Gwen Stacy: uma mulher trans em “Através do Aranhaverso”?
O longa de animação “Homem Aranha: Através do Aranhaverso” é um grande filme, que conseguiu a façanha de ser tão bom quanto o antecessor, e vem conquistando cada vez mais pessoas pela qualidade da animação, do roteiro, dos personagens bem desenvolvidos, entre tantas outras.
Apesar de ser protagonizado por Miles Morales como personagem título, o novo filme tem uma presença tão grande da personagem Gwen Stacy como Mulher-Aranha, que ela pode ser considerada uma coprotagonista.
Quando observamos a história e os detalhes da trama de Gwen, algumas pistas do filme indicam que ela pode ser uma mulher transgênero, e todas elas vêm causando debate entre os fãs.
Alguns sinais
Ao longo de “Homem Aranha: Através do Aranhaverso”, existem diversos símbolos importantes que dão tais indícios. Um deles, o mais óbvio, é a presença de um cartaz com a frase “Proteja crianças trans” (Protect trans kids, no original). Isso faria sentido pois, se a teoria for verdade, a personagem terá vivido sua transição ainda na infância (ou início da adolescência).
Outro sinal relacionado à causa trans é o uso de cores como um todo no universo de Gwen. Se seu próprio uniforme carrega as cores da bandeira trans desde os quadrinhos (o que indica que a direção de arte do filme pode ter se aproveitado de tal coincidência), estas mesmas cores – especialmente o rosa – se fazem presentes em toda a realidade do seu quarto, particularmente em um momento dramático importante do filme.
Além disso, há também um símbolo muito parecido com a bandeira da comunidade transgênero no uniforme do pai de Gwen, e em um momento de desabafo, já no terceiro ato do filme, a personagem fala sobre o fato de que todos os outros “aranhas” do multiverso sabem apenas “metade de sua história”, ou seja, é como se ela explicasse que eles não sabem de sua transição.
Estes e outros possíveis indícios foram vistos como formas de a narrativa enriquecer a personagem e até mesmo de trazer mais representatividade ao filme.
No entanto, é preciso considerar que o tema não está explícito. Portanto, ele não será perceptível ao espectador que não estiver atento ou sensível a essas questões.
Vamos interpretar?
É bem possível que os produtores e diretores de “Através do Aranhaverso” tenham criado todas essas referências de caso pensado. O cartaz no quarto da personagem e a combinação de todos os outros indícios dificilmente seriam obrasdo acaso. Entretanto, precisamos considerar dois fatores importantes:
1- Pode ser uma alegoria
O processo que pessoas trans vivem para se aceitarem, ganharem aceitação da família, assumirem-se para o mundo, entre outros, é semelhante ao processo vivido pela história cânone do homem/mulher-aranha em seus múltiplos universos. Em ambas as situações, é necessário conhecer a si mesmo e enfrentar inúmeros medos antes de se mostrar ao mundo – em especial, à família. Considerando que não existem super-heróis no nosso mundo real, mas existem pessoas trans (que sofrem muito preconceito, infelizmente), podemos interpretar como um paralelo que o filme faz entre as situações, como se desse uma piscadela para que o público transfira a empatia desenvolvida pelos protagonistas para as pessoas trans.
2- São detalhes inerentes a um personagem bem desenvolvido
Dificilmente a franquia trará alguma confirmação desta teoria. É pouco provável (infelizmente) que a Sony abra espaço para levantar esta bandeira em filmes tão lucrativos e de tanto alcance. Os elementos presentes no filme servem como oportunidades de interpretação. Aliás, o bom desenvolvimento de um personagem pode trazer muitos elementos e referências que o circundam, mas nunca são apontados de forma evidente. Neste momento, recordo-me da forma como a trilogia “O Poderoso Chefão” pode ser interpretada como a representação de diferentes períodos dos Estados Unidos (com Vito e Michael Corleone representando diferenças entre culturas geracionais no capitalismo americano). Também me lembro das leituras possíveis do personagem Max em “Mad Max: Estrada da Fúria”. Doador universal, ele tem um sangue capaz de ajudar a todos, o que simboliza sua sina de vagar por uma terra sem lei, ajudando aqueles que resistem aos horrores do mundo.
Assim sendo, a resposta que proponho a respeito de Gwen Stacy ser uma mulher trans é: depende da sua interpretação. Não há resposta óbvia e não haverá. Afinal, o cinema é feito de simbolismos e possibilidades de compreensão que passam por conhecimentos prévios de cada espectador.
Bons filmes não explicam tudo. Não nos entregam toda informação “de mão beijada”. Algumas leituras cabem somente a nós, espectadores.