Crítica: Paraíso em Chamas – 47ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Crítica: Paraíso em Chamas – 47ª Mostra de São Paulo

Paraíso em Chamas
Direção: Mika Gustafson
Roteiro: Mika Gustafson, Alexander Öhrstrand
Elenco: Bianca Delbravo, Dilvin Asaad, Safira Mossberg, Ida Engvoll, Mitja Siren, Marta Oldenburg, Andrea Edwards.
Sinopse: Numa região operária da Suécia, as irmãs Laura, Mira e Steffi sobrevivem sozinhas, deixadas à própria sorte pela mãe ausente. Com o verão chegando e sem os pais por perto, elas levam uma vida anárquica, sem preocupações. Mas quando o conselho tutelar convoca uma reunião, Laura precisa encontrar alguém que se passe pela mãe. À medida que o momento da reunião se aproxima, as três garotas se veem forçadas a encarar os conflitos entre a liberdade e a dura realidade do amadurecimento.

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Um cachorro corre sozinho por uma estrada, logo na primeira cena do filme Paraíso em Chamas, de Mika Gustafson, diretora sueca vencedora da Mostra Horizonte no Festival de Veneza. Depois, mais cães “de rua” surgirão na tela, simbolizando um paralelo com as meninas que protagonizam o filme – abandonadas, elas vivem independentes em seu próprio mundo.

Laura, Mira e Steffi foram abandonadas pela mãe, mas se viram como podem. O foco do longa nem é esse. A trama se preocupa mais em acompanhar o desenvolvimento de cada uma delas e os passos que dão na vida desregrada. Mira tem sua primeira menstruação e passa por uma espécie de cerimônia – junto de amigas que parecem ser como as irmãs, sozinhas e independentes, quase uma alcateia.

Laura, a mais velha, busca ser cuidada. Sempre que visita sua nova amiga, ela se machuca e precisa que alguém lhe dê atenção.

Não é à toa que as irmãs – e Laura em especial – têm o hábito de invadir casas abandonadas. É como se os adultos estivessem ocupados demais para olhar para elas – para as crianças e também para as casas. E a mulher que faz amizade com Laura é adulta, mas não consegue assumir os compromissos que lhe surgem, agarrando-se a essa juventude.

Assim, Gustafson explora a adolescência e o processo de maturidade dessas mulheres, cada uma em idade diferente, por meio da dança, da expressão de seus corpos, dos movimentos que eles fazem. Elas gritam, brigam, rosnam, giram. Fazem amizades improváveis – com o menino que vive na mata, com o vizinho velho a competir no karaokê.

A realidade criada pelas protagonistas é ameaçada por telefonemas. Há esperanças de que a visita do serviço social não mude suas vidas, mas isso é pouco provável. Enquanto não chega, elas seguem em suas trajetórias. Gustafson as filma bem de perto, nos aproximando dessas personagens e fazendo com que o espectador se fixe nesse mesmo mundo.

É interessante como os corpos de Laura, Steffi e Mira ocupam os espaços. Laura é praticamente uma mulher adulta quando maquiada, mas volta a ser uma menina frágil quando se deita no sofá ou na cama. Steffi sofre bullying por seu corpo e fantasia o dia em que terá sua menstruação enquanto dança constantemente pela casa. Mira mostra os dentes para provar que já conquistou sua força, e que não precisará mais de sua irmã para defendê-la: ela se torna uma “manager” que agencia um cantor, afinal de contas. Paraíso em Chamas é o feminino em seu estado bruto. É o corpo da mulher que não ocupa os espaços que o mundo espera dela, mas que segue sua trajetória como quer, respondendo com violência ao mundo injusto que insiste em ser seu algoz.

  • Nota
4

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