“You Are What You Watch”: o livro sobre o poder do cinema
Já faz praticamente três meses. Eu estava lendo o artigo “Não aguento mais consumir cultura”, do Eduardo Fernandes, em sua newsletter Texto Sobre Tela. No texto, ele cita um podcast com o jornalista Walt Hickey, falando sobre o livro recém-lançado. Curioso, especialmente após ouvir o podcast, fui verificar a possibilidade de ler o livro e decidi comprar sua versão para e-book.
Editor de dados e análises do portal Insider, Walt Hickey é vencedor do prêmio Pulitzer e de destaca como analista de dados dos mais diversos setores.
O livro se chama “You Are What You Watch: How Movies and TV Affect Everything”. Em português, poderia ser traduzido para: “Você é o que você assiste: como o cinema e a TV afetam tudo”. Eu estava interessado em entender mais desse poder que os filmes têm em criar tendências, gerar novos comportamentos, entre outras coisas. E o livro trata disso, mas também vai além.
Os capítulos iniciais são muito interessantes. Com um texto direto e tipicamente jornalístico, Hickey faz reflexões e traz dados muito interessantes no começo.
“Se a cultura pop não nos faz ser quem somos, certamente ela nos ensina a desejarmos ser algo que podemos nos tornar”.
Um cálculo interessante apresentado pelo livro tem relação com o tempo que passamos consumindo filmes e TV. A média desse consumo, nos Estados Unidos, é de 3 horas e 22 minutos por dia. Segundo os cálculos apresentados, com um tempo desse, uma pessoa passa pouco mais de 20% do tempo de vida na Terra apenas consumindo audiovisual. Alguns devem passar mais tempo que isso!
Em “You Are What You Watch”, as análises vão para todos os lados no sentido de mostrar o poder do consumo de cultura, com foco nas séries e filmes, mas também indo para outras fontes, como os livros.
Hickey apresenta em algumas tabelas e gráficos que analisam questões como, por exemplo, o aumento da adoção de Dálmatas após o relançamento de 101 Dálmatas, da Disney, bem como o aumento da procura por aulas de arco e flecha com o fenômeno “Jogos Vorazes”. Mais do que isso, o esporte teve uma mudança de gênero: se antes era um esporte essencialmente masculino, ganhou jovens mulheres como principais interessadas na prática.
Muitos dos gráficos mostrados no livro são, infelizmente, difíceis de ler por meio do Kindle, o que me faz imaginar que a leitura do livro impresso deve ser bem melhor. Alguns infográficos são basicamente análises “nerds” que o jornalista fez de informações no IMDB, como a avaliação de “filmes em que Nova York foi destruída de acordo com o que a destruiu”, avaliando a quantidade de produções em que a cidade é atacada por monstros, robôs, aliens e até mesmo por ações geológicas. Outro infográfico com dados do IMDB avalia a média de dinheiro que os personagens de filmes de assalto adquiriram em seus roubos fictícios (o contexto da análise é basicamente a avaliação de como o público lida com personagens que agem contra a lei mediante alguma justificativa do roteiro capaz de gerar conexão entre o público e os personagens).
Mas o livro também se demora em questões como as mudanças que um filme é capaz de fazer no corpo das pessoas – em especial os viscerais filmes de terror. Preocupado em ter diversos dados e informações, o autor chegou a realizar experimentos com amigos em que media a quantidade de CO2 no sangue enquanto estes viam os filmes. Sem grupos de controle ou o comando de especialistas, no entanto, não podemos dizer que se trata de pesquisa científica, mas sabemos que os americanos adoram esses experimentos com ares de pesquisa. E tudo bem: nem é o propósito do livro apresentar algo definitivo, senão apenas reflexões contundentes do poder do audiovisual.
“Pensamos muito sobre o que comemos, bebemos e fumamos, e como isso tudo afeta nossos corpos, mas o que consumimos com nossos olhos e ouvidos pode ter os mesmos efeitos psicológicos daquilo que colocamos em nossas bocas”.
No fim, “You Are What You Watch: How Movies and TV Affect Everything” fala de temas muito interessantes, mas também se demora em análises que apenas enchem as páginas com repetições de conceitos sobre personagens, roteiros e fatores já conhecidos na indústria de Hollywood – muitas coisas não são novidade para qualquer um que já tenha lido qualquer outro livro ou acompanhe artigos sobre cinema.
Quando começa a se tornar enfadonho, o livro ganha elementos interessantes sobre questões que envolvem o chamado soft power (embora não use esse termo), tratando de temas interessantes relacionados ao poder dos países, e chegando a explicar alguns pormenores da história de Miky Lee (Mi-gyeong Lee), a produtora sul-coreana que gerou ainda mais lucros ao investir sua herança da tecnologia na música e no cinema, chegando a ganhar o Oscar por ter produzido o filme Parasita. É neste momento que Hickey cita as novelas brasileiras: segundo ele, o período em que as novelas passaram a ser exibidas em todo o território nacional, houve uma mudança na média de filhos das famílias, já que as populações rurais mais pobres passaram a se espelhar na realidade das famílias abastadas que eram mostradas na TV.
Mas é claro que Walt Hickey não resiste e passa páginas e mais páginas falando sobre temas transversais ao assunto principal, como a história do WWE (World Wrestling Entertainment). No fim, ele faz isso apenas para refletir sobre o poder das histórias, capazes de fazer com que o público goste de “lutas exageradas”, além de refletir sobre o crescimento da modalidade de entretenimento, que foi de algo amador para um setor lucrativo.
O livro de Walt Hickey tem curiosidades importantes e reflexões necessárias para todos que desejam entender melhor o poder da cultura pop, do audiovisual e do cinema, bem como da cultura como um todo. No entanto, poderia ser muito mais sucinto, com menos análises óbvias e, por consequência, uma leitura bem mais fluida.
“O fato de que seus efeitos tendem a ser positivos ilustra como o entretenimento é inato e fundamentalmente importante, e como as histórias que contamos refletem o cerne do que somos como sociedade, bem como nossas conquistas e ambições como espécie”.