Quando paramos de gostar de comédias românticas?
Não me lembrava da última vez que havia saído de casa para assistir uma comédia romântica. Subgênero que marcou boa parte da minha adolescência (e infância também, diga-se de passagem), as comédias românticas foram perdendo espaço à medida que o cinema do século XXI avançou na direção dos braços do drama social. Em algum momento, deixou de ser interessante contar histórias sobre pessoas que se apaixonam, passam por inúmeros conflitos e ao final ficam (ou não) juntas mesmo assim. Histórias comuns. Quando isso aconteceu?
Desconfio que a causa disso, para além de um pessimismo que se alinha ao sofrimento de uma geração completamente desacreditada no amor, se deve à uma necessidade moderna de um cinema que necessariamente tenha que assumir para si uma relevância social e assim aceitar propagar-se, obrigatoriamente, enquanto um instrumento de transformação política. Essa ideia, permeada pelo senso de urgência de representatividade de uma sociedade cada vez mais plural, implantou nas pessoas algo que aqui irei apelidar de “ditadura do drama”.
Nos últimos anos, o cinema adotou um aspecto de seriedade muito forte e se voltou, devotadamente, aos dramas sociais para abordar questões que eram (e não questiono isso, ainda são) bastante urgentes e caras ao nosso mundo. No entanto, se por um lado isso permite o surgimento de obras que vão nos levar a questionar o status quo e a debater a nossa realidade, por outro o reforço desta ideia acabou por subtrair do espectador – e do cinema – as possibilidades fantásticas e igualmente escapistas que só a sétima arte consegue proporcionar.
O excesso de uma faceta realista, aqui sob um prisma conteudista mesmo, não necessariamente formal, conseguiu fixar na cabeça do público e de boa parte da crítica a ideia de que um filme de histórias simples, comuns à maioria das pessoas, senão recheados de drama e complexas camadas psicossociais, são imediatamente “bobos”, um senso antigo e um tanto quanto mal combatido por nós mesmos de que a arte precisa ser útil. Para muitos espectadores modernos, a arte se associou a um senso de utilidade e isso, às duras penas, têm se mostrado um problema não só para apreciar filmes de gênero (ação, comédia, terror) como para a interpretação de elementos técnico-formais dentro do cinema, como é o caso do uso do CGI.
O que mais se questiona sobre um filme fantástico, hoje, é se os efeitos de CGI são bons. Sendo esse “bom”, quase sempre, associado com uma ideia de mais próximo do real, como parâmetro de qualidade. Para os filmes de gênero, deixou de apreciar-se o absurdo, os clichês e as convenções de gênero. O espectador moderno quer se surpreender ou se emocionar a todo custo, ainda que a surpresa seja batida, só aconteça, de fato, aos últimos dez minutos de um filme bem “mais ou menos”, os famosos amantes dos filmes com “plot twist”, dos filmes que “vão explodir a sua cabeça”, e que a emoção seja bem esquecível.
Toda a ideia do que deve ser o cinema, dessa forma, é rodeada de críticas a efeitos especiais, furos de roteiro ou moralismo puro, o que resulta em uma série de análises rasas e espectadores condicionados – às vezes antes mesmo de chegarem aos cinemas, vide react de trailers. Analisa-se qualquer filme sob o mesmo viés, o mesmo prisma moral que avalia os dramas sociais e os filmes “relevantes”, e isso permite uma série de injustiças e distorções que têm, constantemente, influenciado e minado uma série opiniões, em especial nas redes sociais – o que rende assunto para um outro texto.
Na minha visão, as comédias românticas tornaram-se impopulares não meramente porque o mundo se tornou mais vigilante, como já vi muitas pessoas falarem, mas porque a ideia de que a arte moderna deve ser necessariamente útil e complexa, mesmo que esse último seja só “de fachada”, foi tão efetivamente estabelecida na mente do espectador que mesmo os filmes de terror tiveram que se adaptar a essa mesma linha dramática. Uma ditadura do drama.
Perdeu-se o interesse pelas histórias simples, pelos clichês e pelas convenções de um gênero específico, hoje o espectador moderno estranha que John Wick caia lances e lances de escada e não morra, mesmo que tenha ido ao cinema sabendo se tratar de um filme de ação. O único local onde a fantasia e o óbvio continuam fazendo sentido é nas animações, até hoje percebidas como um gênero infantil, e olhe lá. Os filmes mais aclamados da Pixar e da Disney nos últimos anos, como Soul e Viva – A vida é uma festa, também irão seguir uma linha dramática muito específica, o que rende a eles um maior prestígio.
E prestígio é algo que, historicamente, filmes de drama sempre tiveram. O que me aborrece a ponto de fazer esse texto não é a quantidade de filmes de drama, ou a ausência de qualidade dos nossos dramas sociais, mas a atenção que estes vêm recebendo em detrimento de filmes que moldaram o cinema, também, e que hoje estão à margem dos orçamentos, dos cinemas e das listas. Filmes ordinários e bem executados, com clichês e previsíveis, não são necessariamente ruins – nem precisam se tornar obras-primas.
A previsibilidade de um casal ficar junto ao final em um filme de romance, que a garota sobreviva no filme de terror e que o protagonista do filme de ação nunca morra é algo que precisamos urgentemente voltar a nos acostumar. Convenções de um gênero não são necessariamente sinônimo de mediocridade, assim como a quebra de expectativa ou a reviravolta, em qualquer filme, jamais será sinônimo de qualidade. É preciso voltar um pouco no tempo, rever nossos critérios de análise e tirar de uma vez por todas a ideia de que a arte é, obrigatoriamente, útil, complexa, relevante. Nem todo filme precisa ser necessário. Nem toda pessoa é.