Crítica: As Tartarugas Ninja: Caos Mutante - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
4 Claquetes

Crítica: As Tartarugas Ninja: Caos Mutante

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante
Direção: Jeff Rowe
Roteiro: Seth Rogen, Evan Goldberg, Jeff Rowe, Dan Hernandez, Benji Samit
Elenco: Micah Abbey, Shamon Brown Jr., Nicolas Cantu, Brady Noon, Ayo Edebiri, Maya Rudolph, John Cena, Seth Rogen, Rose Byrne, Natasia Demetriou, Giancarlo Esposito, Jackie Chan, Ice Cube, Paul Rudd, Post Malone
Sinopse: Após anos afastados do mundo humano, as Tartarugas decidem conquistar o coração dos nova-iorquinos e serem aceitos como adolescentes normais através de atos heróicos. A nova amiga deles, April O’Neil, os ajudará a derrubar um misterioso sindicato do crime, mas logo as coisas desandam quando um exército de mutantes se volta contra eles.

.

A palavra “adolescentes” presente em “Tartarugas Mutantes Adolescentes Ninja” (do original Teenage Mutant Ninja Turtles) não foi colocada no título com a intenção de explorar essa parte da vida dos protagonistas da história em quadrinhos criada em 1984 por Kevin Eastman e Peter Laird. Idealizada como uma sátira, principalmente dos quadrinhos do Demolidor escritos por Frank Miller, a HQ original – mais sombria e violento – possuía em seu título uma piada de Eastman e Laird: cada palavra que o compunha representava características dos quadrinhos que mais vendiam na época, como Novos Mutantes e Jovens Titãs. As Tartarugas Ninja, como conhecidas no Brasil, se tornaram um estrondoso sucesso que originou, em quase 40 anos, desenhos animados, linhas de brinquedos e series de filmes, estes últimos nunca explorando de fato a parte “teenager” de seu título.

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante é o primeiro filme dos quelônios a abraçar a adolescência de seus protagonistas – Leonardo, Michelangelo, Raphael e Donatello, quatro tartarugas irmãs que entraram em contato com uma gosma radiotiva e mutaram – junto de seu mestre e pai, o rato Splinter – para seres inteligentes e humanoides que foram treinados para serem ninjas. O registro adolescente vem de muitos lados, a começar pela aparência das tartarugas, agora menores, menos musculosas, de vozes mais finas na dublagem por adolescentes de verdade na versão original. O roteiro de Seth Rogen, Evan Goldberg, Jeff Rowe, Dan Hernandez e Benji Samit, não economiza nas referências à cultura pop mencionadas pelas tartarugas entre si, que vão desde bandas K-Pop a filmes como Vingadores – Ultimato. O uso destas referências nunca soa excessivo ou irritante como em outras produções engraçadinhas da atualidade pois existe um propósito e sentido para tal: se tratam de adolescentes que tiveram como contato predominante com o mundo da superfície o conteúdo da cultura pop.

O que adquire propósito e sentido, também, é a amarração entre o tema da adolescência e busca por pertencimento tão inerente a essa fase da vida, com a condição literal das tartarugas aqui. Se os adolescentes procuram pertencer a algum lugar e estão em fase de mutação por definição, as tartarugas literalmente passam por essa situação enquanto assistem ao mundo de cima através dos esgotos. O filme, dirigido por Jeff Rowe (do ótimo A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas), trabalha muito bem estes temas, auxiliado particularmente nos momentos mais melancólicos pela trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, o primeiro sempre genial em capturar a sensação de melancolia através de acordes simples.

Outro elemento que fortalece o tema da adolescência e crescimento é na dinâmica entre as tartarugas e Splinter. Aqui, o rato é menos um mestre e mais um pai, como visto numa divertida e tocante sequência na qual acompanhamos a criação dos irmãos, e na atenção que o filme dá para a construção do rato como um pai protetor e temeroso com os males do mundo exterior. Nesse sentido, esta é a versão de Tartarugas Ninja que menos abraça a mitologia criada pelos quadrinhos e cimentada em outras iterações através das décadas. A origem retratada na nova versão exclui alguns elementos conhecidos pelos fãs, como a ligação de Splinter com Hamato Yoshi, no original e em algumas versões o dono do rato, e em outras o próprio rato. Mudanças como essa colocam um ponto de interrogação na cabeça por conta dos caminhos que o filme abre em seu gancho para a sequência com um personagem essencial da mitologia dos quelônios.

Caos Mutante então renega a mitologia mais conhecida em prol da jornada mais íntima, pessoal e relacionável que conta aqui. Nesse processo, o filme começa a forjar sua própria mitologia, percorrendo caminhos nunca tocados em outras versões e até mesmo ressignificando papeis de alguns vilões conhecidos, outrora inimigos e agora aliados com passado tocante, que encontram nos protagonistas o afeto através da identificação de serem, também, páreas. E isso é muito bonito. Essa beleza se traduz no estranho visual das criaturas, num design de personagem que preza pelo assimétrico, pelo torto, encontrando o adorável no processo.

O apelo visual de Caos Mutante se torna uma de suas melhores qualidades. O filme faz parte de uma leva de animações recentes que foram influenciadas pela inventividade visual do revolucionário Homem-Aranha no Aranhaverso, como Gato de Botas 2: O Último Pedido e A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, filmes que fogem de um padrão de animação puramente 3D de visual mais convencional e adicionam novas texturas e camadas nas formas 3D. Enquanto Aranhaverso adicionava texturas 2D como retículas, onomatopeias surgindo no quadro e experimentava com diferentes estilos de animação para emular tipos específicos de histórias em quadrinhos, o mundo visto em Tartarugas Ninja: Caos Mutante parece saído de um caderno de desenhos rabiscados e mal polidos, numa mescla de 3D com traços de rascunho em 2D que dialogam muito bem com as HQs que originaram o filme. Esse visual traz consigo uma energia e expressividade que transborda a cada quadro de Caos Mutante.

Talvez o maior mérito que Caos Mutante carrega consigo é seu comprometimento a ser diferente, finalmente abordando a adolescência de seus personagens – pouco explorada em suas diversas versões para o cinema, abraçando um estimulante visual fora do comum e alçando com coragem uma nova e empolgante mitologia, após décadas de apego com uma mitologia estabelecida. Na quebra de status quo e saindo do lugar-comum, parece que, como suas quatro tartarugas, finalmente a franquia está pronta para caminhar para novas direções. E isso também não faz parte de crescer?

Deixe seu comentário