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Eu Cinéfilo #69: Ainda faz sentido acompanhar o Oscar?

Nos últimos anos temos testemunhado o declínio daquela que era a maior premiação do entretenimento norte-americano, o Oscar. Em seu auge, a cerimônia de entrega de prêmios foi o ano de 1998, quando 57 milhões de pessoas – somente nos Estados Unidos – acompanharam o fenômeno Titanic varrer a noite, levando para casa 12 das 14 estátuas a que concorria. Contudo, desde 2014 o evento não é capaz de registrar uma audiência superior a 40 milhões de espectadores nos EUA; no último ano, 2023, a audiência cresceu 13% em relação ao ano anterior, registrando assim a terceira pior audiência de sua história.

Algumas perguntas podem surgir neste momento, como por exemplo: O que causou a repentina e crescente queda na audiência? Quem são os culpados pela perda de interesse do telespectador: o formato televisivo batido, a falta de representatividade entre os indicados ou a própria indústria que insiste em filmes pouco empolgantes? E, por fim, o que essa queda significaria, seria este o fim do cinema?

A verdade é que este artigo não se propõe a responder a qualquer uma das perguntas listadas acima, ainda que a reflexão a respeito delas tenha seu valor. Meu objetivo hoje é discorrer acerca de outro tema: Nesse momento de decadência da premiação, ainda faz sentido acompanhar o Oscar?

1. O espetáculo 

Em primeiro lugar, temos de desmitificar o que a indústria cultural norte-americana fala a respeito da premiação e o que ela de fato é. Ainda que o Oscar possa ser definido como a maior premiação do cinema no mundo, não podemos de modo algum pensá-lo como a maior premiação de cinema mundial.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organização responsável pela premiação, foi fundada em 1927 por 36 líderes da indústria fílmica dos Estados Unidos com o intuito de mediar as disputas trabalhistas, promover a harmonia na produção do cinema, além de objetivar melhorar a imagem que o grande público tinha da própria indústria. A premiação surge em 1929. em 1937 a Academia finda suas atividades na área de mediação trabalhista.

É notória a preocupação da Academia em promover a indústria cinematográfica, mas somente no que diz respeito à indústria anglófona e mesmo este sentido está restrito ao eixo EUA-Reino Unido, tendo Hollywood a primazia. Isto pode ser facilmente constatado pelo fato de que em quase 100 anos de premiação, o primeiro e único filme de língua não inglesa a arrebatar a estatueta foi o filme-fenômeno Parasita (2019), dirigido por Bong Joon-ho, em 2020.

É claro, esta vitória pode ser relacionada à mudança de rumo tomada tanto pela Academia quanto pela indústria cultural norte-americana como um todo. Nos últimos anos um esforço grandioso tem sido empreendido para tornar os eventos-premiação mais representativos. Claro, isso em certa medida está alinhado aos tempos em que vivemos, onde o público põe em xeque o modelo hollywoodiano centenário que devota quase toda sua atenção à narrativas protagonizadas por pessoas brancas e seus dramas de classe média, reconhecendo por meio de suas estatuetas majoritariamente as outras pessoas brancas envolvidas no processo de criação desses filmes – principalmente os homens, como você já sabe.

O primeiro ator negro a ganhar a estatueta de Melhor Ator foi Sidney Poitier, em 1963; o segundo a levar na mesma categoria foi Denzel Washington em 2001. A Academia levou míseros 72 anos para premiar uma mulher negra na categoria de Melhor Atriz, também em 2001, quando Halle Barry – desde então, nenhuma outra atriz negra teve o mesmo êxito. Já na categoria de Melhor Diretor apenas 6 indicados, 5 dos quais foram indicados nos últimos 15 anos. Nenhum diretor negro teve seu trabalho reconhecido como digno de uma estatueta nos últimos 90 anos – enquanto isso, a medíocre dupla de Daniels (Kwan e Scheinert), responsáveis por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, pode admirar as estatuetas recebidas no ano passado com grande satisfação.

Como disse, creio que em parte este movimento de maior representativa nas premiações se dá por uma pequena mudança na mentalidade ocidental que reflete um pouco mais a cada ano a respeito de pautas identitárias e afirmativas. Contudo, creio que em parte este movimento se dá por puro pragmatismo mercadológico. O Oscar, além de um jantar de gala em que trabalhos são reconhecidos e premiados, é um evento midiático transmitido ao vivo para todo o mundo. Ao incorporar novos rostos, gêneros, faixas etárias à seu hall de votantes, a Academia procura tornar sua premiação mais apelativa para o grande público. A ideia implícita é de que os novos indicados atrairão a audiência daqueles que não se viam representados até então pela premiação.

Não quero pintar os idosos da Academia como caricaturas de grandes vilões capitalistas objetivando dominar o mundo através da indústria cultural, nem transformá-los em símbolos de pessoas que genuinamente se importam com causas identitárias, sem levar em consideração o lucro que os marginalizados podem trazer por meio de sua atenção aos filmes e à premiação.

Por fim, gostaria de frisar mais uma vez de maneira sucinta: O Oscar é um espetáculo midiático com ambições econômicas que celebra o cinema de fala inglesa, especialmente a indústria de Hollywood.

2. O prêmio

A respeito do prêmio propriamente dito: Como se chega à conclusão quem merece ganhar o Oscar de Melhor Qualquer-Coisa? Como alguém ou um filme se qualifica como o vencedor em detrimento de seus competidores?

Enquanto escrevo esse texto meu time de futebol está jogando contra o grande rival da cidade. A partida está no intervalo e meu time abriu o placar, tendo levado para o vestiário a vantagem e a vitória parcial. Ninguém sabe como terminará o placar do jogo, mas é simples descobrir o vencedor quando o juiz der o apito final. Numa partida de futebol o vencedor é aquele que ao término tiver marcado o maior número de gols em detrimento de seu adversário. Assim, se num confronto direto o Ipiranga faz um gol e o Inter de Limeira não faz gol, o vencedor é claramente o Ipiranga – não restaria dúvida quanto a isso. Isso se dá em qualquer competição esportiva, respeitando sua lógica interna. Numa corrida ganha o mais rápido; no basquete, aquele que marca mais pontos; no vôlei quem ganha mais sets e assim por diante. Todavia, qual critério se observa para definir quem é ganhador e quem é perdedor numa competição artística?

O conceito de competição artística não faz qualquer sentido pelo simples motivo de que qualquer critério utilizado numa disputa deste gênero é meramente subjetiva. Não há critério formal que diga que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é qualitativamente melhor que Os Fabelmans, com quem concorreu na categoria de Melhor Filme. Prometo não citá-lo como exemplo negativo daqui em diante, mas acho que o ponto já ficou claro. Para citarmos uma figura controversa da indústria norte-americana, para dizer o mínimo, Woody Allen é muito preciso ao dizer que “é quase impossível julgar a arte, é algo tão subjetivo que você não pode simplesmente dizer ‘bem, essa performance é melhor que aquela’ ou ‘esse texto é melhor que aquele’, se você cai na armadilha de confiar em outras pessoas, independentemente de quão boas elas sejam, para te dizer se você é bom de alguma forma, você passará – consciente ou inconscientemente – a produzir para aquele grupo”. O diretor, que já foi premiado diversas vezes ao longo das últimas 5 décadas, compareceu ao evento uma única vez, em 2002, para agradecer ao apoio que as figuras da indústria deram à sua cidade natal, Nova Iorque, após o atentado de 11 de Setembro.

Ainda que o considere muito pessimista em relação à indústria cultural, sendo incapaz de reconhecer suas potencialidades positivas, vale a pena mencionar o sociólogo Theodor Adorno. Segundo o pensador alemão, o trabalho do crítico cultural – e aqui aplico o termo tanto à Academia, como a seus membros – é dar às suas opiniões o caráter de algo técnico e objetivo, como se o que dissesse fosse a verdade a respeito daquele objeto a respeito do qual fala. Os críticos têm um trabalho muito importante, válido e digno de nota, mas não compete a ele dizer o valor de uma obra de arte em detrimento de outra, em comparação a outra.

Lembremos sempre que a votação também é afetada pelas campanhas massivas de marketing realizadas pelas produtoras para que seus filmes, diretores, atores, autores e produção técnica sejam reconhecidos e com isso os estúdios possam lucrar mais e mais nos seus próximos lançamentos, fazendo a máquina de dinheiro continuar a girar. Esse tipo de envolvimento promíscuo entre votantes e competidores torna-se vez por outra objeto de escândalo – este tipo de escândalo fez a reputação do Globo de Ouro vir a baixo nos últimos anos. Há quem diga que a simples presença do cachorro Messi, do filme Anatomia de Uma Queda, pode vir a influenciar os votantes em suas decisões, privilegiando o indicado francês. O cachorro foi impedido de comparecer à premiação deste ano.

O que se julga costumeiramente nessas premiações não é o valor artístico dos filmes e de seus realizadores, mas a campanha dos estúdios para que esses filmes sejam indicados e saiam vencedores. E quando se julga o valor artístico dos filmes independente de suas campanhas, não é possível dizer o que se julga de fato, uma vez que não existe critério objetivo para esse tipo de competição.

3. Afinal, vale a pena acompanhar o Oscar?

Se você acompanhou meu raciocínio até aqui, é provável que você já imagine qual seja a minha resposta. Sinto se te decepciono ao dizer que, sim, talvez ainda valha a pena acompanhar o Oscar. Posso dizer que eu acompanho a premiação desde 2015, embora não acompanhe tanto o evento. Não uso do Oscar para saber qual é o melhor filme do ano, mas penso nas listas de indicados como um serviço de curadoria em que posso ver um pouco do que tem sido feito de interessante no cinema norte-americano ao longo do último ano. Alguns filmes são surpreendentemente bons e eu não teria tomado conhecimento, nem me disposto a ver, se não fosse pelo prêmio. Eu não teria assistido Selma, Whiplash, Brooklyn, A Qualquer Custo, Corra! – isto para ficar em alguns exemplos dos últimos anos. Acho que a parte menos importante da temporada é a noite de premiação, cada vez mais marcada pelos escândalos negativos que pelos coroados da noite.

No fim, o que realmente importa é manter viva a paixão pelo cinema, não o desejo mórbido por prêmios vazios de significado e cada vez menos relevantes.

Texto escrito por:

Wallace Costa

[email protected]

@walle914

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