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Crítica: A Mulher da Luz Própria

A Mulher da Luz Própria
Direção: Sinai Sganzerla
Roteiro: Sinai Sganzerla
Elenco: Erenice Lohan, Helena Ignez.
Sinopse: Documentário sobre Helena Ignez, uma das personalidades principais do cinema brasileiro. A atriz e diretora levou a atuação a um novo estilo e agora dirige filmes independentes.

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Antes de ir ao Festival Internacional de Mulheres no Cinema, claro que já tinha ouvido falar de Helena Ignez. Já havia me deparado com seu nome algumas vezes esse ano, a primeira com O Bandido da Luz Vermelha, a segunda com O Padre e a Moça. Sua presença, muito além do seu olhar estonteante e sua atuação com a boca, me fizeram atribuir uma importância à sua imagem, musa do Cinema Novo, musa do Cinema Marginal.

Contudo, apenas durante Alegria É a Prova dos Nove e a roda de conversa que sucedeu a exibição de A Mulher da Luz Própria no CineSesc que pude compreender a dimensão da força da natureza que Ignez é. A atriz experimental, um monstro multifacetado. Sinai Sganzerla, claro, já sabia disso desde quando nasceu. Filha de Helena e Rogério Sganzerla, Sinai tem um pé natural no Cinema e decidiu fazer deste documentário uma homenagem à mãe que penso eu, em breve, se tornará um documento importantíssimo na história do cinema sobre a vida e carreira de uma das mais brilhantes mentes que já produzimos.

Ao contrário do outro documentário presente na seleção e que foi exibido no FIM Cine com o mesmo viés, Jane Por Charlotte, A Mulher da Luz Própria vai muito além do que sua dinâmica pode pressupor, ou seja, muito além do que uma mera retratação ou homenagem advinda de uma relação de mãe e filha. Como já disse, Sinai é responsável pela confecção de um documento histórico sobre a figura de Helena, a qual ganha vida em tela através de um trabalho meticuloso de pesquisa o qual irá reunir imagens de arquivo entre fotos de família e trechos de obras de uma vida toda.

Traçando paralelos imagéticos ao longo de todo o filme, Sinai nos infere o pensamento de que o tempo se passou, sim, mas a única consequência que este impos à Helena foi em sua aparência, naturalmente, pois em sua mente inquieta e vanguardista, Ignez continua trabalhando a todo vapor. Como se o tempo nunca tivesse passado. Através de imagens que vão e vêm em elipses, fluidas, há a clara inquietação da atriz a qual impede que esta descanse ou ignore enquanto pautas e grupos precisam de voz, enquanto ela precisa de arte.

A narração de Ignez ao longo do filme, advindas de conversas espontâneas com a filha (que não revelou até o último momento o projeto que fazia), nos permite aproveitar a dor e a delícia de estar na mente de Helena. Compreendemos muito melhor o machismo presente no seu divórcio com Glauber Rocha, sua ânsia pelo novo ao passo de sua marginalização na indústria que a fez perseguir um cinema disruptivo e independente, os projetos que deveriam levar mais da sua assinatura, mas que lhe foram negados os devidos créditos.

Muito do que a atriz foi e boa parte, ainda, do que ela poderia ter sido, fica clara quando se põe o documentário em primeira pessoa. Descobrimos mais sobre as perseguições na época da Ditadura Militar, do seu relacionamento extremamente apaixonado com Sganzerla e do seu comprometimento com a revolução. Com o cinema. Concomitantemente, revela-se sua vida íntima e sua brilhante carreira profissional, estabelecendo-se desde muito cedo na rodagem uma ligação de afeto e profunda admiração com o espectador. Mesmo sentimento que imagino ter Sinai pela mãe.

Não sei se podemos dizer que Sinai ultrapassa todo o esperado ao nos dar um filme documental e inegavelmente histórico da mãe, ou se podemos dizer que tudo se torna mais fácil dada a mãe que esta tem. No final das contas, A Mulher da Luz Própria é uma celebração de liberdade. Eis aqui uma mensagem importantíssima e coerente com um festival voltado para celebrar mulheres: temos o dever de reconhecer uma de nós quando criativamente livres. Enquanto crítica, urge a necessidade de reconhecermos o quanto antes.

Se é bem verdade que para muitos a arte é vida, deduz-se que a liberdade também, afinal, qual vida possuímos quando não somos livres? Helena Ignez entende isso. Uma pessoa indigna de sonhar, realizar e continuar, não está viva, sobrevive. O retrato de Sinai é livre, cria uma identidade própria e é, ultimamente, muito mais sobre o que as mulheres podem ser. O que Helena ainda pode fazer.

É raro estar de frente com pessoas que desafiam o status quo, as quais subvertem seu local designado de subserviência e assumem o controle do seu próprio trabalho mesmo diante das adversidades. A Mulher da Luz Própria é isso, uma espécie de conversa direcionada para aqueles rebeldes de alma, de espiritualidade aberta, com uma mente inquieta e realizadora, também. Um filme que fica com a gente tanto quanto uma roda de conversa com Ignez.

  • Nota
3

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