Crítica: A Morte do Demônio: A Ascensão
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Crítica: A Morte do Demônio: A Ascensão

A Morte do Demônio: A Ascensão
Direção: Lee Cronin
Roteiro: Lee Cronin
Sinopse: A Morte do Demônio: A Ascensão é um filme de terror slasher que faz parte da clássica franquia A Morte do Demônio, que teve o primeiro título lançado em 1981. No filme, Beth (Lily Sullivan) vai até Los Angeles para visitar sua irmã mais velha, Ellie (Alyssa Sutherland), que mora com os três filhos em um pequeno apartamento. Com uma relação distante, essa seria a oportunidade para uma reaproximação entre as irmãs. Porém, o reencontro toma um rumo macabro quando elas encontram um livro antigo que dá vida a demônios possuidores de carne. Agora, para sobreviverem, serão forçadas a enfrentar uma versão aterrorizante da família.
Elenco: Lily Sullivan, Alyssa Sutherland, Morgan Davies, Nell Fisher, Gabrielle Echols.

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A câmera subjetiva que representa o ponto de vista de forças demoníacas é uma das marcas registradas da franquia A Morte do Demônio (Evil Dead), série de filmes também conhecida no Brasil como “Uma Noite Alucinante”. Ao atribuir o recurso da câmera em primeira pessoa para o próprio demônio, o mestre Sam Raimi – diretor dos três primeiros filmes da franquia – atribuía ao mal, também, ar de protagonismo: é do ponto de vista deste que acompanhamos a ação, numa situação causada e controlada por ele mesmo. Assim, o demônio era dono da narrativa; era a câmera e também o diretor, permeando afoita e rapidamente a floresta em direção a alguma pobre vítima para possuir e torturar (na trilogia original, o relutante herói Ash Williams interpretado por Bruce Campbell), sempre com bom-humor entre as nojeiras e banhos de sangue promovidos.

O novo filme da franquia, A Morte do Demônio – A Ascensão, se inicia justamente com essa icônica câmera subjetiva do demônio percorrendo rapidamente uma floresta. O filme anterior (A Morte do Demônio, 2013), dirigido por Fede Alvarez, era um reboot de A Morte do Demônio original, mas também um trabalho de fã, consciente de que seu filme era derivado de uma franquia com iconografia bem cimentada e vista com carinho pelos fãs de terror, portanto prestava homenagens através dos signos que marcaram os originais – de objetos de cena e situações a recursos narrativos. Assim, quando Lee Cronin – roteirista e diretor deste A Ascensão, inicia seu filme com o ponto de vista do demônio, temos um longa que se insere desde o início nas convenções estabelecidas pelas obras anteriores. Mas Cronin mostra outro tipo de consciência quando revela que essa câmera subjetiva não era a visão autêntica de um demônio, mas sim a câmera de um drone controlado por um personagem dentro da narrativa. Evil Dead sempre foi das brincadeirinhas.

As brincadeiras estiveram sempre presentes dentro dessa franquia pois Raimi não negava o potencial de parque de diversões de suas histórias. Acompanhávamos situações aterrorizantes juntamente com um teor cômico irresistível e consciente, potencializados por um humor slapstick – físico – digno de Os Três Patetas. A brincadeira que A Morte do Demônio – A Ascensão faz em seu começo representa um tipo diferente de diversão. Com a pequena subversão da câmera que Cronin promove no início, o diretor se insere primeiro como fã, e depois como removedor de um véu. Aqui, o véu da crença. O reboot de 2013 renegava a galhofa dos filmes anteriores, reverente aos originais mas com receio de se adentrar de fato num tom mais cômico que teoricamente removeria o véu da crença nos elementos dramáticos daquela história. O filme de 2023 utiliza da autoconsciência para trazer o humor de volta.

Em A Morte do Demônio – A Ascensão, acompanhamos Beth (Lily Sullivan), uma técnica de guitarra que, após descobrir que está grávida, faz uma visita a sua irmã Ellie (Alyssa Sutherland), mãe solteira que cuida de seus três filhos num velho apartamento de um prédio caindo aos pedaços em Los Angeles. Quando um terremoto atinge o prédio de Ellie, seu filho Danny (Morgan Davies) encontra o Necronomicon – O Livro dos Mortos, e liberta o mal contido naquelas páginas. Mais uma vez a subversão: Cronin troca a cabana isolada no meio da floresta por um prédio ambientado num cenário urbano – mudança que representa um respiro de novidade e novas possibilidades para realizar a carnificina que veremos durante o filme.

Essas novas possibilidades de situações que vêm através do novo cenário se aliam com a autoconsciência de Cronin. Se o princípio narrativo da Arma de Tchekhov diz que todos os elementos presentes em uma história devem ser necessários e relevantes para a trama contada, o diretor insere desde o começo planos detalhes de objetos que terão futuramente alguma função narrativa para a carnificina. Uma máquina de tatuagem; um pedaço de madeira utilizado numa brincadeira e que se quebra; uma tesoura. É como se cada objeto presente num filme de Evil Dead pudesse – porque irá – se tornar também um objeto a serviço da matança.

Se estabelece então uma sensação de que o mal pode estar e vir de qualquer lugar, sensação potencializada pela “câmera do demônio” que possui suas vítimas quando bem entende. O cenário novo não impede Cronin de realizar referências aos filmes originais. Galhos de árvore ganhavam vida e prendiam uma personagem, realizando abusos físicos e sexuais; aqui são cabos de elevador que ganham vida e consumam a violação e homenagem. Não há como escapar do mal.

A noção do mal que está em todo lugar no cenário ao redor de seus personagens não é, no entanto, alguma novidade do filme recente, e talvez o apontamento que retorna aos filmes originais ressalte justamente a falta de fôlego que o novo filme possui ao se assumir como parte de um legado. O filme de 2013 se divorciava do camp característico da franquia para forjar seu próprio caminho e lugar na franquia; o novo filme retorna aos elementos do camp, mas não por completo, contentando-se em replicar cenas clássicas como aquela do globo ocular que voa na boca, de Evil Dead 2. O papel de fã vai e volta nos planos-homenagens que Cronin realiza, como o elevador se abrindo revelando o mar de sangue de O Iluminado. O diretor se contenta com a replicação dos grandes.

No entanto, a replicação não é o que sustenta A Morte do Demônio – A Ascensão, mas sim a fidelidade à essência daqueles filmes: a perversão. O destino cruel não só aos coadjuvantes como também ao seu protagonista – nunca capaz de voltar ao seu lar nos originais – regeu a lógica de Evil Dead nos capítulos anteriores, e essa lógica se estende aqui. A violência gráfica existe de forma descomunal e sem-vergonha como deveria, mas o elemento principal de como ela vinha em Evil Dead sempre residiu no caráter injusto e não redentório da mesma. Assim, em A Morte do Demônio – A Ascensão, nem mesmo as crianças estão à salvo, e o temor pelo destino delas se torna parte essencial do sucesso que a autoconsciência de Cronin traz.

Dito isso, se a violência em Evil Dead sempre veio de forma injusta para os condenados, para os heróis ela sempre veio no auto-flagelo, e a subversão que o novo filme faz funciona porque desta vez a catarse da violência não vem na forma de remover membros do corpo – um símbolo da franquia e até do próprio reboot de 2013 – mas sim em manter a vida, aqui na aceitação da maternidade, que vem também a aceitação de promover a carnificina para que a vida aconteça.

Mas ainda existe a prestação de serviço ao legado da franquia, e se o novo filme não possui Bruce Campbell e seu rosto de borracha que elevava o humor físico e slapstick, ele ao menos se beneficia de um ótimo trabalho de casting com Alyssa Sutherland como Ellie, seu belo sorriso corrompido pela maquiagem de sua forma demoníaca. A Atriz, alta, magra e de feições angulares, consegue transitar entre o ameaçador e o cômico com eficácia, se destacando na cena pela qual o filme se justifica: aquela que se passa da perspectiva de um olho mágico de uma porta. Na cena, equilibram-se os elementos que tornam a franquia A Morte do Demônio o que ela é. Entre uma morte ou outra, temos a tensão, o terror e o humor do absurdo, enquanto Ellie, possuída, tenta convencer de forma cartunesca e materna sua filha mais nova a abrir a porta para que ela entre.

Momentos como este estão inseridos num cinema meio torto de replicações para o fã e de um humor movido a autoconsciência e subversão de expectativas, mas A Morte do Demônio – A Ascensão se encontra no que é familiar – a entrega a violência como único meio de fuga, como meio transformador de um universo cruel e implacável. O novo Evil Dead não se entrega a um humor honesto e até pueril (mesmo que inserido em situações de carnificinas impiedosas) dos originais, nem se compromete a traçar um novo caminho formal como o reboot de 2013, mas se encontra – e se contenta – na violência sacana promovida pelos demônios que controlam, como sempre, a narrativa – desta vez com mais consciência desse controle e desse pacto entre o filme e audiência.

  • Nota
3

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