Crítica: Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um
Ficha Técnica: Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Erik Jendresen, Christopher McQuarrie
Elenco: Tom Cruise, Hayley Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Rebecca Fergusonn, Vanessa Kirby, Pom Klementieff, Esai Morales.
Sinopse: Ethan Hunt e seu grupo do IMF embarcam na missão mais arriscada até agora: localizar uma nova arma aterrorizante que ameaça toda a humanidade antes que caia nas mãos erradas.
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A franquia Missão Impossível está na beira de seus 30 anos de existência. Os cinéfilos mais pessimistas diriam que já está na hora de fechar as portas, carregar as malas e partir pro próximo grande filme da vez. Mas Tom Cruise e seus parceiros se negam a deixar Ethan Hunt morrer. E é incrível que já em seu sétimo filme seguido, Missão Impossível só fica melhor, consegue se superar ainda mais a cada instalação e não demonstra qualquer sinal de fadiga ou cansaço criativo. Esse é o caso de ‘Acerto de Contas – Parte Um’, a mais nova produção dos sócios Cruise-McQuarrie.
McQuarrie, por sinal, é o grande responsável pelo novo frescor da série. Trabalhando com Tom Cruise já há 9 filmes (parceria que começou com Jack Reacher em 2012), o diretor conseguiu desenvolver uma intimidade com a estrela de cinema que talvez nenhum outro colaborador conseguiu ter durante a vida cinematográfica de Cruise. Os dois realmente parece que se entendem muito bem e os frutos dessa excelente sociedade estão aí pra todo mundo ver: um enorme sucesso desde ‘Nação Secreta’, passando por ‘Top Gun – Maverick’ (filme que McQuarrie escreveu e produziu) e agora com o novo Missão Impossível que já está nos trilhos para ser um dos melhores filmes do ano, tanto no âmbito crítico quanto na bilheteria.
E dessa vez, a dupla alçou voos ainda maiores (literalmente). ‘Acerto de Contas – Parte Um’ é uma subversão de todos os clichês que a franquia Missão Impossível foi capaz de criar durante deus 27 anos de existência. Claramente esse novo filme tenta apresentar algo novo, tenta escalonar a experiência cinematográfica da série para limites ainda não vistos e isso fica óbvio desde o primeiro instante dentro da sala de cinema.
O primeiro ato do novo filme é surpreendentemente mais lento do que seus anteriores, toma mais tempo para criar o tabuleiro e desenvolver o movimento de todas as peças. Trabalha muito bem com o ilusório, sabe enganar a audiência e só definitivamente nos apresenta a trama completa – e o que está envolvido nela – tardiamente dentro da estrutura usual de filmes como esse.
E também já de cara, vemos que esse filme compreenderá uma história mais emocional do que de costume. De modo meio que Hitchcockiano, ‘Acerto de Contas’ de início tem um ar mais pesado que paira sobre, principalmente, Ethan Hunt e sua vida “amorosa”. Essa inclusive é uma das minhas raras ressalvas com o roteiro e com a premissa do antagonista, mas discutiremos mais a respeito disso já já.
Porém, quase que como um maestro de altíssimo refinamento, Christopher McQuarrie transita muito bem entre esse gravitas, esse tom soturno e entre uma entonação mais cômica quando lhe é preciso. Neste filme especificamente, a produção ganha um frescor ainda maior com as cenas que misturam ação com a pura comédia física. Creio que em nenhuma outra produção da série a comédia ganhou mais espaço do que durante a perseguição de carro que se dá na cidade de Roma. A segunda metade da história ganha contornos divertidíssimos com essa infusão de gêneros propiciada talvez por uma influência ainda maior de Buster Keaton e Chaplin (apesar desses dois já serem homenageados em M.I. desde o início).
Outros pontos muito positivos da nova produção capitaneada por Tom Cruise são a adição dos novos personagens e o modo como eles foram excelentemente trabalhados durante o percurso da história. Hayley Atwell recebe o bastão como nova Hunt-girl da vez (olha só eu fazendo uma comparação com James Bond, pode marcar no bingo) e já que o tema desse filme é subversão, ela também recebe um papel bem diferente do resto das mulheres da franquia. Atwell entra no filme de uma maneira que me lembrou muito os áureos tempos da canalhice carismática de Harrisson Ford em Indiana Jones, onde a arteirice e o modo ardil da personagem servem como armas perigosas que a tornam indigna de confiança. É uma excelente soma ao elenco e boa parte do carisma do filme se baseia na performance de Hayley. Outra bela nova inclusão na franquia é a personagem de Pom Klementieff, que em muitos momentos é a energia frenética que embala o filme, apresentando uma atuação quase demoníaca, feroz e insistente.
Falando em ferocidade, Tom Cruise mesmo nos seus 60 anos continua equiparando a energia de seu elenco mais jovem e consegue nos mostrar uma forma física altamente recreativa (por falta de termo melhor para entertaining). O que esse homem é capaz de fazer e o que vimos com nossos próprios olhos durante o terceiro ato de ‘Acerto de Contas – Parte Um’ é de um nível de dedicação elogiável. Toda a sequência do trem durante o clímax é de tirar o folêgo, como já tradicionalmente acontece quando a direção de McQuarrie está envolvida no projeto. O diretor inclusive deu uma dica de onde tirou a inspiração para a sequência que termina o novo Missão Impossível: John Frankenheimer e seu filme “O Trem” de 1964. É também a minha recomendação para acompanhar a ida ao cinema, vale a pena conferir. Inclusive, a acrobacia performada por Cruise no terceiro ato é o que salva o clímax do filme de cair definitivamente em um estado inerte. Se não fosse pela loucura protagonizada por Tom Cruise, um certo cansaço tomaria conta de vez dos espectadores, como já estava acontecendo na minha própria sala de cinema durante o desenvolvimento de roteiro da terceira parte. Essa é minha outra pequena observação negativa do filme. Depois de certo acontecimento trágico, o longa toma tempo excessivo em trabalhar o psicológico e quase perde a atenção e o foco de sua audiência.
Esse acontecimento trágico também é alvo de uma pequena anotação minha. Me pareceu um pouco leviano demais construir esse ponto de bifurcação na história justamente com uma personagem que passa metade do filme sumida e outra que acabou de ser apresentada a audiência. Não chega a atrapalhar muita coisa, mas me incomodou.
Outro problema que notei, esse um pouco mais grave, é a construção do vilão. Apesar de gostar do personagem de Gabriel (Esai Morales), a parte da entidade onipotente ficou um pouco além do caricato. De jeito algum esse tipo de antagonista consegue esticar a importância da história em duas partes, não vejo nenhum sentido em continuar apostando na vilania desse algoritmo apático e sem personalidade alguma. Pra mim, a história inclusive muito bem acabaria onde acabou. Ao contrário de ‘Através do Aranha-Verso’ aliás, dessa vez não saí do cinema com gosto de algo inconclusivo. Mas concordo em dizer que pelo menos essa escolha de antagonismo é razoavelmente um dos únicos jeitos de escalonar a franquia, misturar as cartas do baralho e apresentar algo novo. Só acho que poderia ter sido um pouco mais refinado. Veremos o que McQuarrie e Cruise aprontam com esse novo super-computador na Parte Dois.
Até lá, ficamos com um filme extravagante, que contorna livremente por sua arriscada nova estrutura cinematográfica e que explora cada vez mais os limites do entretenimento e da ação gravada por uma lente. É uma ida indispensável ao cinema dentro dessa temporada de inverno brasileiro e vale cada centavo. Finalmente a franquia, agora capitaneada em caixa alta pelo letreiro “uma produção Tom Cruise” que encabeça os créditos, conseguiu se reinventar e talvez encaminhar o término da era McQuarrie como uma das reinvenções do cinema de ação mundial.