, depois pelo seu olhar sobre o feminino e a juventude. Desde o primeiro curta que assisti da diretora, o vencedor do Oscar de melhor curta-metragem “WASP” de 2001, me vi encantada pela sua forma de retratar meninas e mulheres livre de qualquer julgamento, independentemente do quão controversas podem ser as situações vividas por estas.

Vejo em Arnold uma visão de mundo de vanguarda semelhante à de ícones como Helena Ignez; mulheres para as quais o etarismo não existe. Mulheres que compreendem que a idade é apenas um número e para as quais a curiosidade pelo mundo, pela arte e especialmente pelo cinema é sempre ávida. É claro que a provocação às interessa e é assim que suas obras se mantêm interessantes e contemporâneas.

“Bird” é uma dessas obras interessantes e contemporâneas de Arnold. Sua abordagem sobre uma jovem de doze anos que se torna amiga de um desconhecido doce e gentil é tão moderna quanto de uma diretora estreante, se não fosse a maestria de uma direção nitidamente experiente. Da trilha sonora pop que remete à American Honey (2016) ao casting com Barry Kheogan (ator que se tornou mais do que popular adolescentes desde que fez Saltburn de Emerald Fennel ano passado), a diretora parece entender o que a juventude quer, ao mesmo tempo que agrada uma vasta audiência com sua sensibilidade.

Dos aspectos mais interessantes deste coming of age, está a forma como Arnold parece prestar homenagem ao cinema e ao escapismo que este representa. Essencialmente, o filme se inicia com uma abordagem mais crua e documental, já conhecida no cinema da diretora. Câmera na mão, planos fechados, planos subjetivos e uma fotografia que aproveita a luz natural são alguns dos aspectos deste filme que o deixa mais próximo do cinema independente, de onde são as raízes de Andrea e o território o qual já conhecíamos ser o dela.

Contudo, a surpresa positiva de “Bird” está na mudança radical da abordagem do filme no seu último terço, onde pela primeira vez em sua filmografia a diretora traz para o seu cinema sempre tão realista, um pouco do cinema fantástico. A metáfora para retratar o processo de amadurecimento frente aos sentimentos de abandono e solidão vividos pela protagonista, é retratada no filme através de uma espécie de anjo Damiel de “Asas do Desejo” (1987): o personagem “Bird”, o título do filme.

Interpretado por Franz Rogowski, Bird aparece pela primeira vez na trama de forma enigmática, mas logo cativa a protagonista ao expor seu objetivo de encontrar os pais. Em que pese este interaja com pelo menos todos os personagens do filme, o modo como Bird encara a cidade, e a humanidade, do topo dos prédios é sempre reforçada pela câmera de um ponto de vista sobrenatural – como um ser que parece existir em seu próprio mundo.

“Bird” é uma forma que Bailey encontrou de lidar com a vida e aceitar, logo antes, a iminente cerimônia de casamento do pai junto à mudança de paradigma que é deixar de ser criança e tornar-se adolescente. É como se Andrea Arnold quisesse mesmo dizer para todos algo sobre essa fase da vida: “don’t worry, be happy”(não se preocupe, seja feliz). Todos nós passamos por isso e é preciso lembrar que ainda que os tempos estejam difíceis, e tudo nessa fase pareça o fim do mundo, é sempre possível voltar a sorrir.

Por essa razão, dentre os trabalhos de Arnold, este é com certeza o mais otimista de todos. É o tipo de filme que deixa o coração feliz depois de sair de uma sessão. Para quem sempre teve um tom mais pessimista em sua abordagem, “Bird” é um sopro de alívio e uma demonstração clara, também, de que a diretora não está a fim de sair da zona de conforto em seus trabalhos tão cedo. Um pouco daquilo que dividi no começo do texto. É provável que o filme vença pelo menos uma das categorias do Festival no próximo sábado, não temos como ter certeza de nada, mas se acontecer esta seria facilmente uma das minhas escolhas preferidas.

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