Vale tudo para tirar o fôlego?
Depois de tantas indicações, decidi assistir ao documentário “De Tirar o Fôlego”, lançado na Netflix recentemente. Intitulado “The Deepest Breath” no original (um título menos genérico que sua versão brasileira), o filme conta a história de Alessia Zecchini e Stephen Keenan, dois mergulhadores que, em certo ponto da vida, se conhecem e criam uma forte conexão.
Eles não são mergulhadores “comuns”: são atletas de um dos esportes radicais mais perigosos do mundo. O mergulho-livre em apneia é realizado sem nenhum equipamento. As pessoas chegam a ir dezenas (ou uma centena) de metros abaixo do mar, por longos minutos, apenas segurando a respiração. A cerca de 100 metros de profundidade, o pulmão é comprimido e fica do tamanho de um punho, fazendo com que o retorno à superfície leve os atletas ao desmaio em boa parte das vezes.
“De Tirar o Fôlego” não se limita a contar a história dos atletas: o documentário mergulha profundamente (desculpe, trocadilho inevitável) no esporte, sendo didático o suficiente para que o espectador compreenda esse universo tão específico e desconhecido a tanta gente.
O filme faz uma escolha em sua narrativa que, a princípio, eu achei apenas uma “sacada” dos diretores. Ele “esconde” do espectador uma informação importante, provocando-o em relação às possibilidades do que teria acontecido, para só no terceiro ato mostrar certa personagem, criando então um “plot twist” típico de filmes de ficção. No entanto, o crítico Pablo Villaça aponta como problemático que o filme faça suspense com isso. Afinal, são vidas de pessoas reais.
E isso me fez lembrar de um outro documentário.
Lembro-me muito bem de quando assisti ao documentário “Bem-Vindo à Chechênia”, que acompanhei na Mostra de São Paulo no ano em que ela foi totalmente on-line. Famoso por ter colocado rostos novos nas pessoas por meio da técnica de deepfake, protegendo suas identidades, a produção mostra militantes que buscam proteger a população LGBTQIA+ da perseguição brutal do governo checheno (com anuência do governo russo).
O filme me deixou chocado e dividido: mostrar as cenas reais de violência sem muita cerimônia, o que pode ser positivo por causar o impacto que é necessário, mas também chega a ser desrespeitoso com o espectador e principalmente com as pessoas que sofreram os ataques.
A reflexão é importante, e não tem uma resposta.
O que precisamos pensar é a respeito de como lidar com documentários. Eles podem ter estruturas e construções narrativas iguais às da ficção? De que forma esses artifícios, como suspense e cenas de violência, podem ser usados sem desrespeitar as pessoas mostradas nos documentários?
Recentemente, com o sucesso das séries “true crime” (que são documentários) nos serviços de streaming, muito se discutiu a respeito da maneira como algumas situações foram tratadas. A maneira como a memória de Daniela Perez foi retratada em uma série, a forma como o incêndio na Boate Kiss foi tratado sem autorização das famílias, e até mesmo um debate sobre a série de sucesso Dahmer levantam elementos a respeito de como documentários não podem ser levianos com os envolvidos (e confesso não ter visto muitas destas séries, por diversos motivos).
A pergunta do título fica sem resposta: vale tudo para “tirar o fôlego” do público? E, para finalizar, eu vou além: é este o papel de um documentário?