Crítica: Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História
Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História – Ficha técnica:
Direção: Eva Longoria
Roteiro: Linda Colick, Linda Yvette Chávez, Richard Montañez
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 9 de junho de 2023 (Star+)
Sinopse: A história real inspiradora de Richard Montañez, zelador da empresa que mudou a história da indústria de alimentos, tornando o Flamin’ Hot Cheetos em um fenômeno da cultura global.
Elenco: Jesse Garcia, Annie Gonzalez, Emilio Rivera, Vanessa Martinez, Tony Shalhoub.
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Pelo jeito, o filme-produto está em alta em Hollywood. Só este ano já tivemos dois longas baseados em marcas corporativas que, de um jeito ou de outro, servem como grandes propagandas de 1 hora e meia. O estreante foi “AIR: A História Por Trás do Logo”, produção que conta de forma (muito) emocionada a história da criação de um dos produtos mais lucrativos da Nike. Logo em seguida foi a vez de “Blackberry” que, apesar de a marca de aparelhos celulares já ter sido descontinuada, contou com uma humorosa adaptação de sua jornada empresarial para as telonas. E agora, ainda no meio do ano, temos mais um filme que parece ter sido concebido diretamente de um departamento de marketing de uma multinacional.
“Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História” é uma produção da Searchlight Pictures, dirigida por Eva Longoria (sim, a atriz) e que estreou nas plataformas de streaming do grupo Disney (Hulu no EUA, Star+ aqui no Brasil) nesta sexta-feira, 9 de junho. O filme conta a história de Richard Montañez, esforçado membro da comunidade latina na região da Califórnia que por sua própria visão e determinação criou o sabor “apimentado” da famosa marca de salgadinhos Cheetos. É uma tradicional história de inspiração, onde acompanhamos a jornada de Richard desde seu começo humilde como um simples zelador até ser reconhecido e se tornar um executivo famoso.
É uma história tradicional até demais. Claramente o filme tenta de todo jeito não ser convencional, mas é. Apesar de ter o louvável esforço de incluir uma pauta tão importante quanto a da cultura latina, Flamin’ Hot não consegue passar do superficial e entrega discursos e mensagens extremamente cafonas e artificiais. Parece quase que um animador de auditório pode a qualquer momento saltar da tela e nos instruir a bater palmas após um breve monólogo motivacional. É desse nível.
Uma pena que o roteiro não tenha tentado aprofundar mais a questão latina DENTRO do ambiente empresarial. E é uma pena que personagens secundários no filme tenham histórias comoventes que acabam ficando de lado, desaproveitadas, bem quando poderiam ter sido o coração da história.
Outro problema recorrente é também a artificialidade em retratar a empresa “dona do filme” em questão. A Frito-Lay, detentora do produto no qual o filme se baseia, passa muitas vezes como um lugar utópico, um ambiente levíssimo. Sabemos que isso é costumeiro em filmes assim, mas pelo menos não precisava ser tão escancarado como foi aqui. Existem sim alguns momentos de redenção dessa mentalidade, quando o próprio Richard Martiñez se rebela com a chefia, ou quando satirizam a seriedade do corporativismo. Mas logo depois voltam ao papo motivacional clichê do ramo empresarial e retornamos à estaca zero.
Vejamos por exemplo o filme da Nike dirigido por Ben Affleck e escrito por Alex Convery. Eles conseguem decentemente mascarar a questão corporativa imputando tons ultra-irônicos – por vezes chegando a se transformar até em uma melancolia cômica – e encobrir todo o discurso motivacional do filme com belas camadas de desenvolvimento de personagem (um caso desse que me vem logo à cabeça é o do personagem de Jason Bateman, muito bem escrito). Não encontramos absolutamente nada parecido aqui em Flamin’ Hot. Não há um refinamento de roteiro sequer parecido.
E nem sei se seria possível. A história do filme é interessante, mas não tem lá muita substância para preencher uma hora e meia de nossa atenção. Do meio pro final, o ritmo fica arrastado, eles não conseguem dinamizar o plot mesmo quando tentam brincar com sátira e com a edição. O humor funciona muito bem vez ou outra, porém no geral tudo acaba caindo de forma muito apática. Nem mesmo a tentativa de emular “O Lobo de Wall Street”, com aquela narração ácida que conta a história de forma metalinguística, pôde salvar o tom descompensado do filme.
Alguns pontos positivos que posso mencionar são as atuações do protagonista Jesse Garcia e do experiente Tony Shalhoub. Garcia tem um carisma inegável, carrega o filme de maneira competente. E Shalhoub dá uma gravidade maior ao filme quando entra em cena, o personagem ganha uma autoridade ainda maior com a experiência do ator. Parte dessa honra também vai claro para a direção. Eva Longoria dirige aqui seu primeiro filme hollywoodiano e para uma estreante é certamente um resultado bem decente. Vemos atuações respeitáveis em todo o filme, com destaque aos dois já mencionados e também ao núcleo infantil (que sempre é um problemão em filmes com tons de comédia como esse).
Outra característica que faz a produção valer a pena é também a excelente fotografia de Federico Cantini, principalmente no primeiro ato, transformando a Califórnia dos mexicanos em uma visão diferente (e mais aconchegante) das que costumeiramente vemos em produções assim. A coisa muda um pouco quando o filme foca mais na parte corporativa da história, onde realmente não há muito o que se fazer para transformar aquele ambiente gélido da fábrica em algo agradável de se ver.
Em resumo, “Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História” é um filme-produto (ou seria um produto-filme) demasiadamente enfadonho, que falta substância e refinamento, e que se acomoda em ser só mais um passatempo superficial ao invés de explorar melhor seus temas. É decente para ser exibido talvez em uma Sessão da Tarde, mas nada que faça valer a pena seu foco. Quando, por exemplo, vemos no final do filme aqueles créditos clichês de filmes biográficos – onde a vida real do sujeito aparece e sabemos o que aconteceu com ele aqui fora – ficamos talvez com uma impressão errada na mente. Ficamos mais interessados em saber sobre o homem real do que em retornar ao arco do personagem que acabou de nos ser apresentado. A história é muito mais interessante como um artigo no New York Times do que como um filme.
A produção é com certeza um esforço louvável para trazer a pauta da sobrevivência da minoria latina nos EUA. É um filme que tenta ser sobre comunidade e sobre família, mas que acaba exagerando na utopia corporativa e toma inspiração na artificialidade de seu próprio tema, o salgadinho Cheetos, para servir somente como um entretenimento leve, fugaz e sintético.