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Crítica: When Evil Lurks (Quando Acecha la Maldad)
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Crítica: When Evil Lurks (Quando Acecha la Maldad)

Cuando Acecha la Maldad – When Evil Lurks
Direção:
Demián Rugna
Roteiro: Demián Rugna
Elenco: Ezequiel Rodríguez, Demián Salomón, Silvina Sabater, Luis Ziembrowski.
Sinopse: Em uma cidade remota, dois irmãos encontram um homem infectado pelo diabo prestes a dar à luz a própria doença. Eles decidem se livrar do homem, mas só conseguem espalhar o caos.

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Cuando Acecha la Maldad, ou When Evil Lurks, desponta como forte candidato ao melhor terror do ano. Convenhamos também, que até a escrita desse texto, não há nenhum terror que chame a atenção esse ano. Num ano de Megan, uma continuação que ninguém pediu de A Freira, e para piorar um remake desnecessário e vagabundo de O Exorcista, o sarrafo estava baixo e não era difícil fazer algo um tanto melhor. Felizmente esse terror argentino se sobressaí frente as centenas produções medíocres do gênero, especialmente o terror estadunidense que tem maior apelo aqui pelas bandas latinas.

A trama é relativamente simples, e aparentemente já contada algumas vezes quando se olha de saída, mas isso é o básico de qualquer história, o que muda e pode fazer uma grande diferença é como essa história é contada. Numa cidade remota, dois irmãos, Pedro (Ezequiel Rodríguez) e Jimmy (Demián Salomón) encontram um homem infectado pelo diabo prestes a dar à luz a própria doença. Tudo piora quando eles, investidos de um medo pelo cenário apocalíptico em que mistérios e fábulas imperam – mas com uma calmaria temerosa – decidem se livrar do homem, mas esse empreendimento dá errado e o mal que até então estava quieto se transmuta e o caos esperado (ou não) chega.

O diretor e roteirista Demián Rugna consegue fazer algo muito inventivo, corajoso e cheio de situações que verdadeiramente nos pegam de surpresa sem anúncio ou com a já manjada música alta que antecede algum jump scare. A aposta num ‘novo’ conceito de possessão demoníaca cria uma alternativa, junto ao cenário apocalíptico um tanto típico para esse tipo de filme, que captura a atenção e facilita a imersão no universo proposto. Existe todo um misticismo que acompanha a rodagem que é pouco explorado, as vezes por falta de mais conteúdo e desenvolvimento – volto nisso mais tarde – e por uma correria desnecessária para simplificar a resolução dos conflitos distribuídos ao longo do filme.

Todo o primeiro e segundo ato são completamente carismáticos e corajosos. Diferente do terror norte americano enlatado, aqui vemos como a violência explicita faz parte da dinâmica daquele universo e de como a morte aparece com o objetivo de chocar sem qualquer cerimônia. O choque ainda que pelo choque cumpre sua função ao simbolizar o horror que aquele cenário aparentemente pacato, está prestes a enfrentar. É violência para todo lado e ninguém é poupado. Crianças, animais, adultos e idosos são alvos da maldade que chega e promete fazer estrago. As atuações de Ezequiel Rodríguez e Demián Salomón seguram bem a impressão dos acontecimentos, que assim como nós, é a primeira vez que estão vivenciando a presença do mal tão de perto.

É destaque que o trabalho de maquiagem e efeitos visuais trabalham juntos para a realização das cenas mais sangrentas e da maquiagem grotesca de acidentes e da possessão pouco usual no cinema contemporâneo. Boa parte do orçamento parece ter ido para esses detalhes, já que o design de produção é bem enxuto e sem grandes destaques, até porque, o cenário em sua maioria se concentra na zona rural e por um breve momento num vilarejo – inclusive é nesse vilarejo que vemos uma das cenas mais inventivas e chocantes de toda a película. Contribui para esse choque, a direção de Rugna que é eficiente em não antecipar esses momentos. Ele está mais preocupado em chocar do que assustar, e isso é bom, muito bom, pois traça uma linha clara do estilo de terror do diretor, mas também de uma identidade e avanço sobre o cinema de horror argentino e, por que não, latino-americano.

Cuando Acecha la Maldad é um clássico folk horror, subgênero do horror, que é pouco explorado pelo cinema latino. Durante a assistida, me lembrei de elementos dos recém-lançados You Won’t Be Alone (2022) e de Lamb (2021), que apostam nessa atmosfera do mal sem rosto ou com várias facetas. Lamb, do islandês Valdimar Jóhannsson, tem uma dinâmica um pouco diferente, pois é mais sugestivo e menos gráfico, mas apresenta a ideia do mal que cria cercas e paranoias, e simboliza a culpa de algo que se fez errado no passado ou por uma dívida não paga. Já em You Won’t Be Alone do australiano Goran Stolevski, a ideia de bruxaria e de dívida com algum tipo de moralidade cristã, são colocadas a prova dentro de um sentido persecutório. Isso tudo está presente no primeiro e segundo ato de horror argentino: o mal que persegue os culpados, troca de rosto e de sujeitos, a contínua peregrinação e a crescente tensão.

Infelizmente, no final do segundo ato e início do terceiro, essa crescente é abruptamente abandonada pelo roteiro. Demián Rugna, que também escreve, parecia não saber como prosseguir com a mística que criou ao longo dos primeiros 60 minutos de duração. Há uma clara virada de chave quando o irmão Jimmy diz haver uma casa de uma conhecida e vão até Mirtha (Silvina Sabater), e depois de toda a explicação sobre algumas regras e de um acontecimento chocante em sua casa, ao irem até a fatídica escola, tudo muda para uma desnecessária simplificação da mística. Fica a questão se isso foi feito para criar uma sequência que tem um gancho perfeito, ou se foi dificuldade para amarrar a quantidade de pontas soltas lançadas pelo próprio filme. Não é um desperdício do empreendimento emocional e mitológico, mas há uma dobra na crescente de tensão que se criara até aquele momento, inclusive deixando o final super previsível e bastante morno.

Cuando Acecha la Maldad não é nada revolucionário e está longe disso, é até bem tradicional se olharmos com alguma distância histórica, mas no final do dia consegue ser criativo, dinâmico, violento e faz escolhas relativamente arriscadas dentro do contexto. Mesmo que seu ato final seja broxante pela previsibilidade e apelo para o tradicional das dinâmicas genéricas de resolução, consegue ser uma boa surpresa num cenário de crescente mediocridade que pouco se arrisca. Honestamente, depois de todo o caos que Hollywood vem enfrentando – e não falo da greve de atores e roteiristas – me parece que a saída para experiências mais arriscadas seja fora do eixo tradicional que tanto nos acostumamos a consumir. Explorar outros mercados ainda requer uma garimpagem nos streamings (ou em métodos pouco usuais de busca), mas quando encontramos algo minimamente diferente, é gostoso nadar em novos mares, mesmo que nesse caso, seja um mar com demônios, sangue e violência.

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